Penso que, no que ontem escrevi sobre o assunto, deu para depreender que eu nunca iria a França ver um jogo da Selecção por conta de uma empresa que não aquela na qual trabalho (caso essa empresa fosse patrocinadora da selecção).
Patrocinar é isto; é ajudar a pagar publicidade, é financiar eventos, é adquirir ingressos (que depois serão distribuídos graciosamente pelos colaboradores, clientes, alguns fornecedores, 'opinion makers' - jornalistas ou gente que trabalha em agências de comunicação - e 'institucionais'), etc, etc.
Isto é assim e existe desde sempre. Aplica-se a futebóis, a torneios de ténis, a provas de cavalos, concertos, you name it.
Se não houver patrocinadores, muito do que hoje se move de forma profissional, com divulgação profissional, não existiria. E, note-se, patrocinar eventos desportivos ou artísticos não tem mal nenhum.
Se não houver patrocinadores, muito do que hoje se move de forma profissional, com divulgação profissional, não existiria. E, note-se, patrocinar eventos desportivos ou artísticos não tem mal nenhum.
Idosa como sou, trabalho em ambiente empresarial desde a pré-história. E sempre acompanhei como nos são solicitados patrocínios e como, concedendo-os, se fica em posição privilegiada para frequentar os eventos patrocinados e para fazer a gentileza de para eles convidar aqueles com quem empresa patrocinadora quer estar bem.
A Galp patrocinou a Selecção Portuguesa de Futebol e não sei se foi a única grande empresa a fazê-lo. Mas e a Nos patrocina o quê? Ou a EDP? E, uma vez mais, you name it. E nunca convidam gente de cenas institucionais para assistirem aquilo que patrocinam? Só convidam clientes e tal e coisa?
Não sejamos ingénuos, ok?
... Nem sejamos fundamentalistas, ok?
Um presidente de uma empresa convidar alguém, dizendo que fazia gosto na sua companha para assistir a um determinado evento, é sinónimo de corrupção? De suborno?
Não digo que sim. E não digo que não. Digo: não forçosamente.
E digo, outra vez, que eu, mesmo em ambiente empresarial, não gosto de aceitar convites. Tenho este lado de não querer cultivar intimidades com quem posso ter que me indispor e com quem sinto que posso estar (ou vir a estar) no lado contrário. Sinto que me bato com mais energia pelos interesses de quem me paga o ordenado se não tiver sido levada a passear ou a frequentar grandes restaurantes por quem está a querer o oposto do que eu quero. Mas isto sou eu. Tenho colegas que não são corruptos e que, no entanto, não vêem mal nenhum em aproveitar o bem-bom que é posto à nossa disposição. Não os condeno nem critico. Apenas ajo de forma diferente. De resto, que fique também claro que quem me convida não está a querer corromper-me, está apenas a fazer aquilo que as empresas fazem na melhor das intenções: fomentar o networking. Criar um bom relacionamento entre os chamados stakeholders. Parece conversa armada ao pingarelho mas quem vive nestes meios usa este jargão. Uso-o apenas para que saibam que isto é normal nas empresas.
Ainda não há muito tempo recebi um convite para um concerto fantástico que estava, desde há muito, completamente esgotado. Convite para mim e um acompanhante. Não aceitei, claro, mas nesse caso fiquei a pensar que estava a ser burra pois foi com genuína gentileza que o convite me foi feito.
Quantas das pessoas que se vêem nos camarotes, nas tendas vip ou nas melhores filas dos espectáculos pagaram elas mesmo o bilhete? Nunca fiz inspecção mas diria que raras.
Contudo, atenção, não nos armemos em Catão (olá Abraham Chevrollet!); essas pessoas não todas corruptas, de moral fácil ou deslumbradas. Muitas são apenas astutas na forma como sabem usufruir de benesses; ou simplesmente delicadas (ao não quererem recusar convites educados)
Contudo, atenção, não nos armemos em Catão (olá Abraham Chevrollet!); essas pessoas não todas corruptas, de moral fácil ou deslumbradas. Muitas são apenas astutas na forma como sabem usufruir de benesses; ou simplesmente delicadas (ao não quererem recusar convites educados)
Estava a escrever isto e a pensar no Estoril Open. Acreditam vocês que aqueles vips que ali estão pagaram eles mesmo a entrada? Acreditam...?
Entre patrocínios, ofertas a clientes, despesas de comunicação e imagem (ou o que for nesta base) as empresas ajudam a viabilizar os eventos e, depois, tiram partido disso, criando laços com aqueles com quem acham que é importante ter um bom relacionamento.
Ou seja, faz parte.
Reparem que não estou a defender nada disto, estou apenas a dizer como é que isto se passa. Contatação, apenas. Factos.
Não sei como é nos outros países mas, por cá, é assim. E fica ao critério de cada um alinhar ou não alinhar. Quando digo que eu não alinho, penso que está claro o que penso-
Dito isto, acrescento que, ontem, quando escrevi sobre o assunto, desconhecia a existência de um diferendo fiscal no montante de 100 milhões. Penso que só isso deveria ter aconselhado o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais a manter alguma distância em relação à Galp. Mas, enfim, quem tenha algum gosto especial pelo futebol, sinta algum deslumbramento pelas mordomias que se lhe abeiram, quem tenha verbo fácil e um carácter mundano talvez encareum convite destes com alguma displicência. Deve ter sido o que aconteceu com Rocha Andrade.
Este assunto agora veio à baila e está a fazer.se uma tempestade como se o Rocha Andrade tivesse aceitado que a Galp tivesse posto um poço de petróleo em nome dele ou como se nenhum ministro, secretário de estado ou deputado de nenhum outro governo tivesse alguma vez ido à bola como convidado de alguém. Sabou-se, entretanto, que 5 deputados do PSD, incluindo o Montenegro, também foram. Olha quem... não iam eles aproveitar a borla.
Em síntese: eu não teria aceitado e acho que não foi presciente o Rocha Andrade e os outros dois ao terem aceitado o convite da Galp para irem à bola. Mas também tomáramos nós que, ao longo da sua governação, este seja o pior erro que cometam.
E acho bem que seja rapidamente craido um código de conduta ao qual todos se comprometam. Parecendo que não, isso ajuda a estar alerta.
Contudo, como em tudo na vida, há que ajuizar com conta, peso e medida.
Contudo, como em tudo na vida, há que ajuizar com conta, peso e medida.
Vou só dar aqui um exemplo real a que há tempos assisti. Estava eu no gabinete de um alto responsável de uma grande empresa e estava ele a instruir a secretária a devolver uma caixa que tinha recebido de presente de Natal, invocando o código de ética e conduta. Como sou cusca, enquanto ouvia a conversa, fui ver a caixa. Eram bombons de chocolate caseiro, bolachinhas com ar de serem deliciosas e uns rebuçados artesanais. Fiquei perplexa e pedi-lhe encarecidamente que não cometesse a indelicadeza de devolver um presente tão inocente. Sugeri ainda que, se não queria ele aceitar pessoalmente a caixita com medo que pensassem que estava a deixar-se subornar, então que pusesse o fruto do pecado na copa, para usufruto geral. Ficou na dúvida. Acrescentei que ainda ia arranjar um problema a algum funcionário dessa empresa que, na melhor das intenções, deve ter achado que tinha arranjado um presente simpático e que, afinal, tinha desencadeado uma reacção tão desconfortável. Este argumento tocou-o. Arranjar algum problema a algum funcionário da outra empresa é que não. Por mero acaso, tive oportunidade de, no dia seguinte, lá voltar e passar pela copa. Lá estava a caixinha - e quase vazia. Pudera. Felizmente ainda consegui comer um daqueles deliciosos bombons. Não faço ideia de qual a empresa que o pagara mas era irrelevante. Era um simples e simpático presente de Natal.
A ética não pode confundir-se com fundamentalismo. Nem o moralismo pode ser exacerbado a ponto de se perder a perspectiva e cada pequena insignificância ganhar proporções catastrofistas.
Mas também não nos tornemos passivos e permissivos.
Provavelmente, no caso vertente, a coisa teria corrido melhor se, em vez de virem com desculpas, Rocha Andrade e os outros tivessem vindo a público dizer que tinham agido imponderadamente, pedir desculpa aos portugueses (sobretudo, no caso do Rocha Andrade desculpa por ser tão parvo - apesar de, segundo tenho ouvido dizer, ser um bom fiscalista), pagar a despesa e, em privado, porem o lugar à disposição. Mas, não o tendo feito, ficamos a saber de que raça são feitos e esperamos que o código de conduta apareça rapidamente para que questões desta natureza não voltem a ser tema. Seria bom que, sobre eles, apenas tivessemos que nos preocupar com o que fazem no desempenho das suas funções.
Com isto, a saudade que eu já tenho de me deleitar com poesia.
"How Fortunate the Man With None"
de Berthold Brecht (lido por Tom O'Bedlam)
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Mas também não nos tornemos passivos e permissivos.
Provavelmente, no caso vertente, a coisa teria corrido melhor se, em vez de virem com desculpas, Rocha Andrade e os outros tivessem vindo a público dizer que tinham agido imponderadamente, pedir desculpa aos portugueses (sobretudo, no caso do Rocha Andrade desculpa por ser tão parvo - apesar de, segundo tenho ouvido dizer, ser um bom fiscalista), pagar a despesa e, em privado, porem o lugar à disposição. Mas, não o tendo feito, ficamos a saber de que raça são feitos e esperamos que o código de conduta apareça rapidamente para que questões desta natureza não voltem a ser tema. Seria bom que, sobre eles, apenas tivessemos que nos preocupar com o que fazem no desempenho das suas funções.
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Com isto, a saudade que eu já tenho de me deleitar com poesia.
Mas que não seja por isso, respondo-me eu. É para já.
"How Fortunate the Man With None"
de Berthold Brecht (lido por Tom O'Bedlam)
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A música lá em cima também não tem nada a ver. Apeteceu-me estar a ouvi-la.
Janis Joplin interpreta Mercedes Benz
(Dangereuses liaisons que se se estabelecem na minha pobre mente. Fazer o quê?)
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela sexta-feira.
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Janis Joplin interpreta Mercedes Benz
(Dangereuses liaisons que se se estabelecem na minha pobre mente. Fazer o quê?)
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela sexta-feira.
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http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/11EFD90F-1B8A-487B-A83F-5DCFA209918C/0/Codigo_de_conduta_AT.pdf
ResponderEliminaro resto é como se diz aqui na minha terra, é conversa para boi dormir
tava-me aqui a lembrar, um gajo salta a cerca, e se for descoberto, basta dizer, amor, desculpa , não volta a acontecer.
Bob Marley
Artigo 16.º
ResponderEliminarRecebimento indevido de vantagem
1 - O titular de cargo político ou de alto cargo público que, no exercício das suas funções ou por causa delas, por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
daqui - http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?artigo_id=281A0016&nid=281&tabela=leis&pagina=1&ficha=1&so_miolo=&nversao=#artigo
Bob Marley
Olá UJM
ResponderEliminarExcelente a sua análise.Eu,que sempre trabalhei numa grande multinacional,sei do que está a falar.Lamentável a cobertura mediática massacrante de jornalistas, comentadeiros, Governo e políticos em geral!!! Será apenas para ajudar a preencher a "estação estúpida"?????
Mais uma vez roubei o seu "post" para minha página do Face Book!!!
um abraço
JOAQUIM CASTILHO
FOTO DO DIA - https://scontent-mad1-1.xx.fbcdn.net/v/t1.0-9/13939573_1262812077086082_8257473932220902254_n.jpg?oh=553a33af4283e65832ece7d24278c68a&oe=585BAD88
ResponderEliminarBOB MARLEY
Gostei tanto de voltar aqui que vou levar o poema comigo.
ResponderEliminarBom fim-de-semana
À pala do futebol e dos seus derivados, sempre viajaram deputados, governantes, juízes e outros membros da elite política. É evidente que todos têm telhados de vidro, mas essa não será razão para desculpabilizar o Doutor Rocha Andrade. O Doutor Rocha Andrade, sendo secretário dos assuntos fiscais e um dos poucos grandes íntimos de António Costa, é politicamente mais importante do que a maioria dos ministros. O que que se pode concluir desta história é que o Doutor Rocha Andrade, pior do que ter ficado com telhados de vidro, ficou sem telhado.
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