Há pessoas cuja escrita nunca desilude. Pessoas inteligentes, honestas, donas de uma maneira de se exprimirem límpida. Viriato Soromenho Marques e Pedro Santos Guerreiro são duas dessas escassas pessoas. Um oásis num deserto. Não falam apenas da espuma dos dias. Não, eles dão um passo atrás, pensam, vêem mais longe, têm uma visão abrangente e, sobretudo, têm, ainda, consciência.
De cada vez que leio o que escrevem, apetece-me transcrever aqui. Como um eco. Era bom que fosse ressoando por todo o lado, para que as palavras verdadeiras não desapareçam da nossa sociedade.
Um dia de cada vez, por VIRIATO SOROMENHO MARQUES no Diário de Notícias
A história mostra que toda a grandeza, seja dos indivíduos ou das nações, só se consegue quando se olha para o tempo longo, como alguém que contempla um extenso vale a partir de uma alta montanha. A empresa dos Descobrimentos só foi possível pela coerência das políticas que vão de Ceuta à chegada de Gama à Índia. Para que o "Estado social" escandinavo ou a modernização sul-coreana tivessem ocorrido foram precisas décadas de persistência política. Os resultados positivos no SNS português implicaram 40 anos de continuidade. Esse é o método da estratégia, que implica visão e firmeza no rumo. O método de quem aprende a criar e a contar com um tempo previsível. Pelo contrário, "a saída limpa", anunciada ontem pelo primeiro-ministro - num estilo épico inapropriado , representa a vitória do tempo mínimo. O triunfo da tática parcelar e fragmentar. A nossa "saída limpa" não espelha a nossa liberdade reconquistada, mas o nosso abandono por parte dos países que, connosco, formam o corpo da zona euro, onde deveria reinar a solidariedade, mas impera um egoísmo vesgo e malsão. Ficamos, para já, entregues ao "programa cautelar" endógeno e improvisado de uma "almofada financeira", que nos custa milhões, mesmo sem ser usada, sobretudo para não ser usada. Ficamos à mercê de forças que não controlamos, sejam elas o humor dos mercados, as decisões dos bancos centrais mundiais, a incerteza sobre o rebentar das bolhas chinesas (do crédito e do imobiliário), a sorte das armas na guerra civil ucraniana. Como poderemos esperar que nesse solo estéril as sementes da confiança, do investimento e do desenvolvimento possam crescer? A zona euro transformou-se numa planura desértica. Sem estadistas visionários que escalem montanhas para vislumbrar o melhor rumo para o bem comum de todos os europeus.
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Leiam os lábios dele, por Pedro Santos Guerreiro no Expresso de 3 de Maio de 2014
Perante isto, faz-se o quê? Encolhemos os ombros, rimos, zangamo-nos, alto-e-pára-o-baile? mudar de opinião não é mentir. Mudar de decisão não é mentir. Errar não é mentir. Até dar cabo da vida não é mentir. Mas mentir é mentir. Aumentar os impostos jurando antes que assim não seria e (céus!) jurando depois que assim não foi é descaramento. Ou é paranóia. Ou é mentir.
(...)
O contorcionismo moral entorpece a sociedade. A mentira, a pequena trapaça, os falsos cursos superiores, a manipulação criam habituação. Não sei o que é mais impressionante: se a cara de pau de Passos no aumento de impostos se os pezinhos de lã com que o aumento foi aceite. Começa a parecer demagógico criticar quem mente. Começa a parecer moralista falar de moral.
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Duas lúcidas cabeças que dá gosto ler. Ainda há por aí muita gente que, sabiamente, não só não se deixa enganar, como sabe denunciar com critério.
ResponderEliminarE depois, quando comparamos esta gente honesta e brilhante com a mediocridade dos labrostes (como diria Aquilino) que nos governam e mentem com um despudor chocante, ficamos com uma espécie de azia no estômago, mas em simultâneo com a satisfação de saber que vai havendo alguém lúcido e inteligente que vai "desconstruindo" as falácias e embustes deste governo.
P.Rufino