sexta-feira, novembro 09, 2018

O Silvano das baldas, o germânico Rio dos iogurtes
-- e o homem dos pretos que roubam namoradas.
[... Mas anda tudo doido ou quê....?]



Vinha a chegar a casa -- e juro que isto é rigorosamente verdade -- e, no passeio, um homem bastante alto, talvez uns quarenta e muitos anos, talvez até cinquenta e poucos, bem vestido, um saco ao ombro, uma mala de desporto na mão, seguia devagar enquanto falava alto ao telemóvel. Já era de noite -- o que não admira porque se às seis é de noite, fará quase às oito -- e apenas uma ou outra pessoa passavam a caminho de casa.

Calhou eu ir na mesma direcção, atrás dele. Tinha passado pelo supermercado e vinha devagar, com a carteira ao ombro e as compras na mão, tentando não deixar cair a caixinha de infusão de gengibre ou o de camomila ou o saquinho dos miolos de amêndoa. E, portanto, não pude deixar de ouvir a animada conversa. O outro com quem o grandão falava devia dizer piadas porque ele se ria muito. Quase parava para rir. Depois foi a vez dele falar. E disse, com voz alargada de sorrisos e boa disposição: 'Fui lá ver. Aquilo é bom. Tens que lá ir. Combinamos, vamos os dois. Diz quando queres, Vamos. Gostei, pois.' O outro disse qualquer coisa ao que ele respondeu: 'Lá nos Jerónimos? Fui, mas não. Não, não, não presta. Tou-te a dizer. Não presta. Não vale a pena.' A voz animada, voz de conhecedor, a confiança de quem tem dicas para dar e vender. E continuou: 'Nas Descobertas? Ná... Não fui. Sabes o que é que o outro rapaz me disse? Olha, avisou-me: lá nas Descobertas tá cheio de pretos. Uma pretalhada. Se apareces com uma namorada, os pretos sacam-na logo, sais de lá sem namorada.' O outro disse qualquer coisa e ele continuou: 'Achas que vale a pena ir a um lugar assim? Ná. O rapaz contou-me como é. Ná. É que, tás a ver?, íamos com duas namoradas e no fim os pretos é que ficavam com elas. Ná. Não vale a pena'. 

Por esta altura, ultrapassei-o e perdi o fio da conversa. Discretamente ainda olhei para trás. O homem parecia normal, diria mesmo com bom ar. Mas esta conversa foi muito estranha. É que nem consigo descodificar. Uma coisa tão sem sentido que apenas bateria certo se o homem fosse retardado. Mas pareceu-me tudo menos isso. 

Portanto, não sei. Mas juro que isto se passou tal e qual assim.

Só me ocorre dizer que toda aquela conversa foi tão disparatada e fora de propósito como a do tal Silvano que se deve achar um chico mais esperto que os outros ou como o Rio com aqueles dispautérios do prazo de validade dos iogurtes ou a responder aos jornalistas em alemão. Olha-se a tentar perceber se há ali algum atraso mental e dir-se-ia que não, pelo menos não parece, mas, a sério, qual a lógica das parvoíces que fazem e dizem? Juro. Não percebo.

(E estas do Silvano e do Rio também são verdade, as coisas também estão a passar-se rigorosamente assim.)

Se tenho que concluir alguma coisa acho que só pode ser isto: parece que anda tudo doido, doido varrido.


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Por estas e por outras é que é bom fazer-se ioga, arroioloterapia, tricoterapia e etc.

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10 comentários:

  1. UJM, li duas vezes o excerto do diálogo dos homens e não consegui encontrar nada estranho, atendendo a que se trata de uma conversa privada e que por isso não tem de ter preocupações com a interpretação dos outros ou com o que parece bem (para não dizer "politicamente correcto", que é uma expressão que não gosto de usar).

    E isto acontece muito nas nossas vidas, o decidir de acordo com o que gostamos e queremos, gerindo "ameaças".

    Não sei se se trataria disso, mas tenho constatado que também acontece muito as pessoas que estão em grupos minoritários, usarem a diferença que mais as caracteriza como grupo minoritário (raça, sexo ou género, etc.) para se sobreporem aos outros porque sabem estar mais defendidas pela descriminação.
    Nalgumas situações destas, e noutras também, a fragilidade e a dependência têm imenso poder que pode ser usado abusivamente.

    Há uns tempos, num grupo de homens contratado para me fazer um trabalho, havia um preto que foi mal educado e arrogante comigo, tendo eu percebido que estava a agir assim para me desafiar, a ver se eu reagia na mesma linha para depois me acusar de racista. E eu não mordi o isco e não reagi precisamente por ele ser preto, ou seja, afinal tratei-o de forma desigual em função da raça porque não é meu hábito deixar passar estas atitudes em branco.

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  2. Francisco de Sousa Rodriguesnovembro 09, 2018

    UJM, é a típica conversa de exibicionista que precisa de mostrar ao mundo que tem vida social e, claro, namorada, portanto não é de admirar o tipo de paleio, que no caso está bem temperado de um típico de racismo bacoco, pois não deixa de atribuír características negativas às pessoas em função da cor da pele, ao invés de se referir ao facto das pessoas terem comportamentos socialmente desadequados, dizer "pessoal da pesada" ou "de faca na liga" faria toda a diferença. Adorei foi o ato falhado do tipo dizer que correm o risco de ficarem sem namoradas, isto é quase um harakiri a tanto garbo machão.

    A questão de se usar a pertença a uma minoria para posturas arrogantes e acusar o outro de discriminação quando se é confrontado é exatamente a mesma coisa que as pessoas que usam das suas qualidades (supostas ou reais) para se sobreporem e usam o argumento da inveja quando não lhes aparam o golpe, tudo questões de formação e estruturação da personalidade. Pessoalmente, não tenho qualquer precoupação em estabelecer limites à arrogância ou qualquer atitude que ache desadequada independentemente de quem a exercça, pois não tenho qualquer dúvida sobre o meu amor pela diversidade e sobre o meu horror à acepção de pessoas baseada nas suas origens, género, fisionomia, orientação sexual, estatuto sócio-económico...

    Um abraço!

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  3. Gosto muito da bordadoterapia pois também retomei tal atividade mas agora o meu foco é
    destralhoterapia

    um alivio
    :)

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  4. Muito racismo lavra ainda por aí.

    Tenho tido alguns alunos negros. Vindos de Cabo Verde e São Tomé, sobretudo. Muito poucos negros nascidos e criados em Portugal. Esses, sem sotaque que se note, tão bem integrados como todos os outros. Mas são pouquíssimos. Já os vindos de fora são em número considerável; aí a conversa é outra.

    Um aluno branco chato responde a uma pergunta sem jeito nenhum. Conversa de encher. Falando por falar. Como se lhe fosse dar nota só por saírem sons da sua boca, mesmo que não saia ideia nenhuma - muito menos que se aproveite. Há muitos assim. Consideram-se aplicados e participativos. Não há pachorra. Os colegas simplesmente não ligam nenhuma. Agora é o negro a falar, sotaque marcado. Também não diz nada de jeito. Banalidades. Ou repete o que eu tinha acabado de explicar. Um leve burburinho na sala. Vejo. Aqueles que, cinco minutos antes, diziam o mesmo tipo de tretas sem interesse nenhum, agora reviram os olhos, fazem sorrisinho trocista, buscando cumplicidade nos colegas e em mim. Como se eu tivesse algum interesse em fazer parte de um suposto grupinho onde entro eu e aquela elite de alunos fantásticos de sotaque branco e fica de fora o coitadito do negro. Não têm sorte, que snobismo tenho eu que chegue e sobre: o mesmo aborrecimento com que ouço as banalidades de uns, ouço as dos outros. É remédio santo: voltam rapidamente ao seu estado normal de desinteresse.

    Não é só com negros. Tive uma situação chata em que a visada era uma aluna com piercing. Alguém que também estaria fora daquele grupinho na mente de alguns estudantes de Direito. Aqui o estigma partiu só de um dos alunos. Um rapaz inteligente, bonito e muitíssimo cheio de si, a quem no primeiro semestre dei uma boa nota, mas que no segundo se foi desleixando na preparação das aulas e, por isso, via-me obrigada a "encaminhar" as suas respostas muito mais do que o que seria desejável. Ele, sentindo isso, ia ficando cada vez mais frustrado. A rapariga de piercing, por outro lado, estava a participar cada vez mais. Inicialmente muito tímida, foi-se sentindo cada vez mais confortável em participar nas aulas, o que muito me orgulhava. Um dia, começa ela a resolver um caso e diz-me que prefere começar por resolver certa questão, por ser mais simples, apesar de o enunciado do caso começar por outras. Disse que sim, podia começar por ali para se arrumar logo a questão mais simples. O rapaz passa-se. "Começamos sempre pelo início, por que é que agora vamos começar pelo meio?! Nunca fazemos assim!" Uma coisa tão tonta que fiquei inicialmente meio embasbacada e só reagi quando me apercebi de que a miúda já nem queria responder.


    Isto para dizer que o que as pessoas querem é validação, não pelo seu mérito e pelas suas qualidades, mas pelo reconhecimento da sua suposta superioridade em relação a pessoas que veem como alvos fáceis para mandar abaixo, nomeadamente pessoas com características que facilmente as distinguem das outras. O racismo é a forma mas fácil de o fazer.

    Abraço e bom domingo,
    JV

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  5. Olá Isabel,

    Pois, admito que tenha razão, que não percebi nada daquilo porque não tinha mesmo nada que perceber já que a conversa não era comigo. Mas é que a conversa me pareceu tão desprovida de sentido, abstrusa, estapafúrdia. E mais estranho ainda quando o homem me pareceu tão normal. é certo que era de noite ele devia pensar que ninguém estava a vê-lo e ouvi-lo e, portanto, não se esforçou nada por manter a reserva da conversa. Ou, então, caso fosse mesmo um marialva de meia-tigela, estava a falar alto para se ouvir. Embora me parecesse que não, que ia mesmo distraído. Mas o estranho é que se eu o visse apenas jamais, olhando para ele, imaginaria que fosse possível uma conversa tão maluca.

    Mas, enfim o mundo é mesmo assim, cheio de coisas ilógicas.

    Um bom domingo, Isabel.

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  6. Olá Francisco,

    Curioso que diga isso, e logo, justamente, o Francisco. Então acha que o fulano seria apenas um marialva parvalhão, racista, exibicionista? Não lhe parece que fosse um perturbado a precisar de se tratar?

    Pois eu achei que o fulano, apesar de aparentar normalidade, deveria ser retardado. É que não me parece possível que um homem 'normal', ainda que parvo, tenha conversas daquelas.

    Não foi o ser exibicionista ou marialva ou racista: foi mesmo a forma parvalhona como aqueles três ingredientes se juntaram.

    Mas, enfim, sabe mais disto que eu... A minha vontade era dizer: 'Ó pá, cale-se, não vê que só está a dizer parvoíces sem qualquer nexo?' mas, com receio que fosse mesmo maluco, fiquei caladinha e fui para casa a tentar digerir aquele chorrilho de maluqueiras.

    E olhe, doutor, agora faça o favor de não vir dizer que a maluca ali era eu, ok...?

    Um bom domingo!

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    1. Francisco de Sousa Rodriguesnovembro 14, 2018

      UJM, na muche, pois um marialva, exibicionista, racista, parvalhão é tudo menos uma pessoa saudável, normalmente anda pelas raias das estruturas borderline-narcísicas. Pessoas cujas dinâmicas relacionais favoreceram o desenvolvimento de uma personalidade assente numa ideia de auto-grandiosidade e numa enorme superficialidade emocional, que dependo do contexto sócio-cultural das pessoas vai ter umas vestes mais rebuscadas ou ser tão clara que a debilidade fica à vista.
      Sim, precisam mesmo de se tratar, mas são os últimos a perceber isso, pois sobrevivem bem nos meandros da competição ao gosto de certos capitalismos, nomeadamente os de vestes sofisticadas.

      Maluca? A UJM é, sim,
      uma pessoa de olhão e de coração (o que não é novidade).

      Um abraço!

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  7. Olá Maria,

    Destralhoterapia também é bom. Ainda no outro dia enchi uns sacos de roupa e fui colocar num daqueles contentores de roupa usada. Ao mesmos que a minha tralha (neste caso, roupa) seja útil a alguém.

    Um bom domingo!

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  8. Olá JV,

    No curto espaço de tempo em que dei aulas, o meu melhor aluno era um negro retinto, alto e magro como um junco. Mamadu. Moçambicano. Uma inteligência cintilante. Sotaque de negro. E eu mostrava tamanha admiração por ele que nunca colega algum teve alguma vez sequer veleidade de gozar com ele.

    E agora tenho um colaborador negro. Suave e silencioso. Gozam com ele. Tenho um colega muito racista, muito limitado. Tenta gozar com o meu ajudante (e digo ajudante porque mais do que colaborador ele é um verdadeiro ajudante). Desprezo o meu colega e mostro que não admito piadas racistas. Por vezes aborreço-me com o meu ajudante porque não sabe impor-se ou não sabe ser mais persistente. Ouve-me com um sorriso, diz que eu tenho razão. E eu perco logo toda a arrelia.

    Agora lhe digo, JV, imagino como devem ser interessantes as suas aulas. E é isso aí: mantenha-se firme, justa. E tente que branquelas empertigados não saiam formados, curso feito, com ideias preconceituosas na cabeça.

    Um bom domingo, JV!

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  9. UJM, ainda não tive nenhum aluno negro brilhante, como também não tive nenhum branco. Mas tenho um colega angolano que é o tipo mais interessante que já conheci. É uns anos mais velho, andava já a tirar o mestrado enquanto eu ainda a licenciatura. Bonito, de bela pele castanha e boa constituição, sotaque charmoso, inteligente. Tudo nele é charme. E cultíssimo. Até de futebol foi a pessoa da minha geração que conheci que disso mais sabia. Os pais não pertencem aos angolanos riquíssimos do poder, pertencem à escassissima classe média - ambos professores.

    É tão óbvio que possa haver pessoas extraordinárias de qualquer cor ou sotaque, como pessoas desinteressantes e chatas.

    Abraço,
    JV

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