Nesta minha semi-hibernação, semi-adormecida a semi-ver semi-cenas, no outro dia vi parte de um programa em que uma jovem família trabalhava na preparação de bacalhau. Mas o que fez tocar várias campainhas foi quando vi que punham o bacalhau num grande camião e que, ao fim de cinco dias, estava em Portugal. Nunca me tinha ocorrido que, para fazer tal distância, usassem o transporte terrestre. E, a partir daí, comecei a pensar que era um bom passeio para fazer de carro, parando, vendo.
Mas hoje, ao falar nisso, percebi que, para não ser uma estopada, sempre a despachar, levaríamos muitos dias a ir e vir. E tenho sempre esta coisa de não me sentir muito confiante em afastar-me durante muito tempo. Antes, quando os meus filhos eram pequenos, ou ia com eles ou não queria estar longe durante mais do que dois ou três dias. Agora que são grandes e que já têm os seus próprios filhos, é deles todos que não quero afastar-me durante muito tempo mas, também e sobretudo, dos meus pais. Houve um período, quando os meus filhos se autonomizaram e os meus pais ainda eram 'novos' e ainda o AVC não tinha surgido na vida do meu pai para, coitado (tão independente e orgulhoso da sua independência que ele era), condicionar a vida de todos em que nos sentíamos como dois jovens em início de casório. Ou como namorados. Livres, sem preocupações.
Mas, com isto, o meu marido lembrou-se daquela hipótese de que ambos tanto gostamos mas que, para falar verdade, apenas usámos duas vezes, por sinal, em duas vezes em que havia greve nos aviões: Lisboa-Paris de comboio, sendo que, em Wagon Lit, de Espanha para Paris. E fiz outra vez na Alemanha, salvo erro de Dortmund para Frankfurt, passando pelos castelos do Reno e pela Catedral de Colónia, só que dessa vez não foi com o meu marido, foi com um colega. Comboio.
E lembrei-me de uma frustração que alimentei durante anos. Sempre fui muito de não parar sossegada e, apesar de me dar muito em com os meus pais, de ter muita vontade de me libertar do controlo familiar. E de viajar. Por isso, a minha ambição era fazer o interrail. Cedo comecei a falar nisso. acontece que também sempre namorei e, portanto, logicamente iria viajar com ele. Alimentei a esperança de ir com qualquer dos três. Mas a perspectiva de verem a filha, alguém que sempre sentiram que não poderiam ter à rédea curta, a ir pelo mundo com o namorado, sabe-se lá com que ideias 'avançadas' (como diziam que eu tinha) e sujeita ao falatório das vizinhas, era coisa que não encaixava na cabeça deles. Por isso, sempre a fustigar-lhes a cabeça para me deixarem ir, sempre revoltada por não o deixarem, acabei por casar, começar a trabalhar, ter filhos e tudo isso que nos prende os pés ao chão -- e nunca fui.
E foi disso que esta noite me lembrei. Disse ao meu marido: e se fossemos, mochila às costas? Ele virou-se para mim, espantado. Diz que ele conseguiria, eu não. E isto porque diz que conseguiria meter numa mochila razoável aquilo de que precisaria. Mas que eu nem pensar.
Não sei, tenho que pensar. Nem sei se os comboios são bons, confortáveis. quando viajei em wagon-lit era um luxo. Tinha um quarto maravilhoso. Jamais me esquecerei da experiência. Mas presumo que já não haja nada disso.
A filha de uma prima minha estudou em Praga. Dali partiu para tudo o que era país à volta. Metia-se no comboio com o namorado e amigos e ia conhecer outros mundos. E eu ouvia isto como se fosse uma realidade distante. Mas, pensando bem, porque é que há-de ser distante?
Gostava de ir conhecer os fiordes mas também não será preciso numa única viagem ir até tão a norte. Se calhar, para experimentar, poderíamos tentar uma viagem mais modesta.
Mas isto sou eu a sonhar através da ponta dos dedos. O cansaço faz-me ter vontade de abrandar, de tirar um tempo para passear, sem pressas, sem compromissos, sem agendas a rebentar pelas costuras.
O meu marido ficou entusiasmado. Ao princípio, quando ainda estava na fase da viagem de carro, até me lembrei de alugarmos uma autocaravana e irmos por aí, estrada afora. Mas ele torceu o nariz. Na volta acha que já é tarde para virarmos hippies a dormir à beira do mar ou no sopé de uma montanha.
No entanto, só o pensar nisto, parece que já me faz sair um pouco desta semi-letargia em que este hiper-calorão me deixa.
E talvez um dia também consiga ir conhecer a Australia, visitar a Deb Morris, talentosa fotógrafa do mar e das ondas, de quem um dia destes aqui falarei e a quem dedico estas minhas modestas fotografias tiradas esta sexta-feira ao fim do dia, quando fui respirar o ar fresco do mar que sempre tanto bem me faz. Ou talvez ela se convença a vir fotografar o belo mar de Portugal.
Que bela evocação dos grandes comboios europeus.
ResponderEliminarAlgumas dessas carruagens da WL acabaram a fazer noturnos Porto <-> Algarve, via Vendas Novas e Beja.
Muito embora os comboios noturnos sejam cada vez mais raros, ainda vão subsistindo alguns com serviço cama - cabina dupla ou single com banho privativo.
Lisboa - Paris (ou melhor Irún) é o caso, mas com modernas composições Talgo-Trenhotel desde 2011.
Espero que possa desfrutar de um fim-de-semana reparador.
ResponderEliminarHoje em dia sinto-me cansada, como a UJM, mas as minhas ambições de viagem são mais modestas: até perto do mar, onde um dia espero ter uma pequena casa.
E sonho desesperadamente com a reforma para poder ter tempo para mim e para as coisas que gosto e que nunca consigo fazer. Concretizei um sonho antigo: tenho o meu pequeno atelier, mas ainda não consegui ir para lá trabalhar...só olhar!
Esta lei que nos obriga a trabalhar muito mais anos é uma chatice. Mas enfim...temos que cá andar para pagar aos bancos as dívidas que os berardos, os salgados e outros tantos iguais, nos obrigam a pagar.
Espero que consiga realizar o seu sonho, de ir por essa Europa fora sem preocupações!
Beijinhos e um bom fim-de-semana:))
Tenho viajado de comboio, com alguma regularidade, na Europa, basicamente (mas, também já sucedeu noutros Continentes, mas aí, em comboios turísticos. Aconselho no Canadá, África do Sul, Índia, Austrália). Muitos países têm uma Ferrovia muito boa, como a Suíça, Itália, Áustria, Alemanha, Espanha, França, (o Reino Unido já teve melhor, mas, com a privatização de uma boa parte dessa mesma Ferrovia, levada a cabo por essa indescritível criatura, a Margaret Thatcher, veja-se a Virgin, por exemplo, a qualidade deteriorou-se) etc, etc. Portugal poderia ter, mas, infelizmente, os Partidos do Arco-da-Governação do Poder, PS/PSD/CDS, nunca, seriamente, investiram nesse sector, preferindo o alcatrão. E hoje, a situação começa a ser preocupante. Imbecilidades provincianas típicas desses 3 Partidos (que, de Lisboa, julgam que conhecem o País. Não conhecem, nem nunca farão o devido esforço para tal. Embora, alguns desses políticos até venham da Província. Mas, depois, como bons pacóvios que são, deslumbram-se uma vez chegados à Capital, onde acabam por ficar). Mas, apesar de tudo, lá vou - por vezes, de comboio -, em vez de carro, por exemplo, até ao Porto, Guarda, etc. E lá, ou ando de transporte público, táxi, ou alugo um carro. Gosto, muito, de andar de comboio (a par de gostar igualmente, de conduzir e viajar de automóvel). Tem-se tempo para ler, ou um livro, ou documentação de trabalho, aprecia-se a paisagem, observam-se pessoas e seus comportamentos, pode tomar-se uma bebida, enquanto se desfruta uma boa leitura, etc). É na verdade uma pena que não se tenha investido muito mais na rede ferroviária. Portugal poderia estar traçado pela linha férrea e só ganhávamos com isso. Por exemplo, sempre que vou até Itália, uma vez por lá, chegado de avião, todo o restante percurso para onde me dirijo, faço-o de comboio. É muito agradável (e no caso de Itália, levar uma viatura melhor é receita para que ela nos seja furtada. Outra razão suplementar para se fazer bom uso do comboio). Viajo de comboio há anos, desde a minha juventude. Embora, como digo, em determinadas circunstâncias, como quando planeio férias, em Portugal, após a necessária consulta através do Mapa (ACP), faça esse tipo de viagens por carro. Aí é diferente. O comboio, por cá, é um recurso que, por vezes opto, por apreciar e me proporcionar desfrutar tempo para mim. Já em férias, por cá, prefiro a viatura. São opções que faço em função de determinadas situações. Cuidado com os enganos, todavia. Uma vez, aqui há uma meia-dúzia de anos, quase fui parar a Paris, indo de Zurique, não tivesse o “pica-bilhetes” dado conta do erro, logo após eu ter iniciado a viagem. Saí a tempo, mas perdi uma ligação.
ResponderEliminarSou um apaixonado pelas viagens de comboio, mas também nunca fiz um inter-rail. E isto porque desde o fim dos anos 90 que deixou de ser realmente atrativo do ponto de vista do custo. De facto, assistimos à queda dos preços das viagens de avião seguida das viagens de avião low cost, fenómeno acompanhado com o fim de muitas ligações de longa distância (nomeadamente transnacionais) de baixo custo (comboios nocturnos) e transformação de outras linhas em ligações inter-cidades / inter-regionais (de preços mais caros).
ResponderEliminarEm Portugal nunca tivemos uma densidade de ferrovia comparável a muitos países europeus e para variar, conseguimos destruir tudo, sobrando apenas o eixo Braga/Guimaraes-Porto-Lisboa-Faro. Bragança vai estar dentro em breve mais perto de Madrid do que de Lisboa por exemplo.
Por este contexto, tanto Europeu como Português, sugiro os comboios regionais. No entanto isso implica um programa menos ambicioso no alcance e mais suave, calmo e paciente. Em Portugal resta a linha do Douro para isso (e mesmo aí não chega inacreditavelmente a sítios emblemáticos como o Museu do Parque do Côa, a escassos metros de uma estação do troço final da linha que está desativado... já agora, aconselho fazer a parte espanhola dessa linha a pé... os espanhóis arranjaram aquilo para a malta caminha e está fenomenal!). Aqui mesmo ao lado sugiro as Astúrias e a rede Feve, de via métrica (usada em locais de orografia difícil mas muito cenica, nós tínhamos uma rede grande e lindíssima de via métrica mas está quase toda abandonada... sendo que a do Tua está parcialmente a ser transformada num carrossel turístico sem piada nenhuma mas com muito dinheiro público lá enterrado para o Sr Mário Ferreira faturar e continuar a ser visto como o novo empresário modelo deste país).
Até já veio nas sugestões do Guardian:
https://www.theguardian.com/travel/2017/aug/15/slow-train-spain-feve-railway-santander-asturias-galicia
De resto, pegando na deixa do comentário do anónimo ali em cima, fica a nota que por imposição europeia, esse modelo da Tatcher no Reino Unido está a ser implementado em toda a Europa, com a liberalização total concluída dentro de 1 a 2 anos (a divisão da cp em duas empresas, a cp e a refer foi uma imposição legal europeia, para operacionalizar o mercado ferroviário). Já está em fase de estudos uma ligação privada entre Vigo e o Porto, por exemplo (privada mais ou menos... é a DeutchBahn).
As más línguas dizem que o desinvestimento dos sucessivos governos na cp e nas linhas de comboio foi exatamente para facilitar a aceitação social da privatização. :)
Ainda assim, a CP faz milagres. Os Intercidades são carruagens dos anos 60, que as oficinas (emef, que também se anda a tentar privatizar) foram arranjando e renovando, até ao que são hoje, com capacidade para andarem a 200km/h.
Enfim.
Ps: bem perto de Lisboa, o Barreiro era um centro ferroviário muito importante e "conserva", em elevado estado de degradação, uma bonita estação rodo-ferro-fluvial que vale a pena a visita para viajar imaginando as histórias e viagens que ali se iniciaram e terminaram.
Também gosto de andar de comboio (já fui de comboio a França - Toul, há muitos anos) e durante três anos fui de comboio para Lisboa, todas as semanas e concordo completamente com os comentários anteriores. Foi uma pena, por todos os motivos, o abandono e o desinvestimento na rede ferroviária nacional. Foi bom o desenvolvimento de estradas, mas o comboio é um excelente meio de transporte em muitas situações.
ResponderEliminarBeijinhos:))
O serviço IC padece dos erros cometidos no passado, nomeadamente quando em 1985 se adquirem carruagens novas para os futuros Alfa em número de 58 e passados 8 anos se remodelam Sorefames convencionais em número de 45. A insuficiência nota-se logo quando se introduzem os IC, em 1988, as carruagens CoRail (dos Alfa) só dão para os IC do eixo Lisboa-Porto-Braga, os restantes são corridos a carruagens Sorefame ou automotoras sem ar condicionado. Quando se procura remediar o disparate com a renovação de algumas Sorefame de 1967/68, comete-se novo disparate, renovam-se apenas 45 e os eixos da Régua, Oeste e Alentejo não podem beneficiar deste material.
ResponderEliminarEm 1998, os eixos onde restavam as Sorefames convencionais passam a InterRegional, sendo extintos os horários um ano depois no Douro e Oeste, mas retomados no Alentejo quando algumas das carruagens dos Alfa são libertas para os IC com a chegada dos primeiros Pendulares.
Em 2002 as carruagens de '85 passam todas para a alçada dos IC, mesmo assim ao longo dos anos o número de carruagens sempre se revelou deficitário.
Olá a Todos,
ResponderEliminarClaro que li e apreciei e registei as dicas e tudo mas atrasei-me tanto na resposta aos comentários que, se me ponho a tentar recuperar as respostas atrasadas não consigo tempo para escrever um post que ainda hoje gostava de escrever.
Por isso, aceitem as minhas desculpas. Andei completamente sem energia e sem tempo durante a semana que passou e cometi a indelicadeza de sem sequer agradecer os comentários.
A ver se esta semana me corre melhor.
Obrigada,
E dias felizes para Todos.