quarta-feira, abril 13, 2016

A corrupção. A blogosfera.
Em noite de chuva e trovoada, prefiro dar a palavra a quatro escritores:
Mathias Énard, Ian McEwan, Philip Roth, Agustina Bessa Luís


Abaixo já partilhei um poema que me estava a apetecer ouvir. Nunca fui de apetites avulsos, nem sequer quando estava grávida, altura em que tudo me seria permitido, mas volta e meia tenho umas lembranças que puxam por mim. Palavras que têm uma delicadeza dentro de si e que soam como uma dançante toada, nesta noite em que, de vez em quando, uma forte bátega de água bate na janela ao meu lado, estavam a apetecer-me: She walks in beauty. E apetecia-me tê-las entre cores e árvores, nesta noite fria e escura -- é no post a seguir a este.



Depois, estive aqui a ver os jornais. Corrupção, detenções. Parece que todos os dias se descobre um novo foco de infecção.

E eu interrogo-me: será que somos um país de gente corrupta? Tendo a crer que não, que são apenas pequenos focos, insignificantes. Mas, face ao que se vem sabendo, já não digo nada.

Até hoje ainda não foi detido alguém que eu conhecesse pessoalmente. Penso que me dou com gente séria, gente que não corrompe nem se deixa corromper. Contudo, vejo tanta gente sob suspeição que tenho medo de um dia descobrir que alguém que tenho por pessoa decente se deixou tocar pela doença de corrupção. Temo. Do que me conheço, não perdoaria. Penso que não há atenuantes.

Tenho desempenhado funções em que era fácil deixar-me corromper. Aliás, já uma vez fui abertamente aliciada para tal. Ficaria muito rica num instante. Reagi de forma rápida e definitiva: essa empresa nunca mais fez negócio com aquela em que eu, na altura, trabalhava, e mudei os procedimentos em certas áreas, chamando a mim responsabilidades que, até aí, estavam descentralizadas. E disse para que se ouvisse distintamente: a partir de agora ninguém mais dirá que, nesta empresa, alguém recebe dinheiro; a partir de agora, quem tiver alguma a coisa a dizer, não falará em abstracto: acusar-me-á a mim. Foi remédio santo. Mas não há só corrupção em dinheiro: há a outra, a corrupção miúda: as viagens, os almoços. Digo-o muitas vezes: se eu quisesse, almoçava todos os dias à borla, se eu quisesse conhecia o mundo inteiro 'à pála'. Mas não quero. Assuntos de trabalho, não os trato à hora de almoço e, se quero passear, não aproveito convites para participar em conferências ou para visitar fornecedores estrangeiros, pago eu as minhas viagens. Mas, enfim, não me creio a única incorruptível nem melhor que os outros. Espanto-me é por haver tanta gente a ser apanhada nas teias destas sujeiras. Penso sempre que devem ser pessoas que se julgam imortais, que pensam que nunca vão ser descobertas e que acham que vão viver para sempre para poderem desfrutar pela eternidade afora do fruto dos seus maus actos.


Mas estar à noite a falar nisto... Não me apetece, tenho tido uns dias complicados, chego à noite a precisar de paz de espírito.

Então pus-me, durante um bocado, a circular pela blogosfera. Vou sempre à procura de aprender alguma coisa ou de me divertir a sério ou de ficar a pensar no que li -- ou por uma ideia inesperada ou por um ponto de vista inusitado -- ou de reconhecer o génio, ou de me enternecer com a delicadeza. No entanto, não sei se sou eu que ando mais impaciente ou se é deste tempo incerto e cinzento, mas a verdade é que, depois de andar a espreitar, aconteceu-me sentir uma grande saturação disto. Não quero ser injusta, talvez a amostra não fosse significativa, não foi certamente. Mas, do que vi, que tédio e agastamento senti. Há muita gente a dizer coisas que me parecem fúteis, inúteis, e muita gente a criticar-se entre si, e há muitos ecos -- um fala de uma coisa e logo dez vão atrás ou para dizer o mesmo ou para complementar ou para parodiar ou, até, para censurar -- e, tudo somado, espreme-se e não dá em nada. E há pessoas que a gente lê e não percebe qual a ideia, percebe-se que é gente inteligente mas parece que baixam a potência da inteligência para escrever de forma comezinha, vulgar. E depois verifico que a escrita rudimentar travestida de sensível ou viril atrai uma comunidade de fãs que, numa azáfama, produzem comentários igualmente nulos a que os autores respondem também com afirmações nulas embrulhadas em faz de conta. Cansa-me isso.


E, escrevendo isto, tenho vontade de parar, de apagar o que escrevi, penso que sou mais uma voz nesta imensa cacafonia, em que ninguém acrescenta nada. Hesito. Hesito. Já apaguei e voltei a escrever. Tenho vontade de me calar também. Uma imensa poluição em que parece que os rasgos de génio ou a genuína simpatia são uma ínfima minoria, em que generosidade ou a delicadeza se perdem num mundo obscuro e em que o imenso espaço sideral parece estar preenchido por ruído cacafónico, lixo, partículas depressivas, exibicionismo ridículo, provocações gratuitas, arrogâncias dirigidas que mais parecem amarguras sem destino, solidões agressivas, ou, então, palavras de plástico, letras repetidas e pouco mais.

Então, quando isto acontece, ponho-me a ouvir música do youtube, a passar fotografias da máquina para o computador, a ver as folhinhas secas, as hastezinhas que crescem, as florzinhas do campo, tão perfeitas, tão belas na sua garrida simplicidade, o meu heaven tão bom, que vontade de lá estar, de passar as mãos pela pele molhada das flores, pela pele húmida e fria das rochas, de ouvir os pássaros, de sentir o musgo macio e tão verde.


Mas isso parece-me tão distante, aqui nesta noite invernal, a chover e a trovejar aqui mesmo ao meu lado (agora um trovão tão grande que a casa toda estremeceu e eu dei um salto na cadeira, assustada). Como não posso estar no meu heaven tão acolhedor, procuro, então, blogues de fotografia, fotografias do outro lado do mundo, ou ponho-me a ouvir poemas, entrevistas. Com preguiça de desligar isto e ir pôr-me a ler ou a fazer tapetes. Tenho vontade de voltar a fazer tapetes, ou pintar. Ou desligar-me da internet, ligar a aparelhagem e pôr-me a ouvir CDs. Gostava de tentar escrever a sério. Um dia vou tentar.

(Devia conseguir ter aqui também cheiros para que pudessem sentir o perfume limpor e fresco das flores de laranjeira)

Por isso, enquanto a preguiça não me deixa afastar-me do computador e não me passa esta sensação de esmagamento sob um infinito manto de resíduos, restos, ruídos, tenho estado aqui a ouvir escritores. Gosto de ouvir escritores.


Mathias Énard -- Parle-leur de batailles, de rois et d'éléphants



 

Ian McEwan e o seu processo de escrita 




Philip Roth - um senhor 

 



Agustina Bessa-Luís - Um documentário

 

Nasci adulta e morrerei criança


 ....

Lá em cima era o Ensemble vocale Ricercare a interpretar La bocca onde l'asprissime parole
do II libro dei madrigali (Venezia, 1590) de Claudio Monteverdi
.....

E desçam, por favor, se quiserem ouvir  She walks in beauty.


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