Como seria de esperar, dormi, dormi., dormi Dormi até manhã alta, dormi a seguir ao almoço, dormi antes de jantar.
Saí de tarde para estar com eles -- o bebé a dormir no carrinho, a menina a fazer equilibrismo nas cordas do arborismo, as crescidas na conversa e os rapazes, claro, a jogarem à bola (rapazes onde se incluem os crescidos, incluindo até este muito crescido que agora, aqui ao meu lado, canta Zeca Afonso enquanto na televisão passa um concerto que ainda não percebi se é de homenagem ao grande compositor se é de homenagem ao 25 de Abril).
Apesar do vento frio, dois dos meninos, os manos, trajavam a rigor: equipamento do Sporting de alto a baixo. Os outros despiram os casacos e camisolas para, no relvado, fazerem as balizas.
Apesar do vento frio, dois dos meninos, os manos, trajavam a rigor: equipamento do Sporting de alto a baixo. Os outros despiram os casacos e camisolas para, no relvado, fazerem as balizas.
Depois fomos lanchar. Uns devoradores que surpreendem pelo inesgotável apetite. Até o bebé, depois de comer meia bolinha de pão com queijo, devorou, em três tempos, uma empada de galinha. Dos crescidos nem se fala: são poços sem fundo. Um gosto de ver.
Quando cheguei a casa vinha pior, mais congestionada. E, aqui no sofá, voltei a adormecer. Penso que seja o efeito da ceterizina que tomei ontem ao adormecer. Daqui a nada vou tomar outra porque já não estou uma fonte pingante mas estou longe de estar bem. Passei o inverno sem me constipar e agora, nesta mistura de primavera -- primavera que tem sido um misto de verão e invernia -- é que fui apanhar uma destas.
Mas adiante que esta coisa das constipações, apesar do mal-estar que causa, é uma doença de porcaria, não merece tanta prosa.
No outro dia, ou mais propriamente na véspera do 25, ao sair da empresa, despedi-me de uns com que me cruzei dizendo: Um bom 25 de abril! Olharam para mim, admirados, como se não percebessem, e disseram-me apenas, 'Bom feriado'. Fui no elevador um bocado incomodada. Depois pensei que ambos nasceram depois desse dia e que, na volta, é data que já pouco diz a quem não sabe como eram as coisas antes. Tenho pena. Haveríamos de encontrar uma forma criativa de fazer chegar aos mais jovens a mensagem de que a democracia e a liberdade são bens não adquiridos, efémeros, frágeis.
Os tempos de antes, cheios de negrume e atavismo -- tempos antiguinhos, de atraso e pobreza, tempos opressivos e de estúpida repressão, tempos que deveriam ser rejeitados por toda a gente de bem, tempos que não deixaram saudades e de que toda a gente de bem deveria guardar medo e a mais funda rejeição -- são tempos cujo fim deveria ser festejado sempre com alegria e convicção.
De manhã, enquanto eu dormi, o meu marido foi fazer uma caminhada e passou por lugares de homenagem. Quando acordei, disse-me, e percebi que estava com pena: 'Só velhotes'.
Não pode ser.
Os portugueses gostam de carpir, gostam de dizer mal, gostam de desprezar as suas raízes. Parece que o que os motiva são sobretudo as causas pontuais, com algo de onírico e distante, causas em que se envolvem empolgadamente (vestidos de branco, velas na mão, correntes no facebook, ajuntamentos virtuais, coisas assim) para logo a seguir se desinteressarem. Parece que não sabem honrar com renovado orgulho os que um dia se bateram pelo país, os que um dia se levantaram, dando o corpo às balas, para libertar o país seja do domínio estrangeiro, seja do atraso de uma vida em que se asfixiava.
Penso que todos, cada um de nós, deveria ser capaz de manter vivo o interesse e o orgulho colectivo nos melhores de nós, nos mais corajosos. Deveríamos ser capazes de mobilizar o interesse dos mais jovens pela defesa do património de memórias que ajudem a preservar a lembrança dos tempos retrógrados, anquilosados (em que até os jeans ou a coca-cola eram proibidos) como forma de garantirmos que nunca mais voltarão.
E há tanto por descobrir nessas memórias -- os que um dia também foram jovens, com sonhos e que, por serem rebeldes e intrinsecamente livres, tiveram que viver em cativeiro, foram torturados, viveram na clandestinidade, tiveram que emigrar. São histórias que podem ser contadas com vozes novas, com vozes que emocionem e fiquem gravadas no coração de quem as ouça.
Vou acabar com mais uma música do Zeca. Tal como a primeira, Achégate a Mim Maruxa (que, se em tempos conheci, agora já não recordava), também esta, Galinhas do Mato, me soa a nova, tão nova, tão coisa de amor e ternura, cântico para tempos novos, sem querer saber de raças ou fronteiras. Faz parte do seu último álbum no qual, devido à sua doença, a maioria das canções já não pòde ser interpretada por ele.
Sempre tanto por descobrir.
Tão fértil e rico o património artistíco de José Afonso. Tão fértil e rico o património cultural e histórico do meu país que espero que, para sempre, seja de Abril.
Os tempos de antes, cheios de negrume e atavismo -- tempos antiguinhos, de atraso e pobreza, tempos opressivos e de estúpida repressão, tempos que deveriam ser rejeitados por toda a gente de bem, tempos que não deixaram saudades e de que toda a gente de bem deveria guardar medo e a mais funda rejeição -- são tempos cujo fim deveria ser festejado sempre com alegria e convicção.
De manhã, enquanto eu dormi, o meu marido foi fazer uma caminhada e passou por lugares de homenagem. Quando acordei, disse-me, e percebi que estava com pena: 'Só velhotes'.
Não pode ser.
Os portugueses gostam de carpir, gostam de dizer mal, gostam de desprezar as suas raízes. Parece que o que os motiva são sobretudo as causas pontuais, com algo de onírico e distante, causas em que se envolvem empolgadamente (vestidos de branco, velas na mão, correntes no facebook, ajuntamentos virtuais, coisas assim) para logo a seguir se desinteressarem. Parece que não sabem honrar com renovado orgulho os que um dia se bateram pelo país, os que um dia se levantaram, dando o corpo às balas, para libertar o país seja do domínio estrangeiro, seja do atraso de uma vida em que se asfixiava.
Penso que todos, cada um de nós, deveria ser capaz de manter vivo o interesse e o orgulho colectivo nos melhores de nós, nos mais corajosos. Deveríamos ser capazes de mobilizar o interesse dos mais jovens pela defesa do património de memórias que ajudem a preservar a lembrança dos tempos retrógrados, anquilosados (em que até os jeans ou a coca-cola eram proibidos) como forma de garantirmos que nunca mais voltarão.
E há tanto por descobrir nessas memórias -- os que um dia também foram jovens, com sonhos e que, por serem rebeldes e intrinsecamente livres, tiveram que viver em cativeiro, foram torturados, viveram na clandestinidade, tiveram que emigrar. São histórias que podem ser contadas com vozes novas, com vozes que emocionem e fiquem gravadas no coração de quem as ouça.
Vou acabar com mais uma música do Zeca. Tal como a primeira, Achégate a Mim Maruxa (que, se em tempos conheci, agora já não recordava), também esta, Galinhas do Mato, me soa a nova, tão nova, tão coisa de amor e ternura, cântico para tempos novos, sem querer saber de raças ou fronteiras. Faz parte do seu último álbum no qual, devido à sua doença, a maioria das canções já não pòde ser interpretada por ele.
Sempre tanto por descobrir.
Tão fértil e rico o património artistíco de José Afonso. Tão fértil e rico o património cultural e histórico do meu país que espero que, para sempre, seja de Abril.
Abril sempre, 25 de Abril sempre.
Sempre.
Para sempre.
Viva minha querida amiga, e que Abril seja Sempre.
ResponderEliminarEu tive o privilégio de viver a bela revolução,e a Poesia estava na rua.
E a vida foi diferente,a guerra Colonia?a Cultura? A Liberdade?
A concretização de um futuro que os portugueses viam negro, ficou azul de esperança.
Um Abraço
Os jovens já não se entusiasmam com o 25 de Abril. Passa-lhes ao lado.
ResponderEliminarGosto destas histórias em família!
Desejo-lhe boas melhoras e um bom fim-de-semana:))
Para os que não viveram o 25/4 talvez umas fotografias ajudem
ResponderEliminarhttps://derterrorist.blogs.sapo.pt/no-tempo-do-coise-e-que-era-bom-3912034
Estávamos em Maio de 1973. Fui incumbido de "representar" o CEM de Coimbra nas cerimónias do enterro de um militar morto em Angola, já casado com um filho menor, numa Aldeia do Concelho da Guarda. O Pai do falecido completamente fora de si, tresloucado, queria abrir a urna. É uma recordação terrível. Todo o pelotão chorava. Guardo a imagem do J. Valentim (furriel) a chorar como uma criança e as palavras da sua revolta. Soube depois que após a minha saída, a urna foi aberta.
ResponderEliminarEu que nasci quase 13 anos depois não deixo de me comover com tão bela data, com as belas baladas de intervenção, com os cravos, com as histórias.
ResponderEliminarAs suas melhoras do raio da alergia.
Um bom fim-de-semana.