quarta-feira, setembro 16, 2015

O pássaro onírico






Nada recomenda durante mais tempo as histórias à nossa memória do que essa sobriedade neutra que as subtrai à análise psicológica. E quanto mais o narrador for capaz de renunciar naturalmente aos efeitos psicológicos, tanto mais facilmente a sua história encontrará lugar na memória dos ouvintes, tanto melhor ela será assimilada à sua experiência pessoal, e tanto mais eles sentirão necessidade de, mais cedo ou mais tarde, a transmitir a outros. Este processo de assimilação que acontece no mais fundo de cada um, exige uma disposição livre de tensões, algo que se torna cada vez mais raro. Se o sono é o ponto culminante do relaxamento do corpo, a disponibilidade corresponde a esse ponto mental.

A disponibilidade é o pássaro onírico que choca o ovo da experiência. O sussurrar da folhagem na floresta espanta-o. Os seus ninhos - aquelas actividades que mais intimamente se adequam a essa disposição de quem sabe usar o tempo - já desapareceram das cidades, e estão em vias de desaparecer no campo.

E com isso perde-se o dom de saber ouvir, e desaparece a comunidade dos que sabem ouvir. 

Contar histórias é sempre a arte de continuar a contá-las, e esta perde-se quando as histórias não são preservadas. Perde-se porque já não se tecem nem se fiam os fios do tempo necessário para as ouvir. Quanto mais os ouvintes se esquecem de si, tanto mais fundo permanece neles o que ouviram. Quando deles se apodera o ritmo do trabalho, escutam as histórias de tal modo que adquirem naturalmente o dom de voltar a contá-las. E assim se tecem as malhas que acolhem esse dom de contar. Malhas que hoje em dia deslaçam em todos os cantos, depois de, há milénios, terem sido tecidas no seio das mais antigas formas de trabalho manual




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O texto é um excerto de Linguagem Tradução Literatura de Walter Benjamin

Fiz as fotografias, durante este fim de semana, em paredes degradadas no Ginjal.

A música é Water From An Ancient Well - Abdullah Ibrahim 

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