sábado, maio 31, 2014

As casas em que já vivi. 'Oh as casas as casas as casas, mudas testemunhas da vida'


Este é o meu terceiro post desta noite. Apesar de perdida de sono, apesar de um dia inteiro de reuniões faladas em inglês, coisa que me deixa um bocado de cabeça feita em água, estou com vontade de escrever. Deve ser a minha forma de espairecer ao fim de uma semana cansativa.

Comecei aqui com um déjà vu, mais uns quantos chumbos do Constitucional a mais umas quantas normas inscritas no Orçamento. Temos um Governo que, desde o início, age à margem da lei: marimbar-se para a Constituição é uma das suas imagens de marca.
Enquanto escrevo isto, estou a ver Passos Coelho na televisão, rodeado de seguranças, autênticos gorilas, empurrando o repórter que o questiona sobre o assunto dos chumbos. Bonito. Não o mordeu como eu temia mas pôs os seguranças a empurrar o jornalista. Cada vez melhor. 
A seguir aluei-me, fui para o jardim, peguei em flores, centrei-me numa certa Rose de Granville, desfilei, deitei as mãos à poesia de António Ramos Rosa como quem mergulha as mãos na terra. Na terra de um jardim proibido, diga-se.

Mas isto é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.

Vou falar das casas onde já vivi. Lembrei-me de escrever isto ao ter nas mãos o terceiro número da revista Granta que, justamente, é dedicado à CASA. Para ilustrar o texto, vou colocar umas fotografias que tirei agora aqui à minha volta. Uma das fotografias mostra umas páginas da Granta (explico porque não tem a ver com a minha casa). A última fotografia foi tirada in heaven faz uma semana.



Marambaia - para nos acompanhar, por favor




A primeira casa de que me lembro foi a casa para a qual os meus pais foram viver quando se casaram. Era uma pequena moradia de rés do chão, tenho ideia que era geminada.

Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade

Ruy Belo

Era pintada de branco, talvez caiada. Por dentro era também branca. Mas lembro-me de a minha mãe remodelar a casa de banho e escolher pintá-la de um verde água muito claro e ela gostar muito e eu também. Tenho ideia que para ela aquilo foi uma coisas especial e isso contagiou-me. Ainda hoje recordo a alegria de termos uma casa de banho muito bonita, de um verde claro muito bonito. Eu brincava muito na rua. Perto da minha casa viviam duas gémeas que eram um ano mais velhas que eu e que tinham um irmão ainda mais velho. Eu adorava brincar com elas. Tinham um gato e vestiam o gato. Elas e o irmão brincavam muito com o gato mas, à distância, aquilo de que me lembro mais me parece que devia ser uma tortura para o pobre do gato. Andavam sempre com ele ao colo como se fosse uma boneca.

Eu era mesmo muito pequena, devia ter menos de quatro anos porque nem andava na escola infantil, ficava numa das minhas avós. A minha mãe, quando vinha das aulas, ia lá buscar-me e íamos as duas a pé até a um cruzamento onde o meu pai nos esperava de bicicleta, ia e vinha para a empresa de bicicleta. Caso a minha mãe achasse que o meu pai estava atrasado, fazia com o tacão do sapato uma cruz na areia do passeio e íamos andando. Por vezes, ele apanhava-nos. De longe já vinha a assobiar, jovial. Depois descia da bicicleta e vinha a andar ao nosso lado, levando a bicicleta de lado. Quando vejo as fotografias dos meus pais nessa altura, fico muito admirada. Têm um aspecto muito moderno. Jovens, bonitos, roupas actuais. Há uma fotografia que tenho na mesa de cabeceira em que estão ambos num estilo muito casual, de boné desportivo com uma pala comprida, grandes óculos escuros. Poderia ser uma fotografia de moda actual. 

Segue umas crianças,

acompanha, viva,
a sua alegria.


António Osório

Depois, os meus avós ofereceram um terreno aos filhos. Fizeram aí uma moradia. Os meus pais ainda aí vivem e foi aí que cresci e vivi até me casar. É uma casa com uma vista espectacular. De um lado a serra, do outro o mar. Depois, com a construção, o mar ficou escondido mas a serra ainda lá está à vista. Eu levantava-me e ia logo espreitar a serra.

Para o meu quarto dessa casa, a minha mãe mandou construir uma mobília a partir de uma revista. Era uma mobília baixa, de madeira clara, com espaço para escrever, com espaço para os livros, com muito espaço para os brinquedos.

Na parte da frente da casa há um jardim com rosas. Agora só tem rosas mas antes teve também cristas de galo, zínias, amores-perfeitos, brincos-de-princesa. O que eu adorava ver crescer as flores, ver as cores, a macieza das pétalas, o perfume.

Na parte de trás há o quintal com laranjeiras, videiras e um limoeiro. Agora tem relva a cobrir a terra e tem também flores mas, até certa altura, tinha uma horta. Tínhamos sempre tomates que cheiravam maravilhosamente. Eu gostava de os apanhar pois soltava-se um perfume irresistível quando se desprendiam do caule. Tínhamos também feijão verde, que o meu pai armava para treparem junto a umas canas que cruzava e enterrava na terra. E havia alfaces, cenouras, salsa, hortelã. Houve também uma altura em que lá tiveram uma pequena capoeira. Mas aquilo não era bem para eles. Ao princípio, o meu pai até engendrou um dispositivo para as galinhas terem sempre milho e água, especialmente quando íamos de férias. Mas era preciso andar sempre a limpar a capoeira e, sobretudo, depois, havia a cena de as matar e a coisa, ou pelo trabalho ou pela violência, não sei, acabou por não durar muito. A capoeira virou casinha de arrumação para as ferramentas e para as coisas do quintal (pás, ancinhos, mangueiras).

Sempre tive muitos amigos, rapazes e raparigas, e geralmente sempre me senti mais atraída por gente mal comportada. Brincava imenso com eles, na rua, por onde calhava. Um dos grandes amigos da altura já foi ministro e agora é deputado. Na altura já era bem comportado e, por isso, eu preferia o irmão que era mais maluco.

in GRANTA Nº3


Mais tarde mudámos o meu quarto, para uma mobília convencional. Nem sei porque foi. Ainda é a mobília que está no quarto. Agora dorme lá a minha mãe porque a cama do quarto dos meus pais foi substituída por uma cama articulada, daquelas eléctricas que sobem e descem, que se reclinam e que levantam ora a parte da cabeça ora a dos pés, ou ambas. Os miúdos acham um piadão à cama do meu pai.

Quando me casei, andávamos à procura de casa e não gostávamos de nada. Depois de viver numa casa com uma vista ampla, não conseguia ver-me enfiada numa casa sem graça, com vista para outras casas. Até que um dia nos falaram num apartamento num 15º andar, apenas quarto e sala, uma sala enorme, e cozinha e casa de banho. Para alugar. Fomos ver. Nem queria acreditar. Via a margem sul de ponta a ponta e o Tejo e Lisboa toda, uma vista assombrosa. Decidimos logo. 

Quer o quarto, quer a sala tinham janela envidraçada até abaixo com passagem para uma varanda. Eu levantava-me e ia logo ver o rio, ver o casario de Lisboa. Estivesse sol ou chuva, trovoada ou nevoeiro, a vista era sempre de cortar a respiração.

A minha filha ainda viveu lá até ao ano e meio.

Mas, com uma criança pequena, não apenas não havia quarto para ela como eu tinha pavor daquelas varandas. Um 15º andar é mesmo muito alto.

Tudo quanto está aqui, quer a
casa aí ao lado, quer esta parte
[a biblioteca], tudo isto está
construído com livros, não tem
tijolos, não tem nada disso

José Saramago, Blimunda

Por isso, mudámo-nos, desta vez para uma casa que comprámos, um andar espaçoso, cinco assoalhadas, boas varandas. A vista não era a mesma coisa, nem pensar, mas era ao lado de um jardim, numa zona central, perto de tudo. Algum tempo depois nasceu o meu filho e o colégio onde os pusemos também era quase ao lado.

Gostava da casa mas faltava-lhe a vista. Quando já não tínhamos onde pôr os livros, tivemos o pretexto para mudarmos de novo. Talvez há uns quinze anos descobri, por mero acaso, esta casa onde agora vivo. É um piso alto numa zona alta da cidade e é bem maior que a outra. A vista é outra vez espectacular, o rio a banhar-me as janelas. E há sítio para os milhares de livros.

Os meus filhos já cá não vivem mas os quartos deles estão como quando eles cá viviam. E fiz bem em manter os quartos pois não faltou muito até voltarem a ter ocupação e já não chegam. Quando se juntam cá a dormir, e não são todos ao mesmo tempo, já têm que se espalhar também pelos sofás-camas.

Gosto imenso desta minha casa. Está repleta de livros e de objectos de toda a espécie. O meu marido sempre teve o sonho de morar num loft, amplo e quase vazio. Não tem essa sorte porque eu ocupo todos os espaços. A casa é ampla e tento preservar espaço central livre mas, ainda assim, não há canto que não tenha uma coisa qualquer. Para os miúdos é o que a minha filha diz: um parque de diversões. E eu fico feliz. Esta é uma casa onde é bom estar e eu fico contente por sentir que a casa acolhe com hospitalidade e afecto os que aqui estão.

Como sou uma privilegiada, tenho uma segunda casa, uma casa no campo, in heaven. É também num sítio alto e tenho vista ampla e, de novo, tenho uma serra a zelar por mim. Temos esta casa no campo, a que eu pomposamente baptizei como quinta, há uns vinte anos e é para lá que fugimos sempre que podemos. Quando andávamos à procura, o meu marido tinha estabelecido uma regra: devia ser perto da primeira, no máximo a uma hora de distância. Em boa hora nos cingimos a essa regra. Num instante nos deslocamos entre uma e outra. 

Quando para lá fomos, os meus filhos eram miúdos, adoravam. Andavam de bicicleta, brincavam, levavam os amigos, brincavam com a nossa cadela querida. Depois, adolescentes, passaram a achar uma seca. Por fim, íamos apenas os dois e eles ficavam cá, na cidade. Eu tentava controlar a situação por telefone, ligavam do fixo quando chegavam a casa mas eu nunca estava descansada. Apanhei uns valentes sustos com o meu filho que se atrasava ou que se esquecia de ligar ou que estava em discotecas e não ouvia as minhas chamadas. Geralmente depois ficava furioso, 'bolas, mãe, doze chamadas!'. Muitas vezes, quando a minha filha já tinha ela saído de casa e ele ficava sozinho e não me ligava nem atendia o telefone, já eu estava a convencer o meu marido para, a meio da noite, ir ver se o descobríamos, quando ele ligava, cheio de sono. 

Agora voltaram a adorar estar na quinta, in heaven. E para os pimentinhas é um admirável mundo novo, caminhos, recantos, caruma, pinhas, bolotas, flores, figos, pedras, pássaros, tocas de coelho, espaço para jogarem à bola, abrigos feitos por todos, para a chuva ou para a sombra. 

E assim é o mundo que eu habito. Não sei se voltarei a mudar de casa. Não sinto necessidade disso e gosto muito delas mas sabe-se lá o que a vida nos reserva. 

Não guardo saudade das casas que deixei para trás. Não sou muito de guardar saudades. Gosto sempre mais do que estou a viver do que do que vivi. Aqui sinto-me bem, as minhas casas gostam de mim tal como eu gosto delas e acolhem com amor aqueles que eu amo - e isso é o mais importante.


O que por palavras nos está oculto
no silêncio crepita
na intimidade

José Tolentino Mendonça





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A primeira canção, Marambaia, é interpretada por Maria Bethânia e Omara Portuondo; a segunda, Luar do Sertão, é interpretada apenas por Maria Bethania.

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Relembro: se continuarem por aí abaixo, encontrarão mais umas quantas coisas de que talvez gostem.  Passa das duas da manhã, mal me tenho de olhos abertos pelo que não vou rever. Deve estar uma coisa jeitosa, tudo com letras a mais ou a menos e a pontuação uma desgraça. Relevem, está bem?

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo fim de semana!


sexta-feira, maio 30, 2014

Quero dormir na água das palavras que amam o silêncio, quero ser a concha do ingénuo sossego de uma flora branca, quero ser o ouvido de veludo de um insecto azul





Quero dormir na água das palavras
que amam o silêncio
e a lentidão da luz
que é o fulgor de uma evidência indecifrável

Quero ser a concha do ingénuo sossego
de uma flora branca
com o monótono murmúrio
de uma respiração solar

Quero ser o ouvido de veludo
de um insecto azul
e quero beber a linfa do olvido
numa boca de argila
para sentir a monotonia ardente
da garganta da terra






Insiro o rosto
entre os ramos de um arbusto
e bebo a delicada fábula
dos fulgores solares

Consumi toda a fragilidade verde

Dormi como uma folha
de braços abertos
e passo a passo
subi ao cimo do dia





Repito:
 palavras
que amam o silêncio
e a lentidão da luz

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Os poemas são de António Ramos Rosa e constam de Numa folha, leve e livre

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> A fotografia e o último filme pertence à campanha Secret Gardens da Dior
Secret Garden foi rodado no Château de Versailles, e é um filme de Inez and Vinoodh. 

> O primeiro vídeo é The Dior Gardens - Rose de Granville
A pioneer in ethnobotany for over 20 years, Dior identifies in nature the rarest and most powerful flowers and cultivates them in soils most favorable to their growth. This has resulted in dedicated Gardens around the world. The Loire Valley Garden in France is dedicated to Rose de Granville, the prodigious flower of Dior Prestige range. This garden perfectly embodies the Dior Gardens' philosophy: ultimate performance, complete traceability and absolute respect.

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Se depois destas palavras e destas imagens quiserem estragar o ambiente - coisa que desaconselho - ou, mais concretamente, se quiserem ler a minha reacção ao recorrente assunto de mais um chumbo do Tribunal Constitucional (tantas vezes o cartão vermelho já foi levantado que não sei qual a regra mas, se fosse como no futebol, aqueles fora-de-lei já estavam no olho da rua), desçam, por favor até ao post já a seguir.

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Tribunal Constitucional chumba 3 das 4 normas que estavam em apreço. Ordenados da Função Pública vão ser repostos a partir de agora. E mais... Face a isto, o que vai fazer o fora-de-lei Passos Coelho? Voltar a roubar ainda mais os contribuintes?... Ou demitir-se? E Cavaco? Perante isto, não vai acordar?




Ouvi a notícia na rádio e vim aqui fazer estas perguntas. 

Será que Passos Coelho - cuja governação até aqui se limitou a abrir as portas aos mercados, isto é, aos grupos financeiros e a quem os representa (ia a dizer que ele tinha aberto as pernas mas era capaz de soar deselegante), e a roubar os contribuintes, os reformados, os desempregados e doentes - vai compensar estes novos chumbos do Constitucional com novos assaltos? Será que desta vez, para o conseguir, o vai fazer à mão armada? Não me espantaria.



Um governo que já provou não sei quantas vezes que não tem competência para reformar o Estado nem para governar dentro da lei, ainda está cá a fazer o quê?

E, se ele se pregou ao governo como uma lapa e não desgruda nem por mais uma, mesmo percebendo que a sua incompetência não lhe dá margem para fazer coisa alguma, não seria altura de Cavaco lhe dar um chega para lá?

Pergunto.

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E agora vou tratar do jantar e de mais uns afazeres e lá mais para a noite sou capaz de cá voltar. Só espero é que, neste entretanto não ponham o microfone ao pé da boca do Láparo, senão lá ia eu perder o seu ranger de dentes. Melhor: capaz de desta vez morder o microfone. Quiçá até o jornalista.

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Sermão sobre a queda de Roma - dedicado a António José Seguro, Passos Coelho, Paulo Portas e todos os que acreditam que construíram edifícios eternos e que, com eles, querem eternizar-se.


Depois de, no post abaixo, ter deixado levar-me para caminhos onde apenas têm lugar o silêncio, a beleza, o voo livre, as palavras, a nudez dos corpos indomáveis e as almas sem dono, aqui agora, a conversa é outra. Ou talvez não.


Entremos na casa vazia





Escutai, vós que me sois queridos,

Roma foi tomada, e os vossos corações escandalizaram-se. 

Acreditavas que Roma não cairia. Não foi Roma construída por homens como tu? Desde quando julgas que os homens têm o poder de construir coisas eternas? O homem constrói sobre areia. Se quiseres segurar na mão o que ele construíu só seguras o vento. As tuas mãos estão vazias e o teu coração aflito. E se amas o mundo, perecerás com ele.





Ouve soluços abafados. Bem perto de si, encostada à balaustrada, uma jovem mulher ergue para ele os seus olhos velados de lágrimas. Começa por lhe l«lançar um olhar severo de pai zangado mas vê que ela lhe sorri estranhamente através das lágrimas e, precisamente antes de retomar a palavra, dirige-lhe um sinal de bênção e, é nesse sorriso que, vinte anos mais tarde, torna a pensar, estendido no chão de abside, enquanto uns clérigos de joelhos oram pela salvação da sua alma, da qual ninguém duvida.





Vós que me sois queridos,

Não vos perturbeis também com os ataques dos pagãos. Tantas cidades caíram que não eram cristãs, e os seus ídolos não puderam protegê-las. Mas, tu, é um ídolo de pedra que adoras? 



Roma caíu. Foi tomada, mas a terra e os céus nem por isso sofreram abalo. Olhai à vossa volta, vós que me sois queridos. Roma caíu, mas não é verdade que é como se nada se tivesse passado? O curso dos astros não está perturbado, a noite segue-se ao dia que se segue à noite, a cada instante o presente surge do nada e regressa ao nada, vós estais aí, diante de mim, e o mundo continua a caminhar para o seu fim mas não o atingiu ainda, e não sabemos quando o atingirá, porque Deus não nos revela tudo.

Os mundos passam, na verdade, um após outro, das trevas para as trevas, e a sua sucessão talvez não signifique nada.





Essa hipótese intolerável queima a alma de Agostinho, que solta um suspiro, jazendo no meio dos seus irmãos, e se esforça por se voltar para o Senhor, mas apenas revê o estranho sorriso húmido de lágrimas que em tempos lhe foi oferecido pela candura de uma jovem mulher desconhecida, para testemunhar diante dele o fim, e ao mesmo tempo as origens, porque se trata de um único e mesmo testemunho.







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"Talvez Roma não tenha perecido já que os Romanos não perecem"


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  • O texto é um conjunto de pequenos excertos do livro O Sermão sobre a Queda de Roma da autoria de Jérôme Ferrari numa tradução de Pedro Tamen.
  • A música é Empty House por Priscilla Ahn
  • As fotografias mostram Gisele Bündchen
  • As ruínas mostram Ayleid
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Relembro: desçam que o que se segue é bom e é para todos os gostos. Beleza sem a força da gravidade.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa sexta feira.

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Toda a nudez será perdoada. Natural é um estilo, dia e noite. E, depois, a terra esquecida. E, ainda, uma conversa de fim de tarde. Fotografia, moda, dança, poesia. Vogue, Chanel, Jiří Kylián, Matilde Campilho.


Intervalo. 

Agora não há política, partidos, chatos, piegas, empatas, palermas. Intervalo mesmo. Espaço para o nada. Vazio. Silêncio. Higiene.

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Agora há o prazer de nada temer, de nada querer. Apenas ser. Ser mulher. O prazer da pele. Da sedução. O prazer dos lençóis brancos, macios e frescos, o prazer de olhar a lente, de expor a nudez, de desafiar o pudor dos outros. Ocultar para logo desvendar. Por nada. Apenas pelo prazer de o fazer.


Gisele Bündchen nua fotografada por Inez van Lamsweerde & Vinoodh Matadin para a Vogue Paris





E o prazer de caminhar, de sentir o cabelo a roçar as costas, de vestir roupas confortáveis, soltas, simples, elegantes, o prazer de sentir a pele a absorver o ar do tempo, o ar que se detém para que o possamos desfrutar, com vagar.

As cores naturais, o beige que é a cor da nudez e o branco que é a cor da inocência, no conjunto a suave beleza da leveza.


LES BEIGES: Natural is a style, day and night - CHANEL






E depois há a terra perdida, esquecida. O abandono do corpo. Mas não, não é abandono. Parece mas não é. É o corpo desprendido de si próprio, o corpo em voo, livre, sonhador. A fluidez dos corpos sob um céu nu. Os corpos em liberdade que se reconhecem.

Inspired by a painting by Norwegian expressionist painter Edvard Munch and English composer Benjamin Britten's Sinfonia da Requiem with its images of the sea engulfing the land, Jiří Kylián's Forgotten Land suggests the rising waves of a grey sea, the ebb and flow of life, and themes of metamorphosis central to human existence.


Jiří Kylián's Forgotten Land




Melody Herrera e Ian Casady do Houston Ballet



Sabe bem lavar a alma, levando as ideias para bem longe do espaço confuso e erodido em que as vozes se sobrepõem.

Não estou a ser selectiva e não estou apenas a referir-me ao Seguro e à sua corte de federações de brincadeirinha. Ou ao Láparo, esse zelig de plástico. Ou ao vice-irrevogável que ninguém leva a sério. Ou às aselhices nacionais, em geral. Nem estou a pensar no Rajoy ou no Hollande ou outros igualmente de plástico. Não. Refiro-me a tudo que parece que existe apenas para poluir o nosso espaço vital. 
Hoje, perdida de sono, e a ter que me levantar daqui a pouco para mais um dia preenchido, não estou com cabeça para grandes lucubrações. Por isso, hoje é de coisas leves que aqui se trata. E só não falo de souflés vaporosos, doces de maçã dourados com mel e outras coisas doces, macias e boas, e de manteiga suave, azeite, geleia, porque isso já me requereria maior concentração.

E há, ainda, os encontros ao fim da tarde.

Um abraço longo, uma aragem no cabelo, a saia que se levanta, os cabelos que esvoaçam. E as palavras e tanto silêncio. E beijos. A mulher sorri, deita a cabeça de lado, pede um daqueles beijos longos e bons. Língua, claro, e olhos fechados, e a mão descarada a descer-lhe as costas.

Mas não apenas isso: as saudades, o mar. Os afectos doces, nus, leves, livres. E que interessa se forem proibidos? Ou que durem uma vida?

Palavras ao fim da tarde.


Conversa de fim de tarde depois de três anos de exílio



Poema de Matilde Campilho, música de Bianca Zampier


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Liberdade, a suprema dádiva.

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quinta-feira, maio 29, 2014

António Costa, um político que não teme derrotas, em ALTA DEFINIÇÃO


No post abaixo alonguei-me, uma vez mais. Parti da Ana Gomes e do João Galamba, segui para o Vieira da Silva e para o Mário Soares e acabei no Luís Filipe Menezes, esse chorãozito que o PSD atira para a rua quando dá jeito que os cães se façam ouvir. Mas os cães ladram e a carruagem passa - sempre assim foi. 

Pelo meio passei pelo António José Seguro, não como se passasse por cima de toda a folha mas porque esteve presente em toda a minha conversa. Os tempos não estão fáceis para ele, quase imagino a sua angústia. Mas há momentos em que mais altos valores se levantam, por muito que doam.

Mas isso é no post a seguir.



Estou cansada, o dia hoje foi longo e cansativo e já tenho para cima de seiscentos quilómetros em cima e isto com um ombro magoado. Por isso, tendo aqui ao meu lado o livro que ontem acabei de ler e do qual queria transcrever excertos, não vou fazê-lo, de novo. Vou já ficar-me por aqui, deixando-vos com um vídeo que nos ajuda a conhecer melhor o homem de quem se fala: António Costa



Provavelmente muitos de vós já o viram nesta entrevista no programa Alta Definição (Programa nº 45, 2013). 

Eu não tinha visto e acho que dá bem a ideia de como ele é: pessoa com sentido de humor, gosta de cozinhar, simpático, humano, desprendido, que se irrita com a estupidez, empático, normal.

A meia hora que dura o vídeo passa num instante pois a conversa flui com leveza, ambos são afáveis, alegres. E, vitória!, António Costa não chorou às mãos do castigador Daniel Oliveira.




ALTA DEFINIÇÃO com António Costa




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Por agora, eu fico-me por aqui mas permitam que vos recomende que desçam até ao post seguinte que verão que vale a pena: a música é uma maravilha e as imagens uma graça (... quanto às minhas palavras, são o que são, talvez nem uma maravilha nem uma graça; mas, enfim, faz-se o que se pode)

Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quinta feira.

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Ana Gomes é uma das muitas pessoas que defende que Seguro convoque um Congresso Extraordinário. Tomara que ele, não apenas registe o que ouve, como aja em conformidade. Quanto mais tempo prolongar isto, mais a imagem do PS se degrada, mais os socialistas se desunirão (quando deveriam estar unidos e coesos). A bem do País, Seguro deve ser rápido e submeter-se ao voto dentro do Partido (por muito que lhe doa, por muito duro que isto seja para ele, por muito ingrato e injusto que isto lhe pareça)


Um River of Sorrow, para nos acompanhar





Chegada de um dia de trabalho longe da capital, longe da realidade política e mediática, com dores no ombro e cansada, ligo a televisão, a SIC N, e vejo Ana Gomes de um lado, esgrimindo argumentos contra João Galamba, que se apresenta como estando do lado oposto. Tanto eles falam que a Ana Lourenço nem precisa de atirar achas para a fogueira.


Que a Ana Gomes critique a entrada em cena de António Costa eu percebo. Se ela foi escolhida por Seguro para a lista do PS para o Parlamento Europeu, não ia agora bandear-se para o lado de quem desafia o dito Tozé.


Da mesma forma que também percebo que Alberto Martins critique a entrada em cena de António Costa. Se é o líder da bancada parlamentar, não ia bandear-se para o lado de quem desafia quem acabou de o nomear para aquele lugar.

Há coisas que se percebem.

Mas registo que Ana Gomes, embora claramente a contragosto, diga que acha que, perante o avanço de António Costa, então, pois que remédio, deve mesmo ser convocado o Congresso. Claro. É inteligente. Fala por uma dúzia de peixeiras mas, vá lá, é inteligente.

António José Seguro é o homem do aparelho, o que fez toda uma carreira partidária, a pulso, decorando os nomes dos que manobram os cordelinhos por esse país fora, sendo simpático, apertando mãos, distribuindo os seus sorrisinhos. Depois de tanta braçada nem deve conseguir conceber que agora o queiram ver morrer na praia. 

O lado humano desta crise no PS não pode deixar de me tocar. Anos e anos de esforço, anos e anos de trabalho de sapa, agora uma campanha eleitoral em que se envolveu até à rouquidão, percorrendo estradas, locais, distribuindo beijinhos, vendo que, pela segunda vez, ganha as eleições, vendo que está quase lá... e, eis que o seu concorrente de sempre, o líder do coração dos socialistas, em vez de o vir aplaudir, aparece a desafiá-lo em público... deve ser emocionalmente desgastante.

Quando ele gostaria de ver o partido inteiro a testemunhar gratidão, vê o partido partir-se ao meio, contestando a sua presença. Deve sentir-se injustiçado. Percebo-o. Sinto até alguma pena por ele e estou a ser sincera.
Mas a vida na política é isto mesmo. Há momentos em que as pessoas toleram outras porque sim, porque depois de um líder forte (como foi Sócrates) é normal que as pessoas precisem de alguma descompressão, que depois de um animal feroz prefiram um bichinho de peluche, um fofinho. Mas isso dura o tempo estritamente necessário. Um peluche não vai à luta, não ganha guerras. Pode vencer uma ou outra batalha mas não vence guerras.

E quem é que quer fazer parte de um exército em que o líder notoriamente não é capaz de ganhar uma guerra...? 

Mas que ninguém pense que o ponho no mesmo cesto que os da actual coligação. Nem pensar. Francamente acho que o Tozé até deve ser boa pessoa. Entre António José Seguro e Passos Coelho há uma diferença abissal. O primeiro tem mostrado ser uma pessoa séria. O segundo não. E isso faz muita diferença.

Mas, sejamos muito francos: António José Seguro é naturalmente um líder fraco. Ora um líder fraco é uma contradição de termos: se é líder não pode ser fraco; se é fraco não pode ser líder. 

Por exemplo, quando Seguro, para se armar em galaroz, anuncia que o PS vai votar favoravelmente a moção de censura do PCP, revela uma fragilidade ou inexperiência ou falta de inteligência que assusta. Com medo de ser atacado pelos comunistas, foi-se-lhes colar. Agora, ou aprova uma censura que arrasa o PS ou desdiz-se. Em qualquer dos casos, fica mal na fotografia, ridículo mesmo.

Foi como quando traçou como fasquia para o desempenho do governo uma saída limpa. Só um pateta poderia meter-se num beco destes. Passos Coelho que, como é sabido, não se ensaia nada de dar cabo do país, avançou sem programa cautelar (a conjuntura internacional estava-lhe favorável e a Europa está deserta por se ver livre destes malfadados programas de apoio que só a metem em sarilhos, tanta a incompetência geral de quem os aplica). Face a isso, o que poderia Seguro fazer? Nada. Meteu a viola no saco.
E isto tem sido uma constante. Mete-se em becos sem saída, ou hesita na resposta, ou enrola, ou diz que vai dizer, ou diz que já disse, ou arma-se em valentão sem ter cara para isso. Ou seja: um desastre.

Ou seja, voltando à vaca fria: entre Passos Coelho e Seguro, escolho o Seguro. Mas escolho o Seguro, contrariada porque não acredito na capacidade de Seguro conduzir os destinos do meu País.

Face ao resultado das eleições, em que o PSD e o CDS levaram um tareão sem paralelo e o PS não conseguiu atrair os descontentes, só há 1 (uma!) coisa a fazer: Seguro pôr o lugar à disposição.


Agarrar-se ao lugar, contabilizar vitórias (mesmo que tangenciais, mesmo que miseráveis) revela pequenez de princípios e, sobretudo, falta de amor ao País. 

Se ele acha que é o melhor líder para o PS depois destes resultados, então que ouça a confirmação por parte dos militantes socialistas.

Arrastar isto vai provocar cisões, vai fazer com que o País assista a divisões na praça pública, vai enfraquecer a oposição a este inescrupuloso governo, vai reforçar a imagem de que a esquerda é dada a tricas, vai reforçar a empáfia das gentes do PSD e até do inexistente CDS.

Seguro deveria querer sair em beleza, mostrar-se um líder sem medo, não se agarrar a subterfúgios. Devia comunicar ao País: Os resultados não foram tão bons quanto se desejaria e, uma vez que há mais quem queira provar o que vale, então aqui estou eu para ir a votos. Vou convocar o Congresso Extraordinário quem quiser que se chegue à frente e vamos medir forças.



Os nomes mais sonantes e respeitados no PS nitidamente preferem António Costa. 

Neste momento estou a ver Vieira da Silva com Judite de Sousa na TVI 24 a explicar por a mais b, que não há dúvida que António Costa tem muito mais perfil que Seguro - pelas provas dadas, pela capacidade de formar equipas com pessoas de outros quadrantes políticos, pela visão, pela determinação. E se ele está com vontade de trabalhar pelo País num momento como aquele que atravessamos, com Portugal a ser aniquilado, destratado, roubado, então há que deixar o Partido pronunciar-se.



E depois há Mário Soares (por acaso ainda este domingo o vi). O velho leão, o animal político por excelência, o que sabe ler nas partículas elementares o pulsar do País, o que é intuitivo, frontal, enérgico, há muito que sentiu que a margem de manobra de Seguro é ínfima, que não seria com ele que a direita ignorante, incompetente e imoral seria derrotada.


Dizem os mentideros que foi ele que pressionou António Costa para que avançasse, que lhe mostrou que teria a confiança dos verdadeiros e nobres socialistas, que não temesse os pequenos entraves do aparelho.

E ele lá sabe. 

Tomara que Seguro saiba desprender-se da sua ambição pessoal - na prática, que saiba desprender-se da sua natureza humana. É duro mas é o que deve fazer para não sofrer ainda mais. E, sobretudo, para permitir que o País sofra menos no futuro.

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PS: Acabo de ouvir Luís Filipe Menezes a atacar António Costa com todas as munições que arranjou: que António Costa gere uma Câmara com muita gente, que gere uma Câmara com uma dívida brutal, etc, etc, como se tudo isso pudesse ser assacado a António Costa e descontextualizando as coisas. Demagogia barata é isto. 


Não tenho para mim que António Costa seja um santo, um nobel das finanças, um D. Sebastião. Se fosse algumas destas coisas, não estaria aqui metido em trabalhos. Nem conheço as contas da Câmara de Lisboa. Sei apenas o que é público: que é inteligente, competente, sério, determinado, lutador. Agora uma coisa é certa: assusta os do actual PSD e CDS. O nervosismo demonstrado pelo Menezes (que foi presidente de uma Câmara endividada até à raiz dos cabelos e que levou uma corrida em osso nas últimas autárquicas) revela bem os amargos de boca que se avizinharão caso António Costa vá para a frente do PS.

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  • A música é River of Sorrow numa interpretação de Antony & The Johnsons
  • As imagens provêm do blogue We Have Kaos in the Garden com excepção da selfie da lista do PS que, cá para mim, foi uma brincadeira sugerida pelo Kaos e que eles levaram a sério.
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PS: Já me fartei de rir com um comentário da Leitora Lídia. Grande mulher! Não deixem de lê-lo aqui e, se houver, de entre os meus Leitores, alguém que esteja à altura do desafio, pode aqui apresentar a sua candidatura.

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quarta-feira, maio 28, 2014

António Costa avança para a liderança do PS...? Será...? Será desta? Não recolherá as unhas perante os apelos das beatas do Partido? Não se acobardará perante as concelhias e distritais dominadas pelo Totó Zero? Será desta...?


Abaixo deste post, já fiz a minha boa acção do dia. Uma Milonga para Lídia, dedicada pelo Leitor P. Rufino. E, caso queiram começar a praticar, a Lovely Lídia dá as coordenadas: Chapitô às quintas à noite.

Um pouco mais abaixo ainda, poderão ouvir um telefonema entre o Nilton e uma Funcionária das Finanças. Esclarecedor.

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.


Não me vou entusiasmar antes de tempo. Não quero correr o risco de achar que o PS vai voltar aos seus tempos de luta vibrante e de defesa aguerrida de ideais republicanos, que vai avançar de peito feito contra os traidores que tentam destruir o país, com as tropas socialistas comandadas por um homem lúcido, inteligente, rápido no gatilho como é António Costa, para depois, à última hora, ele bater em retirada, saindo pela porta dos fundos como o fez antes.

Não gostei de o ver, como o vi há tempos atrás, a dar passos em falso, acabando nos braços do Totó Zero, pouco faltando para selarem o amor com beijo na boca. Sei que foi o aparelho que lhe barrou o caminho, sei disso. Mas, ainda assim, um lutador não afrouxa e sai de fininho como me parece que aconteceu com ele.

Por isso, agora vou esperar. Não quero deitar foguetes antes de o ver, de facto, seguir em frente. Sei lá se no sábado ou num qualquer outro dia não vai acabar outra vez a levar enternecidos xi-corações do outro.

No entanto, não posso deixar de dizer que acho que, perante a situação pastosa em que o País se encontra do ponto de vista eleitoral, com o povo desligado do actual quadro partidário, e perante a dispersão de votos ao centro e à esquerda, o António Costa é, de entre os nomes que conheço, um dos que melhor poderá afirmar-se - empático, agindo de pé, de cabeça erguida, com ideias claras, com um espírito fino - como um futuro primeiro-ministro mobilizador. E vejo-o não apenas a ser um bom primeiro-ministro, um homem experiente, inteligente e honrado, que governará para os portugueses e não para os mercados, como a ter uma presença forte nas instâncias internacionais, bem ao contrário dos actuais sabujos que se vergam perante qualquer poder, por mais fátuo que seja.

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Para António José Seguro: Il faut savoir




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Daqui, deste meu pequeno e insignificante púlpito, manifesto o meu apoio a António Costa mas, claro, a minha voz vale coisa nenhuma. No entanto, seria bom que os conselheiros do Seguro lhe fizessem chegar o sentimento de desconforto dos tradicionais eleitores do PS. Portugal precisa que à frente do seu governo esteja gente honrada e valente, gente inteligente e lutadora - e, como se vê através dos resultados das eleições, o Seguro não mobiliza, não convence. 


O Seguro é o seguro de vida para o Passos Coelho e para o Vice-Portas. 


Com o Seguro no PS, basta que os trafulhas da actual coligação acenem com um futuro abaixamento de impostos (mesmo que saibam que não o vão cumprir) para que os 120.000 votos que o PS teve agora a mais se bandeiem para os lados do PSD (refiro apenas o PSD porque o CDS já não existe, vai colocar menos deputados no Parlamento Europeu do que o MPT que lá vai pôr 2).



Há muitos anos, tantos, e acho que já aqui falei disso, um amigo meu, grande amigo da família Soares por via do pai (jurista entretanto falecido) e, daí, conhecedor dos meandros socialistas, dizia-me que havia no PS um tipo muito bom, de uma inteligência fulgurante, e que um dia haveria de ser o nº 1 do PS e primeiro-ministro, um tal António Costa. Depois tive o privilégio de trabalhar com um outro velho socialista, pessoa carismática, amigo de Soares, que também me dizia que havia lá um tipo de quem se haveria de falar, um António Costa, um tipo muito bom.

Portanto, quando o comecei a ver na esfera pública, as minhas expectativas já estavam altas mas, ainda assim, não me desiludiu. Entre um António Costa e um Totó Seguro,  não há comparação possível. O Totó é um Hollande - um Hollande sem a pedalada sexual do Hollande (ou então é mais discreto), coisa que, de resto, para este efeito também não faz falta nenhuma - um fracote, um titubeante, um zero, uma concierge permissiva que facilita a vida ao governo e que abre a porta à abstenção e ao populismo.


Numa Europa dominada pela Alemanha (face à ausência de outros líderes) e agora polvilhada de extremas-direitas, extremas-esquerdas, populistas, nazis e um centrão envelhecido, só um líder forte pode elevar a sua voz na defesa de um país pequeno e frágil e, entre o Tozé e o António Costa, acho que ninguém tem dúvidas. E falo assim, porque, no meu optimismo, estou a dar de barato que, nas próximas legislativas, as pessoas sairão da sua abulia e darão um valente chega para lá no sinistro Passos Coelho (coisa que, com o Tozé à frente do PS, como se sabe, não é líquida).

Mário Soares, Augusto Santos Silva, Isabel Moreira, João Galamba, Carlos César, Manuel Alegre apoiam o avanço de António Costa. E, estou certa, aos poucos, muitos outros se seguirão.


Só espero que o Totó não tente aguentar-se através da Secretaria. E só espero que aqueles que, da província, já começaram a mostrar os dentes, tentando defender o grande-chefe Seguro, com medo de sairem do ranço dos seus pequenos lugares,  não arranjem maneira de bloquear a candidatura de António Costa.

O sistema político português - talvez porque os portugueses são boa gente, confiam, delegam, deixam-se ir em cantigas - acabou nas mãos de gente medíocre, sem cabeça, sem alma, de carácter maleável. Está na altura de acordar, de voltar a ter gente de fibra e com cabeça à frente dos destinos do País.

A Europa estrebucha, perplexa. A França está nas mãos de uma direita xenófoba, o Reino Unido nas mãos de populistas eurocépticos, a Dinamarca nas mãos de um partido anti-imigração, a Grécia com um partido nazi em terceiro lugar, a Áustria também com a extrema direita em terceiro lugar. De repente (de repente ou talvez não), a Europa transformou-se numa uma inesperada manta de retalhos, numa manta de forças contrárias, numa soma nula.


A Europa, que era o ideal da igualdade, da liberdade, da fraternidade, do conhecimento, do estado social, da luz, é agora um edifício ingovernável, com lideranças fracas que não dão conta de 28 estados membros desiguais, agregados às três pancadas.

As altas instâncias europeias, face à falta de liderança e carisma, tentam compensar a falta de estratégia com burocracia. Uma teia inerte, sem rosto, abate-se sobre os cidadãos, longe deles. Os povos em estertor, sob a pata feroz da austeridade e os burocratas na maior indiferença, em reuniões e mais reuniões, discutindo medidas absurdas, incapazes de compreender os anseios dos povos.

Face a isto, os tempos devem ser para que se pense com desprendimento, com elevação. Raciocínios pequeninos como lealdades a líderes efémeros, conversa de estatutos ou de não discutir lideranças depois de vitórias eleitorais (mesmo quando são vitórias tangenciais), etc, parece-me de uma mesquinhez descabida.


Por isso, espero bem que alguém explique ao Tozé que ele trabalha para ser primeiro-ministro desde que é pequenino e que se tem esfalfado para isso e que, de cada vez que se vez ao espelho, acha que está quase lá, mas que tem que ter paciência porque isso nunca vai acontecer e, por isso, que faça o favor de se levantar da mesa e abandonar a sala.

E que o faça conservando a dignidade, salvando a face, que o faça como um gesto de grandeza.

Il faut savoir
Coûte que coûte, 
Garder sa dignité
Et malgré
ce qu'il coûte,
S'en aller sans se retourner
Face au destin
Qui nous désarme

Il faut savoir
Quitter la table
Il faut savoir
Garder la face

Nem mais. 

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A canção é Il Faut Savoir na voz de Charles Aznavour

Desconheço a proveniência original de todas as imagens excepto a que, como é bom de ver, provém do blogue We have Kaos in the Garden

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Acabei há bocado de ler o livro que tinha em mãos e tinha resolvido transcrever alguns muito apropriados excertos, pareciam-me mesmo vir a calhar e até já tinha escolhido uma música para acompanhar. Mas a verdade é que não estou boa do ombro, estou medicada mas, apesar dos anti-inflamatórios e analgésicos, custa-me escrever. Por isso e porque já é quase 1h30 e porque amanhã o dia é longo - centenas quilómetros de autoestrada (não vou a conduzir, claro, pois até para meter a marcha atrás me vejo aflita), reuniões de horas e horas - vou já recolher-me aos meus aposentos.

Por esse motivo, também não vou responder a comentários ou mails. As minhas desculpas. Mas saibam que os leio e vos agradeço. Aliás, acho que vocês sabem disso.


Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo dia.


Uma Milonga para a Lovely Lídia do Leitor P. Rufino. Tango no Chapitô, sugere de volta a Lovely Lídia. E, como se estivesse numa milonga, vou caminhando na noite.


Do Leitor P. Rufino a quem a Leitora Lídia tem repetidamente desafiado para tangos e toda a espécie de danças, recebi uma mensagem, dizendo-me que o vídeo que me enviava era dedicado, com estima, a essa arrebatada desafiadora. 

Aqui vai, portanto, para a Lídia.



Miguel Zotto e Daiana Guspero numa milonga (Tango Magia 2012 em Amsterdam)

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Pois, não é que vou agora ver a caixa de correio e vejo que tenho lá um mail da ex-temível Lovely Lídia, em que, talvez por transmissão de pensamentos, ela me envia o seguinte...?


29 de Maio 2014 

das 22:00h as 02:00h


Milonga no Bartô do Chapitô



"A "Milonga no Chapitô", organizada pela escola de tango argentino Pasiontango, é um evento mensal que acontece todas as últimas quintas-feiras do mês.






O Chapitô um local fabuloso, situado em Alfama, perto das muralhas do Castelo de São Jorge, com uma vista magnífica sobre Lisboa e o rio Tejo.

Não se deixe pisar por outros ritmos.

Suba a Costa do Castelo e, pelas mãos de Adam Vucetic, viaje até Argentina.

Entrada: livre e gratuita!


Local:
Bartô do Chapitô
Costa do Castelo, n.º 1 / 7
Lisboa - Portugal



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Se descerem até ao post seguinte, encontrarão um elucidativo telefonema. Se em vez de um carro Audi, quiserem uma carrinha, saibam se é possível.

E se em vez de um Audi como os que sorteiam, eu quiser outro? O que devo fazer? A Senhora das Finanças explica ao Nilton


Enviado por um Leitor a quem muito agradeço, aqui partilho convosco um telefonema muito esclarecedor relativo à Factura da Sorte e ao sorteio semanal de um Audi.

Uma medalha para a senhora, que, coitada, não tem culpa nenhuma e se sai muito bem, com uma paciência de santa.


RFM - Nilton - Não quero um carro! Quero uma carrinha!




Telefonemas no Café da Manhã com Nilton, André Henriques, Joana Cruz e Mariana Alvim.
Na RFM .


terça-feira, maio 27, 2014

Eleições Europeias 2014: o day after. O que fazer quando tudo arde? Percorrer as noites com longas facas? Contar cartuchos? ...Ou reflectir seriamente...? A Europa treme nestes dias que se seguem ao 25 de Maio de 2014, os partidos agitam-se, desenham-se perplexidades - mas tomara que não fique tudo na mesma




Disseram-me que ninguém analisa os números como eu ontem os apresentei, que as percentagens são sempre calculadas na base dos que votam e não na base do total dos eleitores. Até posso concordar quando a abstenção não grita mais alto. Contudo, desta vez, os valores da abstenção, brancos e nulos, depois de 3 anos de violência, significam mais do que as percentagens ridículas que os partidos obtiveram.

Depois das violações descaradas e dos atentados a tudo e mais alguma coisa a que os partidos da coligação que suporta o governo têm vindo a sujeitar a população, o que seria normal seria que toda a gente se pusesse a caminho e votasse vigorosamente contra eles. O que seria normal seria que o PS, o PCP (e até o BE) tivessem uma votação esmagadora, inequívoca, arrasadora.

Mas não. As pessoas não votaram. Ou, os poucos que se deram ao trabalho de votar, entregaram votos riscados, ou dispersaram os votos. Ou entregaram o voto a um partido cujo programa se desconhece e fizeram-no apenas porque, por algum motivo, acreditaram que esse homem os defenderá. Um cheque em branco.



Desculpem a falta de qualidade gráfica mas não consegui exportar este gráfico que fiz com dados reais da votação das europeias/2014 pelo que fotografei o ecrã e inseri a fotografia (será nabice minha ou não dá mesmo para fazer de outra forma?).

Mas acho que dá para perceber a fraca minoria que apoia este governo assim como a fraca minoria que prefere o PS (o PS é a fatia com o azul mais escuro, que é ligeiramente maior do que a que está ao lado e que é do PSD + CDS) ou as ainda minorias mais insignificantes que preferem o PCP ou a CDU ou o BE



Eu, como provavelmente cada um de vós, sabe de muitos casos de pessoas que estão furiosas com o que se está a passar mas que estão, sobretudo, descrentes face à idoneidade de todos os agentes políticos, os do governo e os outros. 

Poderia falar de vários colegas meus (ex-devotos do PSD ou CDS) que me disseram que se recusavam a votar já que naqueles anormais (sic) do PSD ou do CDS estava fora de questão e no Totó do Seguro só se estivessem parvos. Como são meninos que desconhecem o que é o PCP ou o BE, está bom de ver que se abstiveram. Mais: dizem que isto já só lá vai se esta porcaria rebentar de vez (sic e seja lá o que isso quiser dizer), que então talvez 'eles' aprendam. 


A minha filha, que costuma votar e que é pessoa de mente aberta, não foi votar e disse que pode ser que, se a abstenção chegar aos 90%, 'eles' acordem e vejam que política não é nada disto.

A minha mãe acabou por votar depois de uma feroz campanha anti-abstenção da minha parte. Sempre votou mas desta vez está tão revoltada, acha tudo tão inconcebível que lhe parecia que não votar seria a maior ofensa que 'lhes' podia fazer. Eu disse que não, que era para o lado em que 'eles' dormiriam melhor, que então votasse noutro qualquer. O outro qualquer em que naturalmente votaria seria o do PS mas a resposta fou sempre categórica: Mas aquilo é lá capaz de decidir alguma coisa? É igual ou pior que o outro. Gente sem credenciais. Nem pensar. Referia-se ao Seguro, claro. No sábado, disse-lhe, Não se abstenha, não faz sentido. Se não quer votar no PS, vote no Bloco de Esquerda, no PCP, no do Marinho, qualquer coisa. Respondeu-me com uma pergunta: Qual é o partido do Marinho? Disse-lhe que era o MPT e nem lhe perguntei porque queria saber. No domingo à hora de almoço disse-me que já tinha ido votar. 

O meu filho, rapaz informado, politizado, no domingo à noite, enquanto o Seguro fazia a festa, atirava os foguetes e apanhava as canas, enviou-me um sms de que transcrevo a primeira parte (a segunda é pior, nem transcrevo): Estás a ver o Seguro?? Faz-me o favor de não comemorar no teu blog a vitória de um partido que tem este gajo à frente, a celebrar com uma música tipo filme manhoso dos anos 90.

Nem reparei na música, para dizer a verdade. Reparei, sim, que tudo aquilo me parecia um filme falhado. Aliás, toda a noite eleitoral me pareceu um filme falhado. Tudo ao lado, tudo gente fora de prazo, atitudes fora de prazo.


Os partidos implodem, o regime implode, cá e em todo o lado, a Europa está a pisar caminhos muito perigosos, ascendem os que não acreditam no projecto europeu, o cherne tenta sair de fininho, com comentários e recomendações tão balofas quanto foi balofa a sua actuação à frente da Comissão Europeia. Reina a Merkel mas tem pés que rapidamente se podem tornar de barro e grande parte da Europa vê nela a personificação do Mal.


Uma nódoa em Portugal, Durão Barroso foi alcandorado a um lugar de relevo na Europa onde só fez porcaria, abrindo caminho à destruição da instituição a que presidia e estendendo a passadeira vermelha à extrema direita, aos nazis e, aqui e ali, à esquerda mais radical. 



O que vai ser de uma Europa nas mãos de gente que apenas quer destruí-la ou sair dela?


Gente fraca a fazer política leva à rejeição por parte da população, e quando as pessoas não vêem que os partidos sejam capazes de se regenerar, descrêem. São sempre os mesmos, é tudo igual - é o que mais se ouve dizer. Pode ser injusto para alguns mas, de forma geral é correcto. A gente vê as mesmas caras entrar e sair do governo, rodar no parlamento, nas empresas públicas, nos debates. 

Sempre as mesmas caras ao longo de anos e anos, usando os mesmos argumentos, esgrimindo artifícios verbais gastos.

As pessoas de idade não suportam ver o seu destino entregue a gente impreparada, desrespeitadora, os mais novos não suportam esta forma de fazer política feita por gente em que não se revêem, a classe média que se tem vindo a ver espoliada não suporta a ignorância aboletada no poder.

Eu, que como aqui o refiro frequentemente, a identificar-me mais com algum programa, seria com o do PS. A social-democracia humanista, aberta, moderna, que aposta no desenvolvimento e no conhecimento, que assenta na igualdade de oportunidades e ma liberdade, é o ideal de sociedade que orienta as minhas escolhas.

No entanto, como me sinto distante deste Seguro que parece ansiar que chegue a sua vez de ser poderoso, para saciar a sua fútil ambição e vã vaidade...

Há nele qualquer coisa de postiço, de artificial, de prosápia frouxa que me incomoda. Vê-lo a sair, motorista à espera, bruto carrão... ui, que incómodo.

E, no entanto, não me move qualquer dessa inveja miudinha que tantas vezes turva o raciocínio. Mas, ó senhores, que sentido faz um chefe de um partido da oposição andar num bruto carrão, como se não houvesse austeridade no País? Sentir-se-ia mal se andasse num carro robusto e confortável mas de uma gama mais baixa? São peanuts, sei que são, mas é a imagem, é o que está por trás da atitude. Como pensará ele que os reformados, os desempregados, os jovens, olham para ele todo armado em barão? 


Há por toda a Europa - entregue a políticos já de rabo pelado por tantos bancos do poder por onde tem passado, ou a políticos de pacotilha, jotas que saíram do aviário sem terem passado pela vida, a burocratas não eleitos, a gente que não se percebe de onde saíu - um frémito de revolta que não se sabe como vai acabar. E a bem de todos, seria aconselhável que, a nível dos partidos, os seus líderes e apaniguados soubessem sair a tempo, soubessem ter uma saída limpa.

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A última imagem, como se vê, provem do blogue We Have Kaos in the Garden

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Estava com vontade de falar na FN, no UKIP, nos nazis e nessa malta estranha que agora vai tentar incendiar a Europa mas hoje não estou em condições. No fim de semana fartei-me de pegar nos pimentinhas ao colo e acho que dei cabo de um ombro. Estou a escrever isto completamente aflita pelo que me vou ficar por aqui, vou tomar um comprimido, pôr gelo e meter-me na cama. Nem vou rever. Tenho recebido tantas coisas engraçadas ou comoventes e ainda não vai ser hoje que vou conseguir inclui-los aqui. Nem consegui responder aos mails. A ver se amanhã estou fina.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa terça feira.


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