Não há coisa mais democrática que as redes sociais: toda a gente opina por igual e vai um e diz que gosta e vai outro e bota-lhe um smile e outra um LOL e outra um friso de DDDD, e vai link para aqui e link para a acolá. O povo a fazer as suas escolhas.
Na cabeleireira, lugar que encaro com fascínio, ouço uma conversa entre a cliente e a menina que faz nails em gel e em gelinho: Pah, fui lá, vi as fotografias dela e pus logo lá um like mas já reparaste que a gaja a mim nunca põe um like? Mas eu ponho, sou assim, para ela ver que a mim não me afecta. A outra aprova: 'Bofetada de luva branca'. E, enquanto ali estou, as conversas giram sempre neste registo. Presumo que nada saibam de política nem dos escândalos do Facebook. E, quando votam, sem nada saberem de concreto sobre o que os candidatos têm para oferecer e sem poderem em consciência fazer um rigoroso juízo de valor sobre desempenhos anteriores ou sobre eventuais consequências (boas ou más) das promessas dos candidatos, o voto delas vale tanto quanto o das pessoas bem informadas.
Veja-se o que aconteceu no Reino Unido: uma votação assente em manipulação da informação prestada aos eleitores (lembram-se do escândalo da Cambridge Analytica?), sobretudo incutindo-lhes medo, levou a que estes tomassem a irresponsável decisão de saírem da União Europeia. No dia seguinte, depois do lindo resultado, a Google ia aterrando com os britânicos a perguntarem o que era o Brexit. Ou seja, tinham votado sem saberem no que se iam meter. Mas como o seu voto é soberano, andam agora a querer cumprir essa determinação, mas completamente às aranhas. Parte dos que os meteram nisto já se pisgaram e os outros não se entendem. Uma coisa desconcertante de tão estúpida que é.
Ou a malta que votou no Trump? Os mais desfavorecidos foram os que mais o apoiarem. Um sujeito que parece atrasado mental de tão boçal que é e que, por incrível que possa parecer, ainda tem muitos apoiantes. O mesmo acontece com Marine le Pen: os imigrantes, nomeadamente os portugueses, são fervorosos apoiantes. Acham que a mãezinha os vai poupar a eles, banindo 'os outros'. Um pouco por todo o lado, os populistas e a extrema direita vão ganhando terreno com o voto popular e democrático dos mais incultos, dos mais facilmente manipuláveis.
É a democracia a funcionar.
A comunicação social séria vai soçobrando pois assenta num modelo de negócio que está a ficar obsoleto neste mundo imediatista que gira em torno do uso intensivo e pseudo-gratuito das plataformas colaborativas e partilhadas. Por isso, o que poderia ser um contraditório rigoroso e eficaz também está a desaparecer -- e a cambada que começa no populismo para acabar no totalitarismo vai alastrando.
Não me perguntem qual a alternativa à democracia porque não saberei responder. Melhor do que a democracia não conheço. Talvez uma democracia filtrada e regulamentada mas, muito sinceramente, não sei se isso não é a contradição dos termos. Se calhar é.
Além do mais, há outra coisa: muitos democratas tendem a ser pouco pragmáticos, tendem a encarar assuntos relacionados com democracia e liberdade como tabus. Se alguém tenta reflectir sobre o tema, logo se erguem, doutorais, de pedras na mão, querendo expulsar do templo os que, genuinamente, gostariam de encontrar uma forma eficaz e 'democrática' de preservarem a democracia.
Penso que nas escolas, todas as escolas, e na sociedade em geral deveria ser suscitada esta reflexão.
Tal como a tecnologia barata ubíqua e de utilização desregulada pode devorar a liberdade e a qualidade de vida dos cidadãos também a vida actual -- com muitos políticos oportunistas ou fracos como moscas mortas, e com a opinião pública condicionada pela praga das redes sociais -- pode minar os pilares da democracia.
Tal como a tecnologia barata ubíqua e de utilização desregulada pode devorar a liberdade e a qualidade de vida dos cidadãos também a vida actual -- com muitos políticos oportunistas ou fracos como moscas mortas, e com a opinião pública condicionada pela praga das redes sociais -- pode minar os pilares da democracia.
Mas, enfim, é tarde, está um frio dos diabos, a casa está envolta num denso nevoeiro, e eu não serei a pessoa mais instruída para dissertar sobre o tema. Fico-me, pois, por aqui.
Queiram, antes, ver este vídeo que o P. me enviou e que bem interessante é.
Why Socrates Hated Democracy
We’re used to thinking hugely well of democracy. But interestingly, one of the wisest people who ever lived, Socrates, had deep suspicions of it.
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Escolhi fotografias do alemão Matthias Haker que mostram belíssimos edifícios abandonados pois, em tempos, pareceram perfeitos, eternos, foram estimados e nada parecia anunciar o abandono e a decrepitude a que agora estão votados. Se existe a perspectiva de democracia correr o risco de vir a ter o mesmo destino (mesmo que só por vezes e em alguns lugares) então, naturalmente, fico apreensiva. Muito.
De Arvo Pärt o Cantus in Memory of Benjamin Britten com Tilda Swinton no vídeo
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Muito bem observado.
ResponderEliminarE a senhora "Um jeito manso" que detesta nem lê os gregos antigos por preconceito, evidentemente não sabe pensar o que tenta disfarçar com estilos literários e, deste modo vem com este vídeo "fake news" fazer precisamente o papel da 'menina que faz nails em gel'.
ResponderEliminarUJM,
ResponderEliminarDepois de ler este comentário do anónimo sobre os "fake news", deixo-lhe uma palavra de apoio ao seu Post. Entretanto, convém não esquecer Bolsonaro que também foi eleito com o apoio de gente que nada sabe, nem entende, de política - a par dos poderosos que controlam a riqueza daquela excelente nação (esses, sim, sabem o que querem de Bolsonaro). O perigo para as Democracias de hoje é capacidade impressionante de influenciar eleitores através da divulgação de notícias falsas e da manipulação das mesmas. Só mesmo gente instruída e que segue e se interessa pelos seus direitos politicos, sociais, económicos, etc tem capacidade para perceber a mentira desse tipo de manipulações.
Bom fim de semana!
P.Rufino.
Caro Snr, Rufino,
ResponderEliminarEntão o senhor, tal como a senhora de "Um jeito manso" considera que tal video não é uma 'fake news' como não é um descarado video manipulador contra a democracia que se serve da dúvida filosõfica e pensar, génio dos gregos (podia o video até argumentar seriamente com Platão e a sua declarada simpatia pela aristocracia de que era oriundo e que estudou e explicou em vários momentos),para vender a ideia de que a Democracia é um mal tal que até Sócrates a detestava.
Até Sócrates, calculem, cujo principal princípio filosófico era que "é preferível sofrer uma injustiça do que cometê-la" e que de acordo com tal princípio se submeteu a julgamento e à morte (podia ter aceitado o exílio proposto ou fugir como propunham os amigos)como prova moral e físico desse valor superior que era a Democracia ateniense é, segundo o mistificador autor deste video um homem que "detestava a Democracia".
Só a maneira como apresenta os políticos actuais retratados sobre o Partenon e inventa que era lá, e não na Àgora, que os gregos discutiam a filosofia e a Polis é um espelho límpido da mensagem fake que quer transmitir aos "só mesmo gente instruída que sabe de política..."
Contudo saber de política é conhecer os seus fundamentos originais e não por leitura de jornais, revistas ou cliques de google os quais conduzem normalmente ao letrado tipo eleitor de Oeiras.
Conheço bem a forma de estar de potenciais votantes nestas figuras, por cá têm sido eleitores do PSD ou do CDS, repetem toda a k7 da politiqueirice de ataques ad hominem, acham que as coisas só lá vão com chicote, dividem o mundo entre trabalhadores e calões, são tendencialmente xenófobos porque sim, no fundo destilam inveja de tudo o que não lhes seja simpático ou próximo.
ResponderEliminarNão me admira nada que certos imigrantes rejubilem com a Le Pen, no fundo há um complexo de serem gente de primeira e que serão bafejados pelo prémio das suas virtudes. Só que não serão!
Um bom fim-de-semana, rica UJM.
ResponderEliminarMuito bem analisado.
Os ricos/poderosos defendem os seus interesses.
Os desinformados/incultos/pobres também, porque aceitam tudo o que lhes é debitado e porque pensam que se estão a defender dos que lhes podem "roubar" os seu direitos ou o posto de trabalho.
Aconteceu na Grã-Bretanha, nos EUA, no Brasil, em todo lado.
Na Europa (Portugal incluido) veja-se como têm medo dos refugiado e dos imigrantes.
Bom fds