segunda-feira, janeiro 13, 2014

'Um discurso sobre a beleza'. A conversa entre dois 'beaux esprits': Pedro Mexia entrevista James Wood. Ou a crítica literária como 'uma história sobre histórias, um juízo sobre a beleza do objecto analisado'.




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Qual o objectivo da crítica literária num jornal ou numa revista? Servir de montra ao criticado ou ao crítico? 

Mostrar que, quem escreve, ou seja, o crítico, sabe muito sobre literatura, sabe invocar referências, sabe estabelecer comparações ou sabe detectar estilos mas sabe detectá-los de forma a que pareça uma descoberta reservada a espíritos iluminados?

Ou, antes, o crítico deve deixar-se envolver pelo ambiente da obra em apreço e, ao escrever, deve deixar que os leitores intuam aquilo de que se está a falar, e, para tanto, deve transmitir uma opinião pessoal, deve tomar partido?

E o que esperam os leitores de uma crítica literária?

Sei que não há resposta única: claro que isso depende de quem lê. Se estivermos a falar de colegas de profissão, aí talvez haja algum ciúme ou alguma exigência pouco indulgente. Se estivermos a falar do autor da obra analisada talvez haja orgulho ou desapontamento.

Mas, se estivermos a falar do grupo mais expressivo, o dos potenciais leitores da obra, estou certa que preferem saber o que o crítico, enquanto pessoa, pensa sobre o que leu, se gosta ou não e porquê. Coisa simples.

Não serei a melhor pessoa para falar sobre isto. Sou leiga, sou simples amante de livros. E não tenho pretensões a parecer o que não sou, limito-me a dizer o que penso de forma franca. Além disso, confesso que, quando tenho fraca impressão sobre uma pessoa, me estou nas tintas para a sua opinião.

Ou seja, se por algum motivo, em relação a algum crítico já o apanhei a dar passos em falso ou a ter atitudes parvas ou a vender o que considero ser banha da cobra, então, a partir daí, santa paciência, não dou qualquer crédito ao que escreve.

Acontece-me isso em relação a alguns dos pretensos críticos literários da nossa praça.

De resto, há uma coisa. Sei bem que não pode um leitor de críticas num jornal, pedir muito - tão diminuto o espaço que lhes é reservado que, em abono da verdade, não se pode chamar àquilo crítica. São meras breves recensões, assim a modos que uma breve recomendação de compra ou, por vezes, o seu desaconselhamento.

Não sei o que torna uma pessoa apta a ser contratada por um jornal como crítico literário mas deve haver algum critério. Contudo, esse critério não é para mim muito evidente tal a diversidade de níveis que me é dado aperceber.

Como já aqui o referi algumas vezes, uma das pessoas que leio com mais atenção e em cujas opiniões mais me revejo é Pedro Mexia. Salvo uma ou duas excepções, coincido na apreciação que ele faz das obras mas, mais do que isso, gosto da forma como ele fala dos livros. Não precisando de recorrer ao artifício exaustivo da transcrição, ele consegue, na perfeição, levar o leitor para dentro do ambiente da obra.

Mas Pedro Mexia tem mostrado ser também um excelente entrevistador. 

De todas as entrevistas que já lhe li, quero salientar a que fez no penúltimo Actual do Expresso a que, muito acertadamente, dá o título UM DISCURSO SOBRE A BELEZA


O entrevistado é certamente alguém que Pedro Mexia admira dado que é um dos grandes críticos literários da actualidade. Estou a falar de James Wood de quem Pedro Mexia diz: James Wood é talvez o crítico literário mais influente da última década, um dos mais amados e detestados. (...) Em conversa, não pode estar mais distante da pose de crítico feroz e arrogante: é afável, acessível e até confessional.


Na abertura da entrevista, Pedro Mexia dá o tom: A crítica literária é uma história sobre histórias, um juízo sobre a beleza do objecto analisado. James Wood diz nadar na "mesma água" dos livros que critica e gosta daqueles que, nas palavras de Henry James, lidam com "um presente palpável e íntimo".

A entrevista é toda ela uma peça de antologia e figurará certamente num próximo volume de entrevistas que Pedro Mexia se resolva a publicar.

Por isso, tenho alguma dificuldade em escolher excertos mas, porque quero ilustrar aquilo de que estou a falar, transcrevo um pouco ao acaso:


Parece muito ligado ao mundo real, digamos assim, aos textos que têm a ver com o mundo real e não com os próprios textos.

É isso mesmo. Sempre me pareceu natural ligar a ficção, que está tão cheia de vida, ao mundo real. Sei que há um certo tipo de teóricos e de filósofos a quem a palavra 'vida' ou 'real' provoca todo o tipo de questões filosóficas. Mas temos de usar palavras como essas, porque a maioria das pessoas entende o que se quer dizer quando se diz que determinado livro tem alguma coisa a dizer-nos sobre a forma como vivemos.

Há várias palavras que usa e que toda a gente usa para descrever um livro. Quando fala de um 'grande' escritor, ou de uma passagem 'muito bonita', usa a mesma linguagem que os leitores usam.

Exactamente, quero usar a mesma linguagem que os leitores usam. E também a que os escritores usam. Parece-me que a grande separação não é bem entre teoria e literatura, é entre uma aproximação erudita à literatura, que se aprende nas universidades, onde normalmente não se é encorajado a pensar em quão bonita uma coisa é, mas simplesmente a olhar para ela de forma neutra, de um ponto de vista histórico ou técnico. A maior separação é entre essa forma de ler e a forma como a maioria das pessoas lê. As pessoas não lêem de uma forma neutra, lêem com muito interesse. Para escritores e leitores, a primeira pergunta é sobre qualidade, sobre avaliação. Mas julgo que nas universidades essa questão é colocado de parte porque não parece relevante. Entra-se na aula e tem de se falar com os alunos da forma, da estrutura ou da linguagem, mas não se julga. Muitos de nós julgam, e eu gosto de manter essa qualidade crítica viva.


Nem mais - digo eu.

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Estava a apetecer-me colocar aqui um vídeo em que se visse James Wood a falar mas depois pensei que, não estando legendado, alguns Leitores poderiam não perceber e, portanto, escolhi antes um em que James Wood se mostra de forma informal e bem disposta. Os risos dos filhos são uma delícia.




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E agora, para o James Wood não se ficar a rir por achar que é o único a ter direito a vídeo, vou também à procura de um equivalente com o Pedro Mexia. A ver se o apanho por aí a tocar cavaquinho ou a cantar karaoke ou coisa do género.

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Hélas. O Pedro Mexia não se dá a esses desfrutes e, portanto, aqui está ele a falar do livro da sua vida, um livro de que eu, por acaso, também gosto muito. 




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A música lá em cima era June Tabor & Oysterband interpretando Love Will Tear Us Apart e escolhi-a apenas porque gosto muito de June Tabor e achei que era uma boa companhia para os dois 'artistas' convidados de hoje.


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Muito gostaria ainda de vos convidar a irem até ao meu Ginjal e Lisboa onde hoje tenho Cora Coralina e as suas extraordinárias palavras. Vão gostar, vão ver.


E, por agora, é isto. 
Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já por esta semana.

6 comentários:

  1. de ficar com os olhos em bico - http://www.youtube.com/watch?v=YWZLw6Mo8X8

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  2. os seus Leitores vão ficar chineses-))) http://www.youtube.com/watch?v=BZwNLWgsUMg

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  3. porque um cão guia é melhor que outros animais-))))http://dailypicksandflicks.com/2014/01/08/why-guide-dogs-are-better-than-other-animals-at-assisting-the-blind-video/

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  4. JOAQUIM CASTILHOjaneiro 13, 2014

    Olá UJM!

    Ouvi e vi num programa de Televisão, há alguns anos já,a Professora de Literatura Portuguesa Lucia Maria Lepecci, já falecida, referir-se a um trabalho excelente que um dos seus alunos tinha feito sobre Ricardo Reis sobre a estrutura, a linguagem a forma dos seus poemas . Depois de o ler perguntou-lhe se tinha gostado dos poemas. O aluno brilhante não conseguiu responder.A beleza dos poemas não tinha sido sequer considerada.
    Creio que foi poderá ter sido o tema mais importante da entrevista do Pedro Mexia.
    Se, com a muitos dos críticos literários, existe este problema que se está espalhando por muitos dos nossos escritores, relativamente aos críticos de artes plásticas o problema é viral!
    Escrevem textos de má literatura com citações e referências que só eles conhecem em torno de uma obra, de uma exposição , de um artista sobre o qual são incapazes de dizer algo objectivo, real para já não falar da beleza da obra que criticam que, para eles, está muito longe de ser um aspecto importante , quando muito é um mero dano colateral.

    Este tema recorda-me um poema que um amigo já falecido, me ofereceu

    No meu Mundo
    há mundos
    que vejo, que leio
    que sinto, que pressinto
    onde não entro
    porque não reconheço
    a chave que me oferecem.
    Portas de névoa para mim
    para outros escancaradas
    mundos do meu Mundo
    que não me habitam
    portas
    que me continuam fechadas.

    um abraço

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  5. Olá Anónimo,

    Os links que consegue desencantar... Sempre surpreendentes.

    Obrigada!

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  6. Olá Joaquim!

    Concordo, concordo, concordo.

    Um pouco relacionado com isto mas, para marcar bem a diferença, coloquei um vídeo mesmo engraçado com palavras de Cora Coralina. Uma graça.

    A beleza, a música, o sentido, tudo tem mais valor que o lado formal teórico, a técnica espartilhante.

    Mas vou deixar-me de mais palavras porque o que lhe quero dizer é que fiquei tão contente. Que saudades que eu já tinha de receber poemas. Podem ser de amigos que já cá não estão, de amigas vindas de mundos longínquos, podem ser de quem quiser mas recebo-os sempre de braços abertos (e de coração aberto).

    Muito obrigada!

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