terça-feira, junho 25, 2019

As inteligentes perguntas do PSD a Sócrates.
As úteis e inteligentes Comissões Parlamentares de Inquérito


Ouvi na televisão que os deputados da Comissão de Inquérito à CGD querem lá o Sócrates e, não querendo ele oferecer-lhes o pratinho e optando por responder por escrito, vão enviar (ou já enviaram) perguntas.

Uma coisa meio maluca. Tudo isto é maluco, desprovido de senso. Ao fim de não sei quantos anos, os deputados resolvem acordar para a vida e, virgens de primeira viagem, ficam numa excitação, coisa adolescente, pueril, parvoíce de juventude retardada e bobinha.

Nos tempos áureos da alavancagem financeira, em que as universidades (e polvilhem tudo de um bom catolicismo) ensinavam que bom, mas bom mesmo, era as empresas endividarem-se, endividarem-se até ao tutano, com ou sem garantias palpáveis, em que a publicidade invadia todos os espaços com empréstimos para toda a gente, empréstimos a perder de vista, até para quem não tinha dinheiro nem para mandar cantar um cego  -- nessas alturas, os senhores deputados não viram nada, não juntaram dois e dois. Olhinhos wide closed, como é seu costume. Nem o fizeram os comentadores económico/financeiros que sabem tudo mas só depois de toda a gente o saber. Nessa altura, os senhores deputados haveriam de andar entretidos com outras questões póstumas porque só reagem muitos anos depois, quando do morto já nada resta, só memórias esfumadas.

Nesta altura há questões presentes, profundas, que se não agarradas a tempo impactarão intensamente os tempos futuros mas que é lá isso...? Não são temas mediáticos, não são a espuma dos dias. E os senhores deputados só se interessam pelo que já lá vai. 

Agora que os bancos até já estão razoavaelmente sanados, em que os tempos dos créditos à tripa-forra já lá vão e em que os bancos até se uniram para tentaram, pelas vias normais, ressarcir-se dos buracos causados pelos grandes caloteiros do regime, é que os deputados acordaram e querem saber, ao pormenor, quem é que fez ou desfez nos idos de já nem sei quando. 

Não digo que não haja coisas a saber agora. Há. Por exemplo, seria interessante como foi possível dissolver um grande banco da forma como foi, com ministros de férias e a assinarem de cruz. Ou como foi aquela divisão entre o bom e o mau, em que o bom ficou cheio de coisas más que parece que não cabam e que, agora que o banco foi vendido nem sei bem a quem, é preciso continuar a meter lá dinheiro. Isso seria interessante saber. E não foi assim há tanto tempo. Agora é que seria de questionar a Marilú e o Láparo, ou até a Cristas, amiga, assina lá, enquanto a memória deles ainda estiver fresca. Ou a nulidade do Carlos Costa, esse que passou por todo o lado em que houve buraco sem nunca se ter dado conta de nada e indo acabar no Banco de Portugal onde elevou a sonsice até a um nível de manhosice insuportável.

Mas não. Os senhores deputados armam-se em investigadores, em juízes fora de água e, para ali estão, horas a fio, entretidos com um exercício de auto-exibicionismo e onde também oferecem palco a exibicionistas falhados, a gente que já não se lembra de nada (* e já vos explico porque é que acredito que não se lembrem mesmo), um exercício que volta e meia é de pura prepotência, maldade gratuita e humilhação dos inquiridos, um exercício que dá canal, que garante partilhas nas redes sociais, que alimenta a indústria do comentário político, que alimenta a rábula, a graça fácil -- e que, em termos práticos, não passa disso.

E tudo isto culmina na parvoíce mais completa ao quererem que Sócrates, que deixou de ser primeiro-ministro há oito anos e que, desde então, tem sido escrutinado, virado do avesso, inquirido, inspeccionado, trespassado por raios x e ressonâncias magnéticas, scanneado, espiolhado, bisbilhotado, trespassado, passado a ferro, posto atrás de grades, vigiado à distância e à lupa, agora responda a puerilidades como esta:
Sr. Eng. recebeu quantias monetárias ou outros bens por parte do Grupo BES, Grupo Lena ou Vale do Lobo?
Agora, meus Caros, digam-me: isto não é de gargalhada? Estarão à espera de que resposta? 

Olhem, só me ocorre isto: LOL 😂😂😂😂😂 (a ponto de ir às lágrimas)


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* Por razões que agora não vêm ao caso, não devo conseguir escapar de ser testemunha de um caso que se passou há uns quatro anos. Quando chegou a notificação, chutei para canto. Quando me perguntaram o que sabia eu do caso, a minha primeira reacção foi que pouco ou nada sabia, que tinha acompanhado a coisa já no rescaldo. Foram-me fazendo perguntas e eu fui puxando pela cabeça e, aos poucos, fui-me lembrando de alguns episódios. No outro dia, numa reunião com advogados, tentaram que me lembrasse de mais coisas. Às tantas eu disse que só tinha tido algum envolvimento já o caso estava consumado, para aí a partir do verão de há uns três anos. Uma das advogadas olhou-me como se não acreditasse, dizendo-me que não lhe parecia provável que no prazo de um ano não tivesse havido nada e que eu não soubesse de nada. Um hiato de um ano? Fiquei a pensar que, de facto, era estranho. Mas não me ocorreu nada em que eu tivesse participado nesse período. Fiquei de procurar mails antigos. Pois bem. Resmas, paletes. Tive conhecimento, participei durante o dito ano em que juraria ser-me totalmente alheio. Estive a reler os mails e fiquei perplexa. Não me lembrava de nada de nada de tudo aquilo. Ao reler, claro que as memórias se foram reconstruindo mas, antes, juro: zero. Como explicar isto? Penso que é simples. Para mim, aquilo era marginal. Sendo caso grave, muito grave mesmo, para os lesados e para os directamente envolvidos, para mim aquilo era coisa em que participava sobretudo como expectadora. E, de lá para cá, todos os dias acontecem coisas. Quantas outras crises, quantos outros problemas? Mal de nós se mantivéssemos vivos todos os registos de tudo o que fazemos em todos os dias da nossa vida. Acho que até tenho boa memória e, no entanto, apesar de todo o meu envolvimento naquele caso durante um ano, só me recordava, e sem grande pormenor, do que se passou de há três anos para cá e apenas porque passei a ter intervenção na primeira pessoa. Portanto, acredito e mais do que acredito que aquela gente que vai à Comissão e que não se lembra do que se passou há oito ou dez anos, em reuniões iguais às que se têm todos os dias de todos os meses e de todos os anos, está a falar verdade.

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As duas últimas imagens provêm do mui saudoso We have kaos in the garden

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4 comentários:

  1. Parece que não reparou ainda que este país é uma anedota.

    Gosto preferencialmente é quando os inquiridos dizem:

    - Não me lembro ou não tenho memória disso.

    E ninguém investiga.

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  2. Olá Anónimo/a

    Pois eu, tal como refiro ao evocar o meu caso pessoal, acredito que uma pessoa não se lembre do que disse ou fez num certo dia de há vários anos. Acontece. O que está mal é a curiosidade dos senhores deputados (e jornalistas) só aparecer quando já passou tanto tempo que ninguém se lembra de nada. Isso é que é uma anedota.

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  3. Acho que já toda a gente sabe que as comissões parlamentares de inquérito são uma espécie de tirocínio para jovens "promessas" políticas que desejam palco mediático.

    Foi assim no duelo Melo/Constâncio, com o primeiro a receber um bilhete dourado para oarlamento europeu, ou no duelo Mortágua/Salgado.

    São demasiado más para terem qualquer credibilidade.

    A pergunta que mandaram ao Sócrates é do mais reles que vi até agora, embora de resposta simples.

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  4. «Ao fim de não sei quantos anos, os deputados resolvem acordar para a vida»
    Assim se comprova o regresso da 'choldra' do século XIX.
    Quando tiveram oportunidades sobre oportunidades de lhe fazerem perguntas, das oposições ou do próprio partido, calados que nem mulas.
    Melhor, de olhos vendados, orelhas tapadas, boca fechada, como naquela figura dos três macacos.
    Agora, comprovam uma das leis da Psicologia: Lei das Compensações.
    A compensar os dias, meses e anos do rame rame parlamentar*.
    Dispensados dos esforços de estudar, investigar e pensar, os ministros e ajudantes, como os PM, lá iam passando por entre Suas Preguiçosas Presenças, salvo alguma oposição porque sim, mais por razões tribais do que nacionais.
    Do Triunfo dos Banksteres... a um ou dois casos concretos:
    a) Panóplia TGV, do baço Barroso (Foi VExa que pediu um TGV Faro-Huelva?), ao brilhante Sócrates (TGV Lisboa-Madrid, 1.000 passageiros diariamente, mil em cada sentido).
    b) Saga Tancos. Sem o pacto de Varsóvia, sem SMO, sem capitais com a Tróika, incapazes, (ou capados?) de ter visto o óbvio em 2004: paióis encerrados, racionalizar o produto (SMO finito, pois)
    * Agora, é vê-los como 'trabalham' se afadigam, meses e meses de audições, perguntas de algibeira, lá disporão de uns/umas secretários/as para elaborar relatórios em conformidade.
    Apetece dizer como o muito activo Pres CML (João Soares) desabafava com frequência:
    Não há pachorra.
    Vão brincar aos investigadores em Neverland City.

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