sábado, março 19, 2016

A beleza e a moda ao longo dos (meus) anos




Quando eu era miúda, estava desejando de ser adolescente para poder pintar os olhos, fazer penteados extravagantes, usar roupas de crescida, saltos altos, chapéus, adorava chapéus, imaginava-me sempre com chapéus exuberantes.


Depois, quando era adolescente, eu queria experimentar sombras nas pálpebras superiores, eye liners, blush, fazer penteados mais artísticos. Sempre tive cabelo farto e usava-o solto, espalhado pelas costas. Quando era miúda, usava muitas vezes tranças porque era uma forma de ter o cabelo domado. Ao ser adolescente, claro que as tranças foram de imediato banidas. Mas gostava de fazer um entrançado atrás ou apanhava o cabelo num rabo de cavalo no alto que entrançava e prendia à nuca, por vezes com pequenas flores no meio do cabelo. Mas se a roupa fosse mais a meu gosto e pintasse os olhos, os meus pais não queriam, diziam que dava nas vistas, que não era coisa de miúda, que quando fosse mulher logo me arranjava assim. Muitas vezes ensaiava pinturas, poses, e punha-me ao espelho a imaginar-me como seria eu quando atingisse a idade que me permitiria ser como eu queria ser.


E, portanto, era uma luta permanente, uma ansiedade de chegar à idade em que poderia andar como quisesse. A minha mãe era mais permissiva. Penso que o facto de ser professora a imunizava contra guerrilhas e geria bem as confrontações. Ou isso ou não se importava muito. Mas o meu pai era mais intolerante, não queria que eu saísse nos 'preparos' que a mim me apeteciam.

Com 17 anos acabados de fazer, na prática, tornei-me independente. Vim para a faculdade, alojada numa outra cidade, só ia a casa ao fim de semana. Desejei muito esse momento. E gozei-o intensamente.


Mas, aí, na faculdade, eram tempos de liberdade e pinturas nos olhos ou saltos altos ou roupa mais produzida era coisa que não estava com nada. Mesmo assim, vestia-me com gosto e o meu marido ainda fala num certo vestido justo, verde, curto, de um tecido que parecia seda, de alças, tão decotado que não podia usar soutien. Ao cruzar-me com ele, na escadaria, pareceu ficar enfeitiçado. Diz ele que nada disso, qual enfeitiçado, muito pelo contrário: pensamentos bem profanos lhe ocorreram, conta ele. Eu namorava com outro mas aquele olhar desviou-me do bom caminho. Míope, mal dava pelos olhares alheios mas aquele faiscou demais e eu vi-o bem. 

Mais tarde, já quando eu tinha deixado o poeta e namorava com ele, aborrecia-o que eu andasse sempre com cabelo na cara, disse que eu devia ficar bem com cabelo curto. Foi logo. Pela primeira vez, deixei de usar cabelo comprido e toda eu era jeans, tshirts justinhas, e nem me ocorria pôr blush, pintar lábios ou olhos.


Casei-me, chegaram os miúdos e, por força de trabalhar numa grande empresa onde as mulheres pareciam competir entre si pela melhor toilette (por força ou com o pretexto), voltei a produzir-me. Era então a única mulher com funções de mais responsabilidade, vivia entre homens, ouvia-os a comentar as outras mulheres, e aprendi, de perto, e perante uma amostra significativa, a perceber o que gostavam eles de ver nas mulheres e o que abominavam. 

Nessas alturas em que eles também me diziam piropos que, de certa forma, me eram simpáticos mas pouco relevantes, eu podia apreciar como as mulheres se arranjavam e andavam quase em função do efeito que queriam produzir nos homens, especialmente nos que tinham cargos de mais responsabilidade.


Aos trinta e um anos passei a directora e fiquei a ser a mais nova directora da empresa, entre homens e mulheres. Convivia, então, especialmente com os meus colegas directores, todos homens. E ficava espantada com a atracção que eles exerciam nas mulheres. Ter um caso com um director parecia ser a máxima ambição de um número significativos de mulheres. Secretárias, estagiárias, jovens técnicas, etc, -- tudo se produzia e exibia para cair nas boas graças deles. Os meus quatro maiores amigos de entre os meus colegas (todos casados e bem casados) tiveram vários casos, a que eu assistia divertida, tolerante. Percebia que, para eles, era uma forma de se sentirem admirados e desejados, uma forma de sorrirem com uma certa vaidade quando os outros se metiam com eles. Elas ficavam felizes e eles também.


Apenas um caso deu para o 'torto' -- e digo que deu para o torto porque passou a fasquia da brincadeira: o meu melhor amigo, que todos os dias ia conversar um bocado comigo ao meu gabinete e que começou por ter um 'casinho' com a minha secretária, apaixonou-se por ela e ela por ele e, depois de anos de hesitação e de, na prática, já viver em verdadeira bigamia, expôs o caso à mulher na esperança que ela aceitasse a situação e, como ela não aceitasse, separou-se a vive agora com ela. E são felizes apesar de ele nunca ter formalizado a separação da mulher. E continua a dar-se bem com ela. Nos casamentos dos filhos e aniversários dos netos, estão todos juntos na maior amizade.

Por essas alturas, eu tentava arranjar-me bem mas não muito 'à senhora' coisa que, afinal, também não fazia o meu género. Contudo, dado o dress code que forçosamente tinha que respeitar, comecei a ter que fazer uma certa ginástica para não me arranjar de forma muito desconstruída mas para não parecer uma madamezinha.


Uma vez, comprei um vestido em pied de poule branco e preto, abotoado de alto abaixo, com uma golinha, e que usava com um cinto fininho preto. Nunca antes me tinha vestido com ar tão formal. Quando lá cheguei toda a gente olhava para mim e sorria, tal a diferença. A minha secretária, mais ousada, disse: 'Bolas, bolas. Parece uma viúva' e depois sorriu e acrescentou 'Daquelas ainda muito desfrutáveis'. A partir daí passei a usar o vestido com um cinto largo encarnado para não parecer tão viúva e não fazer despertar aqueles sorrisos maliciosos. Mas nada disto alguma vez ocupou muito a minha mente nem nunca me vesti assim ou assado para agradar ou deixar de agradar. 

Agora continuo a vestir-me como me apetece e quero lá saber. É minha opinião que, mais importante que a moda, é o estilo, e, mais importante que o estilo, é a maneira de ser e, das maneiras de ser, a descontraída é que melhor qualidade de vida proporciona ao próprio e ao próximo. Tirando isso, pouco mais sei dizer.

Claro que tenho a noção das coisas e, portanto, obviamente não uso shorts, calças rasgadas ou descaídas, ou blusas transparentes sem nenhum top por baixo. Agora que já tenho idade para me vestir 'à senhora' não o faço porque continuo a não gostar de me vestir muito arranjada como se fosse uma consultora empedernida, uma beata sofisticada ou uma avozinha encartada. Pinto os olhos mas não muito, ponho baton ou gloss, deixo o cabelo solto ou apanho-o. Como me apraz em cada dia.

A minha filha que conhece bem o lugar onde eu trabalho, disse uma vez à minha mãe: 'Lá todas se vestem melhor que a mãe' -- e isso deixou a minha mãe apreensiva. Expliquei-lhe que não compito com as outras mulheres em nenhuma categorias e acho que ela percebeu.

E, aqui chegada, o que tenho a dizer é que o melhor que cada pessoa tem a fazer é andar, a cada momento, como se sentir melhor, sem sacrificar os seus gostos, sem pretender obter vantagens de qualquer espécie por ser ou andar assim ou assado, sem esperar por melhor altura, sem se importar com a opinião alheia.


Vivendo num meio masculino, altamente competitivo, nunca me senti preterida ou preferida por ser mulher. E nunca tive que sacrificar o que quer que fosse da minha feminilidade nem senti que podia obter qualquer coisa mais se a empolasse. Nem nunca achei que as feias ou as bonitas, as altas ou as baixas, as magras ou as gordas têm vantagem ou desvantagem. Nesse aspecto, acho que ser mulher é ser como um homem: o importante é ser-se autêntico e ser inteiro. O resto é invólucro, é passageiro. 


Chego a casa, desmaquilho-me, escovo o cabelo, despenteio-me ainda mais do que andei durante o dia, dispo-me, visto uma roupa confortável, e a capa que usei durante o dia desaparece. Esqueço-me dos meus problemas profissionais, das arrelias, esqueço-me de tudo o que, aqui em casa, visto de longe, perde relevância. Pego nos livros, ouço música, sento-me ao computador, escrevo. E sou eu, em qualquer altura, de qualquer maneira.

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Talvez algumas pessoas olhem para mim e digam que eu fui bonita, e, dizendo isso, estarão a pensar que fui, já não sou -- ou seja, a assumir que a beleza se me esvaíu com a idade. Eu olho para as minhas fotografias e vejo que, de facto, a idade tem vindo a passar por mim, são notórias as diferenças. Mas não quero saber disso para nada. Continuo a gostar de me arranjar e de me desarranjar, continuo a ser como sou -- e quem gosta, gosta, quem não gosta, paciência. O que sei é que me sinto agora mais mulher do que alguma vez antes me senti e que isso me dá ainda mais alegria e mais segurança em mim. Faço o que quero. E a beleza física, bem vistas as coisas, não é o mais determinante em coisa alguma. Tudo o que é importante na vida de uma pessoa è una cosa mentale -- e, ao terminar a conversa, isso é a única coisa que eu posso afirmar com alguma convicção.

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Esta conversa toda veio a propósito do vídeo que mostro abaixo e que fala de outras modas, de outras belezas, de outras mulheres, de outros mundos. Encontrei-o na Harper's Bazaar, onde se diz o seguinte:
For many people, "fashion" doesn't extend far beyond the runway and pages of magazines like BAZAAR. But in cities across the globe, it's so much more than what the media represents — fashion is a form of expression, veneration and even rebellion. 
In States of Undress, a new docuseries premiering on Viceland March 30, writer and model Hailey Gates will travel around the world, exploring what fashion and beauty means to society and culture in countries including Venezuela, Russia, China, Palestine, the Congo and more. 
In the first episode, Gates goes to Pakistan, where she explores Karachi Fashion Week—"taking place in what was essentially a guarded bunker in the middle of one of the most volatile countries in the world" — and meets with human rights activists, fashion PR execs and rebellious designers.

STATES OF UNDRESSBEAUTY AND FASHION IDEALS AROUND THE GLOBE

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O primeiro vídeo, lá em cima, é Fashion Story: A dreamy touch de Sølve Sundsbø.

As fotografias que usei ao longo do texto, se não me engano, são todas de Patrick Demarchelier excepto a de Jean Seberg (de cabelo curto) e não pretendo que pensem que sou parecida com alguma delas. Claro que não sou pois, se fosse, provavelmente também teria seguido a profissão de modelo: não sou muito alta, não tenho as medidas perfeitas, não passo, de facto, de uma pessoa completamente normal. Se alguma coisa me distingue, acho eu, é o facto de ser como sou (seja lá o que isso quiser dizer).
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E tenham, meus Caros Leitores, um belo fim-de-semana.

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6 comentários:

  1. Que este dia,seja um dia seu seu PAI !

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  2. Junto-me ao Leitor anterior e que tenha sido seja o Dia do seu pai. Sobretudo pelo que ele tem passado, do que a UJM por vezes partilha connosco, em que nos transmite o carinho que sente por ele. Para além da situação por que seu pai tem vindo a passar.
    Quanto a este Post, revela uma vez mais uma UJM muito feminina. Mantenha-se assim sempre. Uma mulher que nunca deixa de ser feminina é algo maravilhoso!
    Já me penitenciei umas quantas vezes por não ter tido o tacto suficiente para perceber que gostava de sapatos de salto alto vermelhos e ter sido algo rude no meu comentário a esse propósito. Acho que não fui elegante. E podia ter sido. Tivesse falado a razão antes do coração.
    Tenha um resto de bom fim de semana!
    (Cá passei o Dia do Pai com os filhos, embora o dia estivesse pouco convidativo. Mas, que importa? Estivemos juntos, é o que conta!)
    P.Rufino

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  3. Caros Firme e P. Rufino,

    Muito obrigada por se terem lembrado do meu pai. Hoje lá estive com ele. Está de boa saúde, com apetite e agora numa fase mais calma. No entanto, as limitações são muitas e não se pode conversar muito com ele senão as coisas ficam a 'trabalhar' dentro da cabeça e encontram buracos onde falta a informação e isso deixa-o inquieto. Quando isso acontece, acaba muito baralhado: às tantas pensa que ainda está a trabalhar ou que ainda anda bem e percebe que nada daquilo bate certo. Por isso, temos que restringir o pouco a conversa junto dele.

    Mas, tirando isso, agora está bem. No entanto está sempre a chamar a minha mãe, quer saber se ela está bem. E, por isso, a minha mãe queixa-se que qualquer dia é ela que dá em maluca...

    Enfim, situações complicadas mas às quais nos vamos habituando. Costuma dizer-se que é a vida -- e é mesmo.

    Um abraço.

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  4. Agora apenas para o P.Rufino,

    Não foi nada rude daquilo dos sapatos de salto alto vermelhos. Podem ser muito vulgares, de facto. E, de resto, gostos não se discutem. A maior parte das mulheres nunca os usou nem usará. E, lá por eu gostar, não quer dizer que me fiquem bem. Gosto porque gosto porque sempre gostei e porque, como diz, sou, de facto, muito feminina, orgulhosamente feminina.

    Votos de felicidades para a descendência e que possam continuar a encontrar-se por muitos e bons anos, sempre vivendo em harmonia. isso é o que conta.

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  5. Como não uso saltos altos tenho umas sapatinhas vermelhas :)
    GG

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  6. Olá GG, bom dia!

    Umas sapatinhas vermelhas também devem ser bem bonitas. E a palavra sapatinhas ainda lhes dá mais graça.

    Um bom dia de domingo para si, GG!

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