Um homem jovem, com ar enfatuado, ia com a companheira e com outra mulher. Ouvi-o dizer: 'Isto aqui é um rio. Certo...? E onde estão as esplanadas? Noutro país isto estava cheio de esplanadas. Aqui... é isto!'. E todo ele era soberba. Falava com desprezo daquilo que via. Aquela introdução 'Isto é um rio. Certo...?' fez-me logo sentir uma 'certa' embirração por ele.
Mais à frente, um homem e também duas mulheres. Franceses. O homem dizia que provavelmente haveria problemas com licenças, guerras entre a autarquia e as autoridades que fazem a gestão da costa (isto traduzindo eu o que ele dizia). As mulheres concordaram. Devia ser isso, diziam. Compreensivos.
Sorriam com o que viam. Mas sorriam de espanto perante tanta beleza. Fotografavam as paredes decadentes, os pontões do cais, o rio, os pilares cheios de limos e mexilhões, os barcos, a magnífica cidade espraiando-se do outro lado. Não faziam selfies. Fotografavam a paisagem. Apenas uma pediu que a fotografassem em frente a uma pintura e via-se que estava feliz por estar a ser fotografada num lugar tão especial.
Logo a seguir, um homem de cerveja na mão, com o braço sobre os ombros de um outro, falava alto, ria, dizia dois palavrões por cada três palavras que proferia. O tema era nenhum, apenas a exteriorização de uma euforia certamente já um bocado alcoólica. Depois o outro continuou e ele, animado, foi em direcção a um pescador: 'Deixa cá ver o que é que aqui vai'. O pescador continuou a olhar a cana enquanto ele espreitava o fruto da pescaria.
E mais franceses, portugueses, novos, velhos, casais, sem ser casais. E eu olhando o largo rio, a cidade bela logo ali, os barquinhos com velas às cores, e vendo quem por ali ia, e olhando as paredes, todos os dias diferentes, mais bonitas a cada dia que passa.
Mais à frente, no jardim, estivemos sentados nas rochas mesmo em cima do rio. Conversámos, rimos, falámos sobre o que calhou e depois divertimo-nos a fazer uma coisa. Quer dizer, eu diverti-me. Ele já estava farto. Divertiu-se que eu sei que sim mas já estava um bocado farto. Eu, por mim, continuava até achar que a coisa estava no ponto mas percebo que já não dava mais. Um dia destes logo vos conto.
À volta, encontrámos o enfatuado sentado numa das esplanadas com a que devia ser namorada ou mulher e com a outra senhora que os acompanhava. O meu marido comentou, em voz baixa, 'afinal sempre havia esplanadas'. Ele continuava a dissertar com ar importante. A mulher que lhe dava a mão, ouvia-o como quem ouve um sábio. Noutra mesa, os franceses conversavam, riam e bebiam vinho branco enquanto a comida não chegava.
Também por lá vi a senhora que anda sempre pela beira do rio a engordar gatos. Tem um ar moralista que me desagrada, como se andasse, solitariamente, a cumprir uma missão que devia ser colectiva. Chama os gatos pelo nome. Dá-lhes ração, latas de comida, massa. Incomoda-me muito ver isto. Já o disse algumas vezes. Acho qu,e a bem da saúde dos gatos, alguém deveria proibi-la de fazer o que faz. Mas vê-se que isto é a razão de ser da sua vida. Fico com pena. Vem carregada, com sacos, com grandes caixas, atravessa a beira do rio de ponta a ponta, dando comida a cada gato. Até as gaivotas ela já tenta atrair. Deve gastar imenso dinheiro. Lembrei-me agora que a senhora me disse, uma vez em que me viu a fotografar um gato, para ir ao facebook dos gatos. Estive agora a ver, de raspão. Na volta, dão-lhe comida para ela dar aos gatos. Como se os gatos da beira do rio não soubessem tomar conta de si próprios. Que causas absurdas a que algumas pessoas se entregam.
Depois, em casa, estive a fazer arrumações, a fazer sopa de cenoura com feijão verde, a fazer o jantar de hoje logo a contar com o de amanhã, a pôr verniz novo (embora seja transparente, gosto de o pôr de novo pelo menos uma vez por semana), a escolher a roupa de amanhã.
E estive a ler as Memórias de Raul Brandão. Que escrita franca. Volta e meia penso que devia assinalar algumas partes gostosíssimas para aqui as partilhar convosco mas vou de gosto e não me apetece abrandar, ir buscar um lápis. Post-it não tenho. No outro dia, vi um bloquinho com daqueles post-it fininhos, umas tirinhas às cores. Devia ter trazido que, para isto, capaz de dar jeito. Mas depois ficava um livro tão sóbrio com um ar todo pimpinho, cheio de franjinhas multi-cores. Não me pareceria bem, acho eu. Portanto, o mais que faço é fazer uma dobrinha no canto da folha. Um dia em que não esteja preguiçosa logo copio alguns trechos para vos mostrar.
Gosto mesmo de ler livros assim. Gente inteligente e inteira é outra coisa e, quando lhes dá para escrever, é outra loiça.
Esteve sempre muito calor ao longo do dia. Abrimos uma das janelas da sala para ver se entrava uma aragem. Mas não: o azul do rio e do céu era um daqueles azuis envoltos em ar quente. Verão. Não tarda vai ser a Páscoa, depois o 25 de Abril, depois o 1º de Maio -- e ainda será Primavera. Mas parece que estamos no Verão. Apetece andar pelas praias ou pela beira dos rios. Apetece comer gelados. Ontem, ao ir a casa dos meus pais, parámos na estação de serviço para irmos buscar gelados. Comi um Magnum de framboesa. Mesmo bom.
Tenho vontade de ir de férias, é o que é. Mesmo um domingo bom como este não atenua a vontade que tenho de ter mais tempo para mim, tempo para não fazer nada, tempo para não me preocupar com a falta de tempo.
E queiram descer, caso tenham curiosidade em saber alguns episódios passados comigo e que têm a ver com mails trocados. E, en passant, com o que acho disto dos jovens terem bar aberto nos hotéis que escaqueiraram. Ou com o que acho do que o Passos Coelho por aí anda a dizer.
Depois, em casa, estive a fazer arrumações, a fazer sopa de cenoura com feijão verde, a fazer o jantar de hoje logo a contar com o de amanhã, a pôr verniz novo (embora seja transparente, gosto de o pôr de novo pelo menos uma vez por semana), a escolher a roupa de amanhã.
E estive a ler as Memórias de Raul Brandão. Que escrita franca. Volta e meia penso que devia assinalar algumas partes gostosíssimas para aqui as partilhar convosco mas vou de gosto e não me apetece abrandar, ir buscar um lápis. Post-it não tenho. No outro dia, vi um bloquinho com daqueles post-it fininhos, umas tirinhas às cores. Devia ter trazido que, para isto, capaz de dar jeito. Mas depois ficava um livro tão sóbrio com um ar todo pimpinho, cheio de franjinhas multi-cores. Não me pareceria bem, acho eu. Portanto, o mais que faço é fazer uma dobrinha no canto da folha. Um dia em que não esteja preguiçosa logo copio alguns trechos para vos mostrar.
Gosto mesmo de ler livros assim. Gente inteligente e inteira é outra coisa e, quando lhes dá para escrever, é outra loiça.
Esteve sempre muito calor ao longo do dia. Abrimos uma das janelas da sala para ver se entrava uma aragem. Mas não: o azul do rio e do céu era um daqueles azuis envoltos em ar quente. Verão. Não tarda vai ser a Páscoa, depois o 25 de Abril, depois o 1º de Maio -- e ainda será Primavera. Mas parece que estamos no Verão. Apetece andar pelas praias ou pela beira dos rios. Apetece comer gelados. Ontem, ao ir a casa dos meus pais, parámos na estação de serviço para irmos buscar gelados. Comi um Magnum de framboesa. Mesmo bom.
Tenho vontade de ir de férias, é o que é. Mesmo um domingo bom como este não atenua a vontade que tenho de ter mais tempo para mim, tempo para não fazer nada, tempo para não me preocupar com a falta de tempo.
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As fotografias foram feitas este domingo no Ginjal.
Lá em cima, a mistura de poemas (Your Life is Your life: Go all the way) é de Charles Bukowski, lidos por Tom O'Bedlam.
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Olá UJM. Mais um dos textos de que gosto. Por aqui, o mesmo - anseio pelas férias e até o Domingo foi de Verão. Boa semana.
ResponderEliminarOlá Ana Vasconcelos!
ResponderEliminarMuito obrigada. Gosto sempre de vê-la por cá e, ainda por cima, sabendo-a agradada com a leitura ainda mais contente fico.
Obrigada.
Dias felizes também para si, Ana.