Pode pensar-se que todas as pessoas têm um sonho e que esse sonho é qualquer coisa de notável, de invejável. Contudo, a maior parte das pessoas que conheço não tem grandes sonhos. Eu própria não os tenho. Nunca desejei muito alcançar uma coisa pela qual tenha tido que lutar. Não. O meu sonho sempre foi pouco mais de que a minha curta passagem pela terra seja feliz para mim e para os que comigo convivem. Tenho também o pequeno sonho de deixar algumas provas de que por cá passei. Talvez daí os blogues, os tapetes de arraiolos, os muitos milhares de fotografias, os quadros, as árvores plantadas, o jardim desenhado. Mas nada disto tem sido difícil de alcançar pelo que não há sacrifício mas apenas prazer no acto de fazer aquilo de que gosto.
[Não incluo na lista dos sonhos o de ter filhos porque ser mãe é algo que está muito para lá do que aqui falo. Em mim, ser mãe sempre foi uma necessidade, uma coisa física, essencial, não um sonho.]
No trabalho nunca desejei ocupar este ou aquele lugar. Têm é aparecido situações para as quais sou requerida e que tenho aceitado. Mas já rejeitei outras que, a outros olhos, poderiam parecer irrecusáveis. Por exemplo, já aqui o devo ter contado, convidaram-me para ir para uma empresa para fazer o que quisesse nas condições que quisesse. Não quis. Pareceu-me fartura a mais, achei que, de certa forma, quase ficaria em dívida e se há coisa que odeio é sentir-me em dívida.
Quando me perguntam se eu não gostaria de ocupar algum lugar de muito maior responsabilidade do que os que agora ocupo digo que não: já me bastam as chatices que tenho. Passo bem sem grandes poderes mas não passo bem sem liberdade de movimentos ou tempo para a minha vida pessoal.
Também já me surpreendi ao convidar para alguns lugares pessoas que eu achava que fariam o lugar às mil maravilhas e pelos quais iriam receber melhores ordenados e maiores regalias e essas pessoas recusarem por acharem que iam ter muitas maçadas a chefiar outras pessoas ou a terem que assumir responsabilidades que lhes iriam causar preocupações. Compreendi.
Em contrapartida, tenho conhecido pessoas que orientam as suas vidas para trepar, trepar de qualquer maneira, para vir a ocupar algum lugar que fisgaram como se esse lugar fosse o grande sonho da sua vida. São, regra geral, pessoas ansiosas, impacientes e, frequentemente, más colegas, à volta de quem se gera um ambiente muitas vezes de cortar à faca. Tenho uma certa pena dessas pessoas pois nunca estão verdadeiramente felizes. Tudo, para elas, são obstáculos que arreliadoramente vão aparecendo no seu caminho e a vida transforma-se numa sucessão de revezes ou numa luta constante.
Conheço também outras que se acham ungidas de alguma superioridade e isso leva-as a nunca estarem bem, a acharem-se sempre deslocadas ou injustiçadas. Nunca nada as satisfaz: nem trabalho, nem amigos, nem amores. Nem se chega a perceber se têm algum sonho. Aparentemente não, são apenas descontentes militantes.
No extremo oposto outras há que, com pequenos nadas, se sentem as maiores. Tenho grande simpatia por pessoas assim. Uma, por exemplo, conta-me com orgulho a forma rápida como faz empadas que lhe saem sempre bem. Como reconhece o meu apreço, a seguir envia-me receitas. Outras vezes, conta-me que compra pratos de barro em bruto e que depois os pinta e leva a cozer num forno não sei onde. E mostra-me fotografias desses pratos onde pinta patos, flores, céus estrelados. O júbilo que eu vejo nela quando fala nisto é tocante.
Um outro tem uma colecção imensa de discos (antes eram discos e cd's, não sei se se mantém nessa onda ou se já se mudou para outras tecnologias) de música dita erudita e desencanta edições e edições sobre a mesma peça de música: diferentes maestros, diferentes intérpretes, ao vivo aqui, ali e acolá. E, ao mesmo tempo que tem essa imensa colecção, tem a equivalente base de dados - e um conhecimento brutal sobre a matéria. E tem, sobretudo, um prazer incrível em fazê-lo e em falar sobre isso. É o sonho da sua vida e, com tranquilidade, o sonho materializa-se a cada dia que passa.
Mas, claro, refiro-me a pessoas ditas 'normais'. Há, é certo, os que se destacam da normalidade: os que têm dons raros e esses, num mundo vasto e competitivo, é natural que tenham que lutar para singrar até alcançarem o reconhecimento geral. No entanto, alguns, pela sua natureza, conseguem atingir feitos notáveis com a mesma serenidade com que, em casa, praticam culinária.
Estive há pouco a ler a entrevista a Elvira Fortunato, a cientista que diz que fazer transístores é como fazer bolos em casa. Diz que sempre gostou de trabalhos manuais, bordar, pintar, e que até ainda tem por acabar um tapete de Arraiolos.
Na entrevista ela refere coisas como estas:
Há pouco tempo, vi-a com o marido, filhos e creio que com o namorado da filha. Estavam no mesmo restaurante que nós, uma espécie de tasca onde o peixe impera. Vestidos com uma simplicidade extrema, bem dispostos, ela completamente na desportiva, sem maquilhagem, quem não a conhecesse dificilmente adivinharia que estava ali uma investigadora premiada, uma pessoa de mérito internacionalmente reconhecido.
Por tudo isto, eu não tenho ideias feitas sobre isto de 'seguir os sonhos', de lutar por ideais sacrificando a vida. Penso que importante mesmo é a pessoa estar bem, estar bem todos os dias, não chegar ao fim do dia sentindo que desperdiçou mais uma parcela da sua vida. Se a pessoa se sente infeliz, acho que deve lutar para ser feliz mas deve saber avaliar se nessa luta não vai exaurir-se, não conseguindo usufruir da alegria de estar vivo. Acho que bom é a pessoa saber equilibrar as suas expectativas e a capacidade de as superar. No entanto, admito que este meu raciocínio é bem capaz de ser coisa de quem, como eu, não tem grandes ambições.
A propósito, lembrei-me que, no outro dia, Leitor a quem agradeço me deixou o link para um vídeo onde o orador, Mike Rowe, diz que vai dizer algumas verdades sujas sobre isto de lutar apaixonadamente por sonhos, muitas vezes inviáveis. Partilho-o convosco.
No reverso, encontrei hoje um vídeo que se vê com bastante agrado e em que, de forma envolvente, Prince Ea puxa pela motivação de quem o ouve, incentivando a que se lute pelos sonhos. Partilho-o também.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa semana a começar já por esta segunda-feira.
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No trabalho nunca desejei ocupar este ou aquele lugar. Têm é aparecido situações para as quais sou requerida e que tenho aceitado. Mas já rejeitei outras que, a outros olhos, poderiam parecer irrecusáveis. Por exemplo, já aqui o devo ter contado, convidaram-me para ir para uma empresa para fazer o que quisesse nas condições que quisesse. Não quis. Pareceu-me fartura a mais, achei que, de certa forma, quase ficaria em dívida e se há coisa que odeio é sentir-me em dívida.
Quando me perguntam se eu não gostaria de ocupar algum lugar de muito maior responsabilidade do que os que agora ocupo digo que não: já me bastam as chatices que tenho. Passo bem sem grandes poderes mas não passo bem sem liberdade de movimentos ou tempo para a minha vida pessoal.
Também já me surpreendi ao convidar para alguns lugares pessoas que eu achava que fariam o lugar às mil maravilhas e pelos quais iriam receber melhores ordenados e maiores regalias e essas pessoas recusarem por acharem que iam ter muitas maçadas a chefiar outras pessoas ou a terem que assumir responsabilidades que lhes iriam causar preocupações. Compreendi.
Em contrapartida, tenho conhecido pessoas que orientam as suas vidas para trepar, trepar de qualquer maneira, para vir a ocupar algum lugar que fisgaram como se esse lugar fosse o grande sonho da sua vida. São, regra geral, pessoas ansiosas, impacientes e, frequentemente, más colegas, à volta de quem se gera um ambiente muitas vezes de cortar à faca. Tenho uma certa pena dessas pessoas pois nunca estão verdadeiramente felizes. Tudo, para elas, são obstáculos que arreliadoramente vão aparecendo no seu caminho e a vida transforma-se numa sucessão de revezes ou numa luta constante.
Conheço também outras que se acham ungidas de alguma superioridade e isso leva-as a nunca estarem bem, a acharem-se sempre deslocadas ou injustiçadas. Nunca nada as satisfaz: nem trabalho, nem amigos, nem amores. Nem se chega a perceber se têm algum sonho. Aparentemente não, são apenas descontentes militantes.
No extremo oposto outras há que, com pequenos nadas, se sentem as maiores. Tenho grande simpatia por pessoas assim. Uma, por exemplo, conta-me com orgulho a forma rápida como faz empadas que lhe saem sempre bem. Como reconhece o meu apreço, a seguir envia-me receitas. Outras vezes, conta-me que compra pratos de barro em bruto e que depois os pinta e leva a cozer num forno não sei onde. E mostra-me fotografias desses pratos onde pinta patos, flores, céus estrelados. O júbilo que eu vejo nela quando fala nisto é tocante.
Um outro tem uma colecção imensa de discos (antes eram discos e cd's, não sei se se mantém nessa onda ou se já se mudou para outras tecnologias) de música dita erudita e desencanta edições e edições sobre a mesma peça de música: diferentes maestros, diferentes intérpretes, ao vivo aqui, ali e acolá. E, ao mesmo tempo que tem essa imensa colecção, tem a equivalente base de dados - e um conhecimento brutal sobre a matéria. E tem, sobretudo, um prazer incrível em fazê-lo e em falar sobre isso. É o sonho da sua vida e, com tranquilidade, o sonho materializa-se a cada dia que passa.
Mas, claro, refiro-me a pessoas ditas 'normais'. Há, é certo, os que se destacam da normalidade: os que têm dons raros e esses, num mundo vasto e competitivo, é natural que tenham que lutar para singrar até alcançarem o reconhecimento geral. No entanto, alguns, pela sua natureza, conseguem atingir feitos notáveis com a mesma serenidade com que, em casa, praticam culinária.
Estive há pouco a ler a entrevista a Elvira Fortunato, a cientista que diz que fazer transístores é como fazer bolos em casa. Diz que sempre gostou de trabalhos manuais, bordar, pintar, e que até ainda tem por acabar um tapete de Arraiolos.
Na entrevista ela refere coisas como estas:
Brincava muito com bonecas, com a Nancy. Brincava muito com tachinhos e tinha uma cozinha. Aquilo até era um bocado chato, porque era de folha metálica que às vezes cortava os dedos. Mas era uma cozinha com muitas panelas e tachos e essas coisas todas.(Também eu passava horas a brincar aos cozinhados com tachinhos de alumínio que os meus pais e avós, sabendo desse meu gosto, me compravam na feira.)
Gosto muito de estar em casa. Fiz obras recentemente, tenho quase uma casa nova, e apetece-me estar muito mais tempo em casa. E gosto imenso de cozinhar. Gosto de ir à praia. Gosto de ir ao cinema, mas reconheço que ultimamente tenho ido pouco, porque o meu tempo, especialmente este ano, é pouco.Elvira Fortunato diz ainda que isto da investigação, que faz de gosto, é coisa que foi acontecendo de forma natural -- e tudo o que diz revela que é uma pessoa de bem com a vida, que vai experimentando, fazendo, andando em frente.
Há pouco tempo, vi-a com o marido, filhos e creio que com o namorado da filha. Estavam no mesmo restaurante que nós, uma espécie de tasca onde o peixe impera. Vestidos com uma simplicidade extrema, bem dispostos, ela completamente na desportiva, sem maquilhagem, quem não a conhecesse dificilmente adivinharia que estava ali uma investigadora premiada, uma pessoa de mérito internacionalmente reconhecido.
Por tudo isto, eu não tenho ideias feitas sobre isto de 'seguir os sonhos', de lutar por ideais sacrificando a vida. Penso que importante mesmo é a pessoa estar bem, estar bem todos os dias, não chegar ao fim do dia sentindo que desperdiçou mais uma parcela da sua vida. Se a pessoa se sente infeliz, acho que deve lutar para ser feliz mas deve saber avaliar se nessa luta não vai exaurir-se, não conseguindo usufruir da alegria de estar vivo. Acho que bom é a pessoa saber equilibrar as suas expectativas e a capacidade de as superar. No entanto, admito que este meu raciocínio é bem capaz de ser coisa de quem, como eu, não tem grandes ambições.
A propósito, lembrei-me que, no outro dia, Leitor a quem agradeço me deixou o link para um vídeo onde o orador, Mike Rowe, diz que vai dizer algumas verdades sujas sobre isto de lutar apaixonadamente por sonhos, muitas vezes inviáveis. Partilho-o convosco.
Don't Follow Your Passion
Should you follow your passion, wherever it may take you? Should you do only what you love...or learn to love what you do? How can you identify which path to take? How about which paths to avoid?
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No reverso, encontrei hoje um vídeo que se vê com bastante agrado e em que, de forma envolvente, Prince Ea puxa pela motivação de quem o ouve, incentivando a que se lute pelos sonhos. Partilho-o também.
EVERYBODY DIES, BUT NOT EVERYBODY LIVES
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Moral da história
Cabe a cada um escolher os seus caminhos e a forma como atravessa a vida que recebeu de presente.
(O que é o mesmo que dizer que cada um sabe de si -- e o resto é conversa)
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As fotografias foram feitas no Parque da Paz para onde hoje fui caminhar, procurando a sombra, já que estava impossível de se chegar à praia.
Lá em cima Hélène Grimaud interpreta Chaconne in D minor BWV 1004 - Bach, Busoni
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa semana a começar já por esta segunda-feira.
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Jeremy Nicholas disse, num livro que escreveu sobre alguns dos mais notáveis Compositores da designada Música Clássica, que Bach estava para a Música como Leonardo da Vinci para a Arte e Shakespeare para a Literatura, ou seja, tendo sido um dos génios criativos da música ocidental.
ResponderEliminarUm dos aspectos que nos chama à atenção é o facto de Johann Sebastian Bach não ter sido um intelectual sofisticado, ao contrário de outros compositores, de antes e dos que se lhe seguiram, que nada sabia para além de Música e Teologia. As suas cartas traíam-no até, revelando um homem menos educado, ou instruído. E a pergunta que fica é como alguém como Bach, com tantas limitações culturais pôde produzir música tão extraordinária, de uma melodia tão complexa e tão bela. Este é seguramente um dos grandes paradoxos da História da Música.
O que só vem provar que quando há talento, nada mais importa.
Este tema que aqui nos revelou, UJM, é belíssimo!
Mozart disse um dia que Bach era “o pai (da música) e nós (eles, os outros compositores) as crianças”.
Na minha muito humilde opinião, considero Bach sublime!
Curiosamente, o grande compositor, apesar da sua grande dedicação à música, que ele tanto amava, ainda teve tempo para ser pai de nada menos do que 20 filhos (!), embora só 10 desses tenham sobrevivido até mais tarde; sete da primeira mulher, sua prima Maria Barbara e 13 da segunda, Anna Magdalena Wilcken, da qual teve os restantes 13!
(Ao que consta, ou que se conhece, Bach absorveu, desde a sua juventude, música de outros compositores, como Palestrina e Frescobaldi e depois Vivaldi, Albinoni, Pachelbel, entre outros.)
Por fim, quanto aos sonhos, como lhe chama, cada um tem os seus, ou não tem, dependendo do tipo de vida que quer levar, no futuro. Por exemplo, no meu caso, espero um dia deixar, definitivamente, e para sempre, o local ou região onde há anos acabei por ter de vir viver (Lisboa-Cascais), embora goste destas paragens, para regressar ao Norte – Douro e Porto, repartindo por aí o resto dos meus dias. Com um regresso aqui, só mesmo de passagem, já que saudades não levo, após tantos e tantos anos por cá passados. Ou seja, isto de sonhos é tudo relativo. Tem a ver com o que queremos, ou não queremos. No meu caso, as minhas raízes estão a Norte e lá as irei, um dia, buscar.
Por exemplo, também quero muito aos meus mais próximos, mas não sofro muito com a sua ausência, desde que eles (filhos) estejam melhor onde estão, do que aqui. Desde que nos vamos vendo com alguma regularidade e sabendo-os felizes, fico bem. Sempre foi assim na nossa família. Nunca nos telefonamos diariamente (para dizer o quê?), mas lá vamos sabendo uns dos outros, respeitando a privacidade e a distância. Já meus pais são assim e nós com eles e nossos avós eram igualmente assim. E depois, quando nos reencontramos é uma festa. Mas, estarmos a contactar-nos diariamente é coisa que jamais fazemos.
Lá está, cada um ou cada família é diferente.
Quanto a essa atitude de competição posso concordar consigo sem dificuldade. Normalmente é gente, pelo que vejo, com alguns complexos, ou outras razões. São uns tristes. Mas, perigosos. E acabam por destruir outros à volta. Gostava de encontrar alguém assim. Com o meu feitio, havia de ser bonito!
P.Rufino