domingo, julho 22, 2018

Eu, pecadora, me confesso.
[Pior mesmo é não estar arrependida e saber que voltarei a pecar uma e outra e outra vez]




Tenho alguns comportamentos desviantes. Confesso.
Mas, também, porque não haveria de o confessar? Isto ser escrito sob autoria indeterminada tem as suas vantagens. Posso desbocar-me à vontade que não corro o risco de ser apontada na rua: olha a delinquente.... 
Um desses comportamentos manifestou-se na sexta-feira. Conto.
E se deixarem de gostar de mim, não poderei fazer nada. Mas terei pena. Acreditem. Gostava que gostassem de mim apesar de ser tão imperfeita que até cansa.

O hotel tinha cada amenity melhor que as outras. Pior, mesmo, só o facto de o programa de festas ser tão intensivo que não deu para usufruir coisa nenhuma. Mas vinguei-me. Aliás, vingo-me sempre mesmo quando não tenho motivo.
O meu marido passa-se. Mas passa-se mesmo. Mas se eu não lhe ligo quando o tenho à perna imagine-se quando estou por minha conta. 
Portanto, quando guardei as minhas coisinhas no necessaire e o necessaire na valise para fazer o check-out (praticamente ainda de madrugada), guardei todos os frasquinhos que sobraram. Como era a única no quarto e havia produtos para tudo e para dois, trouxe tudo o que não usei e que foi a maioria. 
Quando um colega fez a gentileza de pegar na mala para a pôr no carro, ficou admirado: credo! tão pesada! Fiquei caladinha. Não lhe contei que, para além da roupa da véspera, tinha os sapatos da véspera, o casaquinho da véspera, tinhas os adereços decorativos da véspera -- a saber: fio, pulseira, brincos, anel -- (que eu, nisto do pendant, sou fundamentalista) -- tinha um livro, tinha um frasco de perfume, tinha o computador e respectivo carregador e mais o carregador do telemóvel, tinha o dito nécessaire com uma embalagem de toalhitas desmaquilhantes, cremes, maquilhagens, pente, molas para prender o cabelo enquanto me maquilho e desmaquilho, mini-estojo de costura, mini-estojo de não sei quê (com tesourinha, corta-unhas, lima, pinça, etc), etc, etc, etc -- que eu, sempre que viajo, seja para onde for, seja por quanto tempo for, vou prevenida para tudo -- e, lá está, também os frasquinhos de gel de banho, shampoo e loção corporal. Portanto, não haveria a mala de estar pesada?

Claro que o meu marido, quando viu aquilo tudo na bancada da casa de banho, começou logo com a velha lengalenga, que sou maluca, que é um disparate trazer aquilo, que depois me esqueço de consumir, que faço colecção de porcariazinhas que não servem para nada, etc. Não respondi. Mas pensei que ele ia ver, ia gastá-los num instante. No entanto, hoje de manhã, quando tomei banho (cabelo incluído), nem me lembrei dos meus bons propósitos e usei o gel que agora tenho usado, um que não é gel, é creme de banho, e o shampoo que agora também uso, um shampoo micelar. Mas, quando acabei, lembrei-me que me tinha esquecido dos benditos produtinhos; no entanto, pensei que, felizmente, me tinha lembrado a tempo de ainda usar a loção corporal que tinha trazido do hotel. 

Portanto, besuntei-me toda com ela e fiquei toda cheirosa. Cheira muito bem. Tem um perfuminho discreto, a flor de laranjeira, a ervas do campo, nem sei bem.


Só sei que, enquando, esta tarde, estava a andar aqui no campo, in heaven -- com uma ventania incessante que fazia com que o som das ramagens a ondular em uníssono quase parecesse a voz do mar -- me vinha um cheirinho mesmo bom. E não sabia se era do eucalipto, se dos cedros, dos pinheiros, das figueiras, em especial se daquela grande, vergada até ao chão tão densa a folhagem e tantos os figos, se era do alecrim ou da madressilva, ou se era do meu cabelo ou da minha pele ou, quando passava junto às toalhas (usadas pelo pessoal todo que cá esteve no fim de semana passado), que lavei e que encheram três cordas, se era do detergente novo que tem um cheirinho mesmo bom.


Fosse do que fosse, não apenas estava uma temperatura amena e macia, uma luz suave e dourada, uma música boa dos pássaros misturada com o som do vento nas árvores, como caminhava envolta num perfume tão limpo e tão mas tão bom que só não andei nas nuvens porque não as havia.

Depois disso, fui buscar um livrinho, abri a espreguiçadeira e deitei-me, cá em cima, debaixo da figueira brava gigante junto à casa, a ler e a preguiçar.


Por acaso, não dormi mas não foi por falta de sono: é que o meu marido andava lá para baixo entregue ao seu presente vício, ou seja, a roçar mato -- e eu, como é sabido, não tenho grande confiança nele. Aliás, quando não resisti e fui ver que estragos andava ele a fazer, não apenas tinha cortado silvas, tojo, inúmeros rebentos e pés de aroeira (e, até aí, tudo bem) como, no meio da confusão, já tinham ido ao ar três pés de jovens azinheiras. Com os óculos protectores e com a sua bem conhecida falta de cuidado, para ele é tudo igual ao litro: vai tudo. Fiquei furiosa. Furiosa. Digo-lhe que as azinheiras são animais em exitinção, espécie protegida. Pergunto-lhe que mal lhe fizeram as azinheiras. Mas as minhas fúrias para ele também são iguais ao litro. Portanto, nem consigo ter motivação para prosseguir na fúria. Ou seja, voltei para a espreguiçadeira e entreguei os pés de azinheira para Deus.

E, agora que aqui estou nesta inútil cavaqueira, ou muito me engano ou já fui picada e repicada. Gaita das melgas e mosquitos. A vida no campo tem este lado peregrino e altamente dispensável.

Mas adiante. Vou ali buscar aquela coisa que se liga à corrente e que lança uns ultra-micro-sons ou lá o que é que, supostamente, afastam essa bicheza que me está a deixar toda cheia de comichões.

Pode ser que ainda volte. A menos que seja devorada viva.

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