quinta-feira, junho 16, 2016

Caixa Geral de Depósitos


Bom, agora que já tive o meu momento psicológico, passo adiante e sigo para o meu momento cirúrgico. Vou com pinças.

CGD, let's go.




Não estou por dentro desta celeuma que tem varrido a Caixa Geral de Depósitos e agitado a política nacional (recapitalização: dois ou quatro mil milhões? quem é que deveria estar já, a esta hora, com o pescoço no cepo? responsabilidade criminal para cima deles e é já?) para me poder pronunciar em pormenor. Também não teria conhecimentos técnicos suficientes para isso. O que sei, sei-o sobretudo do que leio na comunicação sociala. O de alguma coisa que sei do mundo real.


Hesitei. Não gosto de falar do que verdadeiramente não sei e disto da CGD, tecnicamente, pouco sei. Além do mais, não quero dizer nada que viole aquilo que a mim própria me imponho: que seja justa, tanto quanto possível independente na minha apreciação.

O que se passa na CGD, acho eu, não tem a ver com o tempo em que Passos Coelho governava, nem com aquele em que governava Sócrates, nem antes. Tem a ver, sim, com a descapitalização do país e, em especial, dos seus empresários. E tem a ver com aquela vontade tão portuguesa de dar o jeito, de querer ser optimista, acreditando que nada de mal pode acontecer, que tudo se há-de resolver.


Tenho que confessar que a minha maneira de ser, a nível profissional, é o oposto disto. Há quem me ache muito formalista (tal como, noutras matérias, há quem me ache militarista). Estou muitas vezes sozinha quando quero acautelar, prever o que pode acontecer se correr mal. Detesto embandeirar em arco, seguir esbanjando dinheiro por contar com o ovo no cu da galinha. Pasmo, muitas vezes, quando, para fazer um plano de negócios, se traça o melhor cenário possível e, tranquilamente, se avança por esse caminho, na convicção de que tudo vai correr tão bem como, quase puerilmente, se acreditou.

Mas nada disto se pode ver de uma forma simplista. Não são loucos os que apontam para cenários de crescimento maravilhosos e nele apostam todas as fichas. No mundo das empresas não há (em geral) nem grandes loucuras nem grandes ingenuidades. Há compromissos, há vontade de alcançar objectivos, há instinto de sobrevivência, há mimetismo, há cegueira. Cegueira - frequentemente muita cegueira.

Claro que, pelo meio, aparece também a cupidez, a luxúria, o deslumbramento. O mundo do dinheiro é um mundo apetecível. Sabe bem ter poder. Sabe bem ter muito dinheiro, Poder convidar os amigos para os fins de semana ou para grandes férias. Sentir que ficam agradecidos. Que se sentem, até, em dívida. Bom isso.

E depois há a ilusão. A reverência com que os poderosos se sentem olhados, os bons restaurantes, a vénia dos chefs, a recomendação subtil, a mesa lá dentro, ah que agradável é poder almoçar ou jantar com os amigos (porque os stakeholders são amigos, claro), as viagens, os excelentes hotéis, o discreto charme da alta burguesia, esse atapetado mundo que se frequenta, aquela displicência suave em que os muito ricos se dão ao luxo de, de vez em quando, se disfarçarem de gente normal (lembremo-nos dos 'pobrezinhos' da Comporta), a atracção que se exerce sobre o sexo oposto.


E os dos bancos, que alcançam (ou alcançavam) os seus objectivos - que, regra geral, passavam por conceder generosos créditos - recebiam chorudos bónus e, os empresários que, com esses financiamentos, podiam fazer grandes investimentos com vista a expandir os negócios, recebiam também chorudos bónus. Um círculo que se fechava sobre si mesmo, e em que tudo de bom acontecia no seu interior.

A gente dos bancos gosta(va) de conviver de perto com a 'nata' da sociedade. E a 'nata' da sociedade, sabendo o quanto deve aos banqueiros, gosta de os tratar bem. 

Ou seja, tudo está bem quando acaba bem.

Para além do mais, tudo sempre se fez dentro da total legalidade. De um e outro lado, escritórios de advogados, resmas de consultores, nacionais e internacionais, e auditores, e assessores de toda a espécie e feitio, sempre asseguraram que tudo se fazia no mais estrito cumprimento da lei. Mais: de um e outro lado sempre se acautelou de manter oleados todos os bons contactos. Políticos e ex-políticos, deputados e ex-ministros desde sempre fizeram parte da lista de avençados de qualquer das grandes empresas e bancos mantém. 

E aqui, entre esta lista de 'úteis', 'disponíveis' e 'sousas' ou 'silvas' sempre estiveram ilustres avençados do anterior arco do poder (CDS, PSD, PS). Alguns circulam entre os corredores bem pagos das empresas e bancos e os balcões da televisão onde cumprem parte das suas funções. Conhecemo-los bem.


O que os jornais e televisões difundem agora com ar intranquilo e, até, agoniado, há muito que se sabia: os grandes credores são grandes empresas, conhecidas. De algumas se dizia, antes, que eram too big to fail (ou to fall). Algumas, entretanto, caíram ou quase. Outras mudaram de mãos. Outras ainda não.

De resto, ninguém criticava. De um banco, de um grande público público, se esperava que amparasse as grandes empresas que abanavam.

Ou talvez se achasse que um país tem que ter grupos económicos e que, se necessário fosse, se fecharia ligeiramente os olhos, para alavancar o seu crescimento. Que a seguir, quando fortes, logo pagariam. E, pelo meio, arregimentavam-se umas quantas garantias - just for the case, e tanto fazia que nem valessem grande coisa pois dificilmente seriam executadas, não seria necessário, tudo iria correr bem.


Mas veio a crise. Veio a austeridade. Vieram os cortes. A maior consciência da população. Veio agora a geringonça. E o ciclo virtuoso agora parece um ciclo vicioso.

Os bónus de milhões com que comendadores e demais agraciados forravam as recheadas contas bancárias inshore e offshore agora parecem obscenos. Aqueles que eram venerados, agora são proscritos. A sociedade portuguesa, ágil na mudança de opinião, deixou de os suportar. 

Comissões de inquérito. Agora mais uma. Para quê? Não houve auditorias de toda a ordem? Não houve regulação? Tudo ceguinhos, está certo, mas houve, é ir ver os relatórios. Para que serve tudo isto? Para dar canal como se fosse a Quinta dos Segredos?

É que não é uma pessoa que está em causa, uma administração, um ministro. Era toda uma maneira de estar, uma conivência civilizada, um saber estar, uma questão até de boa educação. É uma coisa que vem atravessando (e corroendo) a economia (e a democracia) faz muito tempo.

É importante que haja banca pública, sim. É importante que tenha uma gestão profissionalizada, sim. É talvez até importante, por uma questão de moral, que toda essa gente devolva os chorudos bónus que escandalosamente recebeu, ou que se faça uma avaliação crítica da gestão praticada para que se garanta que os lugares de responsabilidade são ocupados por gente competente, coisa que, tantas vezes, dá ideia que não.


Tirando isso, acho que o resto é, sobretudo, conversa para entreter o pagode.

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As imagens são estas apenas porque me apeteceu amenizar a conversa. São belíssimas paisagens japonesas que vi no Bored Panda. 

A música é também esta pelo mesmo motivo, para ser o contrário do que aqui se lê. De Dvorak o Romance para piano e violino.

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E, para quem ainda não fez o Teste do Cubo, recomendo que desça até já aqui abaixo. Se não forem, depois não se queixam que não sabem quem são. Avisei.

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3 comentários:

  1. É como diz UMJ. Pergunta a talho de foice: no fundo que verdadeira diferença entre o mundo do "faz de conta" que (muito bem) descreve e esse outro mundo do faz de conta conhecido por mundo dos famosos ou dos socialites?

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  2. Olá Jeitinho,

    Empresários de Pacotilha. Em Portugal não há empresários,há patrões.
    Tudo isto é uma vergonha, uma falta de ética, de moralidade, de valores.Estamos atolados num pântano.
    Estou triste com tudo neste país.
    Beijinhos Ana

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  3. A Todos,

    E, no entanto, há outras vertentes. Ao lado desse lado fútil, coexiste um outro. Dele falei no post que acabo de escrever.

    Sinto sempre que estou a transmitir apenas esboços de perspectivas. O tema da débil economia e da impreparada finança daria pano para muitas mangas...

    Um abraço!

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