Vou vendo notícias aqui e ali mas, para minha admiração, não de primeira página, não de forma urgente, não como tomadas de posição firmes, concertadas, consequentes e ao mais alto nível. E, no entanto, não preciso de invocar a minha intuição para prever o perigo que se está a perspectivar.
Estou a referir-me a mais um passo no caminho 'imperialista' do Facebook. E coloquei aspas por prudência, para que pensem que estou a metaforizar e para que não fechem já isto.
E, contudo, a palavra império deveria surgir às claras, sem aspas. Zuckerberg e as suas empresas, que já são preocupantemente hegemónicas e que controlam a informação pessoal e as emoções de milhões e milhões de pessoas em todo o mundo, portam-se de facto como se de verdadeiros construtores de impérios se tratassem. Acresce que são também uns piratas com todos os riscos que isso comporta. E, pior, são gente que tem mostrado à saciedade que desconhece o que é a ética. Pior ainda: agem à solta, num mundo que ainda não acordou para a necessidade de regular monstros destes.
Number of monthly active Facebook users worldwide as of 1st quarter 2019 (in millions)
O crescimento da utilização mostra bem a dimensão do Estado Facebook |
A estes valores relativos aos 10 países com mais utilizadores de Facebook haverá que juntar os outros milhóes que não usam Facebook mas usam o WhatsApp e o Instagram |
Acresce que todo o crescimento destas empresas (Facebook mais o Instagram e mais o WhatsApp, empresas também suas), a sua política de engolir empresas para que o Facebook seja cada vez mais indestrutível ou para as destruir caso não se deixem engolir, deu agora um passo ainda mais preocupante. Vai ter a sua própria moeda.
Daqui |
E arregimentaram uma série de parceiros, tecnológicos e não só, para parecer que isto não é bem aquilo que parece: uma tremenda ameaça. E eu vou sabendo disto e pasmo: mas quem tem poder para cunhar moeda não são os países?
Nem que de propósito, acabo de ouvir o Paulo Portas no noticiário da TVI a falar nisto. E a falar bem. Mas um tema que mereceria destaque foi encurtado pela Judite que quis que ele despachasse o assunto. A falta de tino destes jornalistas é assustadora.
Sinceramente não percebo a passividade dos países perante isto. Quando o sistema financeiro estiver às aranhas perante crises que inevitavelmente haverão de surgir e que, forçosamente, serão de grandes dimensões e com efeitos imprevisíveis (por exemplo, entre muitos outros riscos, tem tudo para poder vir a ser um esquema de pirâmide de colossais dimensões), meio mundo virá dissertar sobre o que se deveria ter feito e não fez, dirão que era óbvio que iria acontecer e surgirão reportagens mostrando as evidências dos riscos que estavam a ser forjados à vista de toda a gente, dizendo que só não viu quem não quis ver. A posteriori são sempre muito inteligentes, os comentadores e os jornalistas de eleição, os especialistas em obituários.
É certo que já o ministro daqui e dali disseram alguma coisa, quiçá até com alguma veemência, que o organismo de supervisão dos bancos centrais se pronunciou, que o co-fundador veio, de novo, alertar para o perigo do Facebook... mas uma coisa destas não se compadece com luvas de pelica, com reacções avulsas, com afirmações esporádicas, timoratas ou inconsequentes.
Parece que não há estadistas com visão que saibam detectar os perigos e saibam como travá-los a tempo. Mas travá-los a sério: pé na porta, espadeirada a preceito, saltos em cima a pés juntos, e, claro, estratégia e táctica inteligentes, estruturadas, concertadas.
E, note-se, isto não é conservadorismo, reacção dos instalados face aos new comers. Nada disso. É a percepção do risco ao ver o poder de uma organização que interage directamente com 2.800.000 de pessoas (dados de Março deste ano) dispersas por praticamente todos os países do mundo, sem regulamentação efectiva, sem controlo efectivo sobre as suas operações (como o demonstram todos os escândalos que volta e meia vêm a lume)
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Para quem esteja interessado, deixo dois links para artigos no The Guardian:
Libra cryptocurrency: dare you trust Facebook with your money?,
John Naughton
The social media giant’s foray into bitcoin territory – with some financial big hitters on board – should prompt suspicion
We’ve known for ages that somewhere in the bowels of Facebook people were beavering away designing a cryptocurrency. Various names were bandied about, including GlobalCoin and Facebook Coin. The latter led some people to conclude that it must be a joke. I mean to say, who would trust Facebook, of Cambridge Analytica fame, with their money?
Now it turns out that the rumours were true. Last week, Facebook unveiled its crypto plans in a white paper. It’s called Libra and it is a cryptocurrency, that is to say, “a digital asset designed to work as a medium of exchange that uses strong cryptography to secure financial transactions, control the creation of additional units and verify the transfer of assets”. (...)
At one level, this looks like the standard reaction of established powers to an unruly disrupter. But before we dismiss it as the predictable huffing and puffing of worthies, it’s worth asking a couple of questions. One: are we comfortable with the idea of a new global currency controlled by a consortium of corporate bosses? After all, central bankers are at least appointed by democratic administrations. But nobody elected Zuckerberg & Co. And two, the biggest question of all: what does Facebook get out of it? At the moment, nobody knows. Stay tuned: this is going to get interesting.
E também:
Facebook's Libra cryptocurrency 'poses risks to global banking',
Phillip Inman and Angela Monaghan
Move could affect competition and data privacy, warns Bank for International Settlements
Facebook’s plan to operate its own digital currency poses risks to the international banking system that should trigger a speedy response from global policymakers, according to the organisation that represents the world’s central banks. (...)
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Um bocadinho ao lado, mas... uma brincadeirinha (assustadora e educativa) sobre os perigos destas corporações e da perda de controlo da sociedade sobre as atividades que desenvolvem. Neste exemplo, uma brincadeirinha com os assistentes pessoais tipo Siri (Apple), Cortana (Microsoft), Google Assistant, ...
ResponderEliminarhttps://weekwithwanda.com/
Olá Paulo,
ResponderEliminarNem me liguei com medo do que me pudesse acontecer. Será que corria o risco de me apaixonar pela Wanda? Será que às tantas estava a marcar encontros secretos com a Wanda? Será que, por detrás da Wanda, se esconde com Wando?
Ui... medo...
:)))