Bem, agora que chego ao tema mais interessante, já passa da uma da manhã e tenho que acelerar que amanhã é dia de trabalho. Dia 10 foi Dia de Camões e, afinal, no meio de reações vagais e outros desmandos que tais, deve ter-se falado de tudo menos de poesia.
A propósito: este é o meu terceiro post de hoje. A seguir a este, falo da baderneira Teresa Leal Coelho que partiu para a desgraça, atirando-se como um pit bull aos juízes do Constitucional. Mais abaixo, falo do presidencial fanico e de uma outra reacção vagal, a do meu querido ex-bebé que nos pregou um susto há muito pouco tempo.
Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.
Por todo o lado se ouvia falar no novo livro de poesia de Herberto Helder, A Morte sem Mestre. Como sempre, edição única. E que tinha mudado de editora, agora a Porto Editora, mas que as regras se mantinham. Quem comprou, comprou, quem não comprou, comprasse. Com antecedência a coisa foi-se anunciando. Que era na segunda feira, dia 9 de Junho, o esperado dia.
À hora de almoço, ia eu no carro a ouvir nas notícias que a Editora informava que apenas permitia a cada comprador dois únicos exemplares.
Parece que, em livros anteriores, houve quem açambarcasse para depois revender no mercado negro.
Eu ia a ouvir tudo isto e a pensar, Tanto aviso, tanto aviso, chego lá, já não apanho nenhum exemplar. Bolas.
As minhas horas de almoço são curtas e sempre atarefadas. Além disso, com um aniversário na família no fim de semana e com as horas de almoço do resto da semana já todas preenchidas, tinha o presente para comprar. Mas, claro, precipitei-me logo para a FNAC. Temia filas, gente a disputar este tão anunciado último livro de HH, uma cena tipo Harry Potter, gente que tivesse pernoitado às portas da livraria, televisões a entrevistar os fanáticos, uma multidão esgazeada, um frenesim, braços estendidos para agarrar um último exemplar.
Mas, para minha surpresa, logo à entrada, num escaparate autónomo, vários exemplares. Agarrei logo num a pensar Este já ninguém mo tira. Imaginei que, nas prateleiras do costume, mais à frente, na secção das novidades ou na de poesia ou na de autores portugueses, não haveria nem um.
Engano. Por todo o lado, montinhos de livros. Que eu tenha visto, só eu ali estava a comprar o livro.
Comprova-se: sendo Portugal um país de poetas, de facto os portugueses não ligam patavina à poesia. Ou, pelo menos, não compram livros de poesia.
Mas eu compro. Gosto e pago por isso porque acho que os Poetas precisam de viver e, mesmo que escrevam poesia apenas por desfastio ou pancada, acho que merecem ser recompensados.
Resumindo: cá tenho o livro. Tem uma bela encadernação e, como sempre nos livros recentes, ainda cheira a tinta e eu pego nele, folheio, tacteio as palavras, aspiro o perfume dos poemas. Mania, eu sei, mas cada maluco tem a sua e a minha até é pacífica.
No fim do livro, lê-se:
Nota do Editor
Herberto Helder tem por hábito encadernar os seus livros com papel de embrulho castanho, escrevendo por fora com caneta de feltro vermelha o título e o nome do autor. A sobrecapa da presente edição evoca esse hábito, reproduzindo a sua caligrafia.
Já na segunda feira à noite aqui vos transcrevi um poema e hoje vou transcrever outro. Como é um poema muito longo e já é tardíssimo, acho que vou transcrever apenas uma parte. As minhas desculpas. Mas acho que dá para perceber a diversão, a irrisão, a corrosão. Pelo menos, espero que dê para abrir o apetite para o resto do livro.
a burro velho dê-se-lhe uma pouca de palha velha
e uma pouca de água turva,
e como fica jovem de repente durante cinco minutos!
dê-se-lhe isso por amor de Cristo, que ele faz logo o trilho
todo e agradece muito,
Deus zela de facto pelos servidores,
e o Cristo, patrono deles, é o filho de seu pai,
tudo concorde com as genealogias celestes e suas sombras na
terra,
ó pai nosso que estás nos céus, alô, daqui fala da terra
ingrata,
só tu é que exerces a piedade magnânima sobre nós,
vozes de burro não chegam ao céu, dizem eles,
eles,
os mestres inflexíveis e eficazes,
Cristo foi uma espécie de marxista-leninista mas com alguns
escrúpulos extra-partidários,
esteve preso por incitamento à rebelião popular contra o regime,
por fomentação de grupúsculos revoltosos,
por palavras e obras fora da lei,
cometeu prodígios marginais tais como:
a) prática ilegal da medicina com alegadas curas frauduentas:
um morto levantou-se e pôs-se a caminhar e a falar
como se estivesse comerciável
b) anunciou que o pai estava acima dos códigos do mundo
c) que ele próprio ia pagar com a vida por essas outras
razões, mas que logo ressuscitaria e depois é que
todos veriam como tudo ia fiar mais fino
d) e então sussurrou: um de vós me trairá, e então olharam
todos uns para os outros a ver onde haveria algum
sinal nefando, mas nenhum deles sentiu em si
mesmo qualquer anúncio de crime e culpa,
depois foram dali dar uma volta fora de muros e,
cansados de palavras e passeios, deitaram-se
debaixo de umas oliveiras, e adormeceram,
límpidos e vazios como os desertos derredor,
(...)
e depois veio o 25 de abril, cravos vermelhos, Grândola
vila morena, e o povo é quem mais ordena, e então
apareceram em toda a parte uns gajos que, faz favor,
era a eito, desde o Cristo Cunhal até ao Jotinha: o
meu reino é para já;
foda-se
vou-me embora pra Parságada, disse então o Manuel
Bandeira;
quanto a mim, não me interessa ter a filha do rei; com a
minha idade já não se arrisca nada por uma
aventura sexual minada por tantas dúvidas
ideológicas
(...)
e aqui jaz, acomodado, oitenta e três, parece que pelo
menos sem grandes achaques físicos, o todo vosso
burro com palha pouca e fora de uso, quer dizer:
uma reforma de pilha-galinhas e poeticamente
enterrado vivo, e sem poder visível e sem contacto
com o invisível, o burro sim com o nome a fogo
na testa: eu sou apenas deste mundo, mas todo vosso: nenhures é o
meu pouso.
Esta é a minha elegia.
A Elegia de um Burro.
Herberto Helder - A morte sem mestre / CD
5 poemas ditos pelo poeta e incluídos em CD com o livro "A morte sem mestre" (Porto Editora, 2014)
___
As fotografias do livro foram feitas junto a figuras de santos e anjos que tenho aqui em casa, todas - excepto uma - peças de artesanato.
___
Relembro: sobre laparices no feminino e sobre desmaios vagais, queiram por favor ir descendo. São mais dois posts.
_____
Ia desejar-vos uma boa semana mas a tempo lembrei-me que não foi domingo.
Foi Dia de Portugal e de Camões.
Por isso desejo-vos, meus Caros Leitores uma bela quarta feira.
_
eu preferia que os negócios tivessem ido para companhias brasileiras, mas como não foram, e como se diz, se não podes com eles , junta-te, vamos lá aprender a língua dos nossos patrões de maneira fácil - http://chineasy.org/
ResponderEliminartelefonei para todos os representantes da Victorinox em portugal (http://www.mystore411.com/store/listing/813/Portugal/Victorinox-Swiss-Army-store-locations), a malta parece que só gasta canivetes. ora aqui está um furo para negócio, podem contar com um cliente.
pequeno filme de terror-)) - https://www.youtube.com/watch?v=MLErNXIYjMg#t=90
ResponderEliminarporque amanhã começa a copa - https://www.youtube.com/watch?v=Iy1rumvo9xc
ResponderEliminarUJM , ATENÇÃO AOS COMENTÁRIOS EM INGLÊS, É SPAM, E DEPOIS DE UM ACEITE É UM KARMA.
ResponderEliminarREPARE QUE O ELOGIO É GENÉRICO, APLICA-SE A QUALQUER BLOG
WEB PAGE (), O QUE VALE A GOOGLE ELIMINA CÓDIGOS, ENTRE () ESTAVA QUALQUER COISA, E NÃO DEVIA SER BOM
Olá UJM!
ResponderEliminarEste comentário é para o seu marido! Agradeço-lhe ter-me ajudado a libertar-me do peso do génio hibernado no seu refugio madeirense ,o do Prémio Pessoa pedantemente recusado, o maior poeta vivo da literatura portuguesa. Eu, que sempre ou quase sempre o achei um Hermético Helder para gozo de intelectuais reconhecidos e encartados, na minha pequenez poética e cultural nem me atrevia a admitir, perante mim mesmo, que talvez aquilo não fosse propriamente poesia. Não era capaz de me libertar do peso da erudição que me foi imposta através de muitos textos e opiniões de especialistas quando me procurava esclarecer. Contrariamente às Artes Plásticas onde já me tinha libertado do "peso" do génio de um Julião Sarmento e do inenarrável Pedro Cabrita Reis por exemplo, na literatura tem sido mais difícil. Consegui , graças ao seu Marido e a Si que me transmitiu a sua opinião , libertar-me . A ambos muito e muito obrigado !
Um abraço