domingo, novembro 25, 2018

A casa de Blanche




Hoje, quando aqui chegámos, a casa estava gelada. Chovia que deus a dava. Ainda chove. Tanto que não consegui ir dar o meu passeio. Estivémos todo o dia dentro de casa. Aqui nesta salinha, temos a lenha a crepitar na salamandra e, ainda, o aquecedor a óleo. Amanhã a casa já estará agradável. Mas  quando a invernia aperta, no primeiro dia, quando chegamos, a casa mostra-se triste, ressentida por não lhe abrirmos as janelas para que a luz possa aquecê-la um pouco. Uma casa é um organismo vivo, sei isso muito bem.

Estou a fazer a passadeira em arraiolos. O prazer por bordar voltou em força. É uma sensação boa, é uma fonte de motivação. E tenho visto televisão e lido as cartas de Manuel Laranjeira. E falado ao telefone. Acho que também dormitei durante um bocado. Está-se bem aqui. Estive a fotografar a rua, a chuva nas árvores, as folhas outonais cheias de água, e, depois, andei a fotografar galos e galinhas. Não tenho afeição especial por galinhas ao vivo mas acho os galos um bicho garboso, cheio de pose. Acho graça à sua representação: havendo imaginação, saem galos e galinhas estilizados, coloridos, divertidos. Tenho-os de lata, de madeira, de louça, pintados por mim. De tudo um pouco.


(Perguntei ao meu marido o que achava ele de termos galinhas à solta. Li ou vi na televisão, não me lembro, que são boas para os terrenos, que reciclam o que encontram e tornam as terras férteis. E depois tinhamos os ovos. O meu marido disse que nem pensar, que me deixasse eu de ideias destas. Não insisti) 

Gosto de cirandar pela minha casa observando os meus objectos, alguns herdados de avós ou tias. Tenho muito carinho por eles. Outros oferecidos. Tenho algumas coisas oferecidas ou restauradas pelos meus pais. Tenho também carinho especial por eles. E tenho outros que tenho comprado ou feito.

Podia pôr-me aqui a escrever sobre cada uma das coisas que me rodeia. Quase tudo tem uma história. Este móvel aqui à minha frente, o que tem a televisão em cima, por exemplo: era de uma tia do meu marido. Já falei algumas vezes dela. Tinha uma casa muito bonita, de onde se via o casario de Lisboa e o Tejo. Dentro deste móvel havia louças: o serviço de chá, nomeadamente. Havia não: há. Trouxe as louças.


Nenhum dos outros sobrinhos as queria. O meu marido, então, por ele não queria nada. Mas tive pena de desprezar tudo o que ela tanto tinha estimado. Na parte de baixo das prateleiras há camarões com chávenas suspensas. Estão todas aqui. E pequenas terrinhinhas que parecem folhas, louça das Caldas. E tantas outras peças bonitas que não uso com medo que se partam. Mas, de vez em quando, abro as portas do móvel e espreito. Lembro-me dela, dessa tia, da sua bela sala, dos belos sofás, dos quadros, dos belos candeeiros. Não sei qual dos sobrinhos ficou com os sofás, com os candeeiros. Tomara que não tenham ido para o lixo. Tudo gente desapegada. Vi alguns abrirem aqueles sacos grandes de lixo, pretos, e despejarem o conteúdo de gavetas lá para dentro. Se ela soubesse que os seus pertences iam ser tratados assim... Ela tinha carteiras e malinhas muito bonitas. Ia tudo para o lixo. Isso interceptei. O meu marido aborrceu-se: para que precisava eu daquilo?, ia encher a casa ainda com mais tretas do que já cá havia. Não quis saber. Objectos tão pessoais, tão bonitos, não podia deixar que fossem parar ao lixo.

Memórias. Reviver momentos é voltar a vivê-los, é bom. E o tempo adoça as histórias, a memória suaviza o que a realidade tinha de aspereza.


Vi há pouco a casa de Blanche Marvin. Casa maravilhosa. Objectos maravilhosos. Memórias que a mantêm bem viva, bem cheia de histórias para contar. Vai ao teatro, escreve sobre as peças, sobre os actores. E as fotografias mostram-na moderna, maquilhada, bijuteria vistosa, tudo a condizer com o seu sorriso gaiato e com as cores quentes das paredes, das luzes, das flores, das louças, de tudo o que se rodeia.

Blanche tem 93 anos e não se queixa da vida. Diz que em casa nunca se sente sozinha pois a casa está cheia de vida.


O artigo do The Guardian é bom de ler: Blanche Marvin, 93: ‘I’m never lonely in this house, because I have my life with me’. São desse artigo e de casa de Blanche as fotografias que aqui vos mostrei.

7 comentários:

  1. Francisco de Sousa Rodriguesnovembro 25, 2018

    A casa da UJM deve ser o verdadeiro País das Maravilhas, tal como a casa da Blanche.
    Gostei da publicidade à louça das Caldas.

    Um bom Domingo.

    ResponderEliminar
  2. Gostei muito da casa. Gosto das casas cheias. Não saberia viver numa casa minimalista. Depressa a encheria. Sou ligada às coisas e concordo com a frase da Blanche.

    E quando é que a UJM coloca aqui algumas fotos do seu In Heaven? Adoro ver!

    Beijinhos e boa semana:))

    ResponderEliminar
  3. Olá Francisco,

    A ver se para a semana não me esqueço de fotografar algumas peças que, 'in heaven' tenho das Caldas. Muito bonitas. E claro que até tenho uma das figuras mais típicas da região.

    Gosto da sua terra embora não a conheça bem. As lojas são uma tentação e o Jardim muito bonito. Mas gosto também muito das praias.

    Abraço, Francisco.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Francisco de Sousa Rodriguesnovembro 29, 2018

      Também eu gosto muito da "minha" zona, vivo cá desde os 3 anos. Costumo dizer que sou um cidadão do Oeste com toque de Ribatejo, pois sou filho de torreense e alenquerense, fui concebido no Sobral de Monte Agraço e fui nascer a Vila Franca de Xira, por me ter antecipado 15 dias a nascer ao fim-de-semana, caso contrário seria mais um natural de São Sebastião da Pedreira (com muito gosto também).

      Falando no Parque e nas lojinhas de cerâmica circundantes, não perca a Pastelaria Machado que é maravilhosa (provavelmente até conhece já, mas cá fica a recomendação).

      Eliminar
  4. Olá Isabel,

    As minhas casas também estão cheias de 'cenas' e também é assim que me sinto bem, rodeada, mas gostava de um dia ser capaz de ter nem que fosse apenas uma divisão ao estilo minimalista. Deve ser uma sensação boa, a de termos um espaço por preencher.

    Abraço e beijinho Isabel.

    ResponderEliminar
  5. Olá UJM,

    Já lhe disse que gosto muito do afecto com que fala dos mais velhos. Gostei muito do post e da história do móvel e das louças dessa tia com uma casa muito bonita.
    Também gosto de louça das Caldas e vou colecionado essas peças tão originais no meu canto do Mundo - para desespero de um certo membro da família, que também acha que eu encho a casa dessas tretas.
    Bom fim-de-semana,

    Ana

    ResponderEliminar