segunda-feira, junho 24, 2019

Velhos não são os que têm muitos anos mas os que não entraram a tempo no comboio dos seus filhos


[daqui]


Ao ler a crónica de Gabriel Garcia Márquez em que fala dos Beatles, 'Sim, a nostalgia continua a ser como dantes', fiquei a pensar que sou uma desnaturada. Por muito que goste de um escritor, de um compositor, de um pintor, de um escultor -- e há tantos de que tanto gosto -- se quiser referir o meu preferido não consigo. Não há nenhum de que consiga dizer de que gosto muito mais do que de muitos outros. Pior: se quiser provar que gosto muito de muitos, começo por bloquear. Parece que não consigo enunciá-los com receio de me esquecer dos mais importantes. Parece que precisaria de um mês inteiro para me ir lembrando, para ir fazendo selecções. E isto parece-me grave: como não ter preferências? Como não ter nomes na ponta da língua?

Claro que gosto dos Beatles. Mas, se quiser escolher qual a música deles que prefiro, assim de repente, nem me lembro. Por facilidade, mero facilitismo, talvez dissesse o Imagine. Mas sei lá se é a que prefiro. Não me lembro é, agora, de uma dúzia delas para as pôr por ordem. E nem sei se a que preferisse seria preferível a algumas de Simon & Garfunkel. Por exemplo, adorava o Bridge over troubled water. E de tantas outras. Ou da Janis Joplin. Adorava. Adorava dançar ao som da Janis, uma loucura. Ou do Bob Dylan. Ou sei lá de quantos mais, tantos.

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E porque estou a falar daqueles que me acompanharam quando era menina e moça e não dos que ainda me acompanham, dos que descubro e tanto gosto? Não sei. Se não sou dada a nostalgias, mas é que nem pó, porque é que agora fui atrás da dica e me pus a enunciar gente de quando eu era novinha? Devia era pôr-me para aqui a falar dos de agora, dos que nem ouço na rádio tão desconhecidos ainda devem ser. Mas, lá está, vou dizer um ou dois quando são tantos?

Refere o Gabo aquilo de os melhores músicos serem aqueles cujo nome começa por B. Bach, claro. Beethoven, Brahams, Bartók. Claro. Mas não tenho sequer cabeça para discutir se sim, se não, se os Bs são melhores que os Ms, por exemplo. Li divertida sobre os outros que devem ser arregimentados para o inspirado clube dos Bs. Mas só me lembrei deles depois de ler os seus nomes. Mas, de resto, nem sei se faz sentido ter pódios. Para quê?

E quem diz músicos, diz escritores, diz todos os artistas. E tantas vezes me acontece numa dada fase da minha vida não apreciar um autor e anos decorridos ficar estupefacta com a minha insensibilidade de então.

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Por exemplo: uma vez, adolescente, ouvi uma música de um tal Bob Dylan e fiquei surpreendida, referindo-o ao meu namorado da altura. Vai ele, no meu aniversário, ofereceu-me o último LP dele. E disse: 'Eu gosto e resolvi oferecer-te porque percebi que ficaste surpreendida mas não sei se vais gostar'. E pôs a tocar. E, de facto, eu voltei a ficar surpreendida, mas fiquei, outra vez, sem perceber se gostava ou não. Alguns anos depois, fiquei surpreendida foi por, na altura, não conseguir perceber se gostava ou não. E isto tem-me acontecido com tudo, escritores, pintores, escultores, bailarinos.

Agora uma coisa é certa: se por vezes sinto nostalgia de algumas coisas como, por exemplo, de dançar apaixonadamente ao som da Janis, de cantarmos todos em coro o Dia de Domingo com a Gal e o Tim Maia, vários amigos a cantarem a plenos pulmões, ao domingo, em casa do Luís que foi o primeiro a ter esse LP, se recordo com alguma saudade a descoberta de Abelaira, de Rodrigues Miguéis, se tudo isso e muito mais, a verdade é que o meu pensamento está sempre mais desperto é para descobrir gente nova, coisas novas. Mesmo que a 'coisa' nova seja um livro velho de um autor que já não está entre nós, como é o caso deste livro que tenho andado a ler e do qual extraí a expressão que usei para dar o título a este post.



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E escolhi a Eleanor e a Lucy apenas porque Garcia Márquez as refere na crónica acima referida.

Mas poda ter escolhido qualquer outra coisa como, por exemplo, do Devendra Banhart o desconcertante: Für Hildegard von Bingen



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E queiram descer um pouco mais caso queiram saber o que penso da Libra, do CaLibra e todas essas gracinhas do senhor Zuckerberg


4 comentários:

  1. A Kullervojunho 24, 2019

    "Claro que gosto dos Beatles. Mas, se quiser escolher qual a música deles que prefiro, assim de repente, nem me lembro. Por facilidade, mero facilitismo, talvez dissesse o Imagine." (sic)

    Dear Madam,

    Just for the record, and Phil Spector aside, "... [m]usic critic Paul Du Noyer described 'Imagine' as Lennon's 'most revered' post-Beatles song." (Emphasis mine, source)

    And a bonus (because love conquers all and everything...)

    Also, it's ok to hate The Beatles (maybe...)

    Best regards.

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  2. Somos humanos e, às vezes, fazermos escolhas pode ser extremamente difícil o que não significa que somos uma desgraça por isso! Tens bons gostos! Boa semana!

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  3. Hi A Kullervo,

    Thanks for your bonus, gifts and all that. You are a gentle person (should I say: man?)

    Gostei de ouvir as músicas que enviou e que desconhecia. E até por isso, por haver tanto mundo para descobrir, como ser sectária a ponto de achar que há uma, entre todas, que merece estar sozinha no pódio, a melhor de todas?

    Mas sabe uma coisa? Se parar durante uns instantes e me forçar a escolher uma canção que sempre me toque, é em Lili Marleen que geralmente penso. Talvez a interpretada por June Tabor. Do you know it? Do you like it?

    Best regards.

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  4. Olá Mamã Iogurte,

    Vamos abrindo portas, fechando outras. Arrumando memórias em caixas que vamos fechando. E esquecendo.

    E, nesse percurso, vamos mudando. Modificamo-nos, os nossos gostos vão mudando.

    E nem sempre nos vamos conhecendo melhor: vamos é ficando intrigados connosco, com o que temos por descobrir em nós.

    Abraço, Mamã Iogurte!

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