segunda-feira, dezembro 10, 2018

A vez dos mais pequenos: indefesos e jaunes


Tão bem que se esteve este domingo in heaven: um solinho primaveril, um calorzinho suave, um cheirinho bom.

O meu marido, como sempre, madrugou, nem dei por ele. Sai e vai fazer as suas incursões pelos bosques ainda tingidos pelas cores recém amanhecidas e orvalhadas. 

Eu não. Eu deixo-me dormir até o corpo querer. Acordei tarde, preguicei, andei nas calminhas pela casa. Vi os progressos no tapete, arrumei algumas coisas, tomei o pequeno almoço, bebi um café bem quentinho, li mais um pouco das palavras ditas por Graça Morais. A seguir chegou o meu marido. Depois do seu passeio já tinha começado a queimar mato e ramos. Então, quando fui passear, estava aquele perfume que o fumo transporta levando o cheiro da madeira a arder misturado com o do eucalipto, dos pinheiros, do alecrim. 



Gosto muito desse perfume. É o cheiro do campo mais profundo, os elemntos em comunhão: a terra, o ar e o fogo. E a água -- porque a terra está húmida, verde, macia.

Andei devagarinho, olhando as árvores, os arbustos, as florzinhas que começam a despontar no alecrim, junto ao musgo. Dá-me ideia que há cada vez mais pássaros. Cantam, cantam. Uma indiscritível paz.

Então reparei que os cogumelos tinham desaparecido. Fui espreitar os lugares onde, no último dia, tinha visto aqueles maiores, os recantos onde estavam grandes grupos deles. Nem um. Baixei-me a ver se havia vestígios. Nada.

Continuei. Se há momentos bons na minha vida, e felizmente há muitos, são momentos assim, caminhando entre as árvores, em plena serenidade, ouvindo o silêncio temperado pelo canto dos pássaros, pelo toque dos sinos ao longe, sentindo a aragem perfumada, sem tempo.

E assim fui, andando, devagar, fotografando.

E, então, reparei numas pintinhas quase brancas. Entre a caruma, entre folhinhas secas, umas pintinhas clarinhas. Baixei-me. Ajoelhei-me na terra.

Surpresa, surpresa. Eram uns cogumelos pequenininhos. Nem queria acreditar. Como é que eu nunca tinha visto? Que triste cegueira.

Então descobri vários. Ínfimos. Tão bonitos, tão indefesos. Quantos terei eu já pisado? Sem perceber que estão ali, avançando devagar mas à toa, se calhar destruindo aqueles serzinhos tão facilmente destrtuíveis.






As fotografias não mostram bem quão pequeninos são. Tive que me encostar ao chão, fazer zoom. Que encanto. Tão bonitos, tão incrivelmente perfeitos. E frágeis. E efémeros. Estava a vê-los e a pensar que, se calhar, para a semana já terão desaparecido.

Pensei: como podem 'objectos' tão maravilhosos ser, por vezes, fatais? Tentadores, mortais. Mas não sei se estes são desses. Só que, mesmo que não sejam, não seria capaz de ter vontade de comê-los. Só contemplá-los, descobrir a maravilha que são.

E, ao ir assim, muito atenta, muito, muito atenta, vi uma pequena manchinha amarela e brilhante. Uma folha molhada? Baixei-me. Afastei uns pauzinhos que estavam por cima. Um cogumelo. Amarelo. Irreal. Lindo. Amarelinho, amarelinho.

De novo quase deitada sobre a caruma, de novo com zoom, olhei fascinada a nova descoberta. Intrigada pensei: mas sempre os houve? Bichinhos lindos, tingidos de luz, nascidos da terra cheios de cor? E eu nunca, nunca, nunca sequer suspeitei da sua existência. Parecem de brincar, parecem inventados, postos ali só para desafiar a minha desatenção.


E. mais à frente, mais dois. Junto a uma fina rede de orvalho, um vulnerável tecido de quase invisíveis fios de água, ali estavam dois cogumelos minúsculos, amarelinhos, dourados, improváveis aparições.


E logo mais à frente mais dois. Um encavalitado no outro, como que a brincarem, um a rir com os dentinhos à vista. Rendilhados por debaixo, macios, pequenas preciosidades que um qualquer deus ali deixou.


Naturalmente, com a descoberta de jóias assim, feitas de água e luz e ténues fios da mais frágil, breve e dourada substância, eu fico maravilhada. Quantas mais coisas eu desconheço e que estão junto a mim, sob os meus passos, querendo que o meu olhar nelas pouse? Como podemos achar que sabemos tudo, que sabemos muito, quando, na verdade, não sabemos nada, não vemos nada? Temos que olhar devagar, com tempo, temos que ter a humildade de nos baixarmos, de andar rente à terra. O mundo é tão incrivelmente maravilhoso e nós não o olhamos com o amor e devoção que ele merece. Que pena que tenho por terem passado tantos anos que desperdicei sem ver o que parece invisível mas que é tão cheio de beleza e vida, tão cheio de milagres.


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Antes de me despedir, permitam que partilhe convosco um bailado lindíssimo: Infra

Edward Watson e Marianela Nuñez dançam o pas de deux final numa coreografia de Wayne McGregor com música de Max Richter



E porque me apetece ouvir falar de beleza:

Endymion...A Thing of Beauty de John Keats (lido por Tom O'Bedlam)


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Todas as fotografias foram feitas este domingo in heaven. A última, que -- não sei porquê -- me parece quase dramática, mostra o tronco do plátano grande. Eu estava deitada na mesa de pedra que está debaixo dele a ver chegar a noite enquanto os pássaros entoavam a última valsa do dia.

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Desejo-vos uma semana muito feliz, a começar já por esta segunda-feira.

Desejo que haja saúde, alegria e beleza na vossa vida.

4 comentários:

  1. A minha vénia agradecida por estes momentos de rara beleza.
    🌲L

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  2. Verdade, UJM. Tantas pequenas maravilhas que nem sempre vemos. Precisamos de aprender a olhar.
    Boa semana para si também. :)

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  3. L da árvorezinha de natal,

    Muito agradecida pelas suas palavras. Os mini-cogumelozinhos são lindos e eu escrevi sobre eles em puro estado de encantamento.

    Obrigada!

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  4. Olá Luísa,

    Fala quem sabe... que eu passo a vida a descobrir, com todo o gosto, aquilo que os seus atentos olhos vêem. Não é verdade que a gente vê melhor e presta mais atenção aos pormenores quando podemos socorrer-nos da máquina fotográfica?

    Obrigada, Luísa. Pelas palavras e pelas suas reportagens!

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