Comprei um livro que me traz contente, mesmo contente. Vou contar-vos.
Dar um bordejo por uma livraria é para mim um prazer a que dificilmente resisto. Verdade seja dita que não me esforço muito. Na maior parte das vezes vou determinada a que seja uma visita turística, um olhar a vol d'oiseau, só para ver as vistas. Entro e vou a pensar que não tenho onde os guardar, não tenho como lê-los a todos, que isto é vício, que isto tem que ser combatido. E assim vou, cabeça estruturada, bem comportada, até vagamente beata -- se tivesse camisa, só faltaria mesmo abotoar os botões da camisa até ao pescoço. Passo, pois, com superioridade por entre os escaparates, estantes, apelos ao pecado. Fujo dos destaques, não olho para os que são mais vendidos, espreito de relance as novidades e, até certo ponto, convenço-me de que a coisa está a correr bem, que vou sair de mãos a abanar. Chego até a dar-me ao desfrute da auto-condescendência: como é fácil atingir a virtude, penso.
Pronto. Arrumo as frescuras e ponho-me a jeito para ser tentada.
Assim, tal e qual -- ou se não foi isto foi qualquer coisa como isto -- aconteceu por um destes dias. Numa prateleira baixa, uma barafunda: livros de culinária noutras línguas e qualidade duvidosa, guias turísticos ultrapassados, livros com as capas já estafadas de tanta permanência nos fundos, livros de banda desenhada de qualidade mais do que duvidosa. Nada que se aproveite, penso, e já me recrimino por continuar ali a esgravatar: Mas que espero eu encontrar no meio do lixo? Mas continuo, a forço-me a pôr um ar displicente, para ver se disfarço a minha indigência.
E eis que, de facto, vejo um livro que desperta o meu interesse 'L'art moderne et contemporain', uma edição Larousse e, por baixo, um outro, interessante também, arte, 'Identifier le sujet dans le tableau - les secrets de la peiture ancienne'. Folheio-os, agradam-me, vejo os preços, sinto que estou à beira de ser fulminada. A tentação é um abismo onde apetece cair.
Por baixo deles, um livro tão grande que quase confundo com a base da prateleira. Foco a visão (sou míope).
Por baixo deles, um livro tão grande que quase confundo com a base da prateleira. Foco a visão (sou míope).
Mas não entrego logo os pontos: olho de soslaio. Livros tão grande não são coisa que me costume atrair, costuma ser muita parra e pouca uva, como aqueles homens altos e musculados, fatinho de risca e botão de punho. Mas, assim como assim, deixa cá ver. Baixo-me.
'The Library, a world history', de James W.P. Campbell, fotografias de Will Pryce, ed. Thames & Hudson. Um livro calmeirão e eu ainda a espreitar de soslaio. Folheio. E, meus caros, tiro e queda: um espanto de livro. Viro-o a custo, aquilo pesava como um peru dos grandes. E então pasmo: custava 74,4€. Ui...
É que nem penso duas vezes: ajoujada com os três livros, feliz e contente, toda lampeira pela pechincha, lá venho eu.
E ainda não vos contei tudo.
Ou será que já? Já vos contei? - Eu conto: tenho um lado de cigana ou de marroquina. Adoro negociar, regatear, sentir que fiz um bom negócio.
Pois aqui nem isso tive que fazer. Caíram-me os três no colo.
E ainda não vos contei tudo.
Ou será que já? Já vos contei? - Eu conto: tenho um lado de cigana ou de marroquina. Adoro negociar, regatear, sentir que fiz um bom negócio.
Pois aqui nem isso tive que fazer. Caíram-me os três no colo.
Conto-vos: o primeiro custava 26,11€, o segundo 37,45€ e o terceiro já vos disse, 74,4€. E sabem por quanto os comprei? 5€ (cinco!) cada. Três belos livros pela módica quantia de apenas quinze euros. Dá para acreditar?Uma emoção próxima do êxtase, isto. Bem, talvez não seja êxtase mas não me ocorre a palavra certa.
Escusado será dizer que estou deliciada com eles, em especial com este das bibliotecas. Que livro fascinante. Logo eu que gosto tanto, tanto, de bibliotecas.
O livro é sumptuoso, seda pura, fotografias maravilhosas. Mas não são só as imagens: é tudo. Vagueio por entre as suas páginas como se vagueasse por entre corredores infinitos cheios de infinitas estantes onde vivem infinitos livros e quase sinto o som discreto dos meus passos, quase sinto o cheiro familiar dos livros, quase me ouço a baixar o tom de voz para falar quase em segredo não vá acordar Borges, Hemingway, Steinbeck, Miguéis, Sena, Camões, Remarque, Sophia, Herberto, Dylan, Neruda, tantos, tantos, todos ali, numa infinita tertúlia.
O livro é sumptuoso, seda pura, fotografias maravilhosas. Mas não são só as imagens: é tudo. Vagueio por entre as suas páginas como se vagueasse por entre corredores infinitos cheios de infinitas estantes onde vivem infinitos livros e quase sinto o som discreto dos meus passos, quase sinto o cheiro familiar dos livros, quase me ouço a baixar o tom de voz para falar quase em segredo não vá acordar Borges, Hemingway, Steinbeck, Miguéis, Sena, Camões, Remarque, Sophia, Herberto, Dylan, Neruda, tantos, tantos, todos ali, numa infinita tertúlia.
E as bibliotecas muito antigas, enfeitiçadas, e as modernas, luminosas - que lugares mais mágicos, mais belos, mais transcendentes. No coração da terra batem todos os livros que já se escreveram.
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As fotografias deste post fazem parte do livro The Library, e eu, se não fosse preguiçosa, identificava-as, uma por uma. Mas sou.
Não conhecia Paul Bley. Recebi por mail -- (obrigada!) -- e passei a noite a ouvir. Que bom, que bom. Espero que também gostem. Aquela lá em cima intitula-se If I Loved You.
O primeiro vídeo, desta série de três, mostra bibliotecas excelentíssimas e os dois outros trazem-nos a palavra dos escritores (respectivamente Charles Bukowski e D H Lawrence, aqui lidos por Tom O'Bedlam) porque delas se fazem todos os milagres que se convertem em livros.
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Sobre o debate Maria de Belém/Marcelo Rebelo de Sousa que deixou a fadinha-madrinha sem voz e sobre a festa na SIC N onde Ricardo Costa fez uma pergunta ao Tino que deixou o mano Costa de cara à banda e sobre Marcelo que deu em gémeo separado à nascença de qualquer pessoa, cão ou gato que se cruze com ele e todas essas cenas falo no post já aqui abaixo.
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Já não é a primeira vez que a associo à alma de um livro.
ResponderEliminarHoje dou por mim a pensar que se UJM tiver uma segunda vida, será de certeza um livro e viverá numa destas magnificas catedrais. Até consigo imaginar os serões com tais vizinhos.
Parabens pelas compras. De vez em quando fazem-se assim umas descobertas.
Obrigada pelos videos e um bom fim de semana.