No post abaixo faço um breve balanço do que foram as actuações dos principais actores políticos no ano que está prestes a terminar, restringindo-me ao lusitano rectângulo. É um balanço à moda de Um Jeito Manso e, portanto, já sabem, não devem esperar grande coisa. De resto, dado os personagens em questão, também não se poderia esperar muito mais.
Mas isso é a seguir.
Aqui, agora, a conversa é outra.
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Sou leitora omnívora ou quase. Contudo, como já aqui o contei várias vezes, passo ao lado de best-sellers (não por serem best-sellers mas porque, geralmente visam um público onde não me encaixo). Também não consumo pastiches, coisas a armar ao pingarelho, filosofias de pé de chinelo, teorias de cão de caça, coisas assim.
No entanto, não desdenho de alguns livros só por serem escritos por não-escritores ou por serem relatos que facilmente podem ser considerados literatura a metro.
Vem isto a propósito de um livro que no outro dia comprei. Conheço mal a pessoa que o escreveu mas a sua história, que conhecia muito vagamente, despertava-me alguma simpatia. Quando vi o livro escrito na primeira pessoa tive curiosidade. Além disso, pensei que era bom que o livro lhe rendesse algum dinheiro pois admiti que lhe fizesse falta.
Quando os meus filhos entram nesta sala, passam sempre uma vista de olhos pelos livros que estão mais à vista, admitindo que são os últimos. Quando viram este foi o bom e o bonito. 'Pronto. Agora é já vi tudo!', decretou a minha filha, ar de censura. E ambos, sem apelo, desdenharam da minha escolha. Mas a que propósito?!? - uma reacção quase como se tivessem visto um livro da Margarida Rebelo Pinto, da Fátima Lopes ou do Paulo Coelho. Como, na altura, ainda não o tinha lido, não pude argumentar a favor da escrita: disse apenas a verdade, que tinha despertado a minha curiosidade. Abanaram a cabeça, como se não houvesse dúvida: a mãe estava a revelar-se um caso perdido.
Entretanto já o li. Gosto de ler livros assim, relatos escritos a seco, sem pretensões. Gosto de conhecer estes percursos de vida tão distintos dos que geralmente (e felizmente) nos são próximos. Quando era miúda li o diário de Christiane F. (os filhos da droga) que bastante me impressionou, não há muito tempo li a autobiografia de Sylvia Kristel . E alguns outros. Conhecemos melhor a vida e temos uma compreensão mais abrangente pelos outros, se nos dermos ao trabalho de os ouvir.
Este de que agora falo é o livro 'Eu, Sara, me confesso' da autoria da jovem actriz Sara Norte.
Devo confessar que li o livro com agrado, está razoavelmente escrito (pena um erro ortográfico que lá aparece mas, enfim, é um pormenor), não se desculpabiliza, não se vitimiza, não dá conselhos, nada: apenas relata. É, sobretudo, um murro no estômago.
Sara Norte tem agora 28 anos e conhecemo-la desde que, menina, protagonizava uma série que os miúdos gostavam de ver, O Médico de Família.
Não acompanho a vida dos artistas e, portanto, perdi-a de vista e apenas soube do que lhe estava a acontecer quando as televisões noticiaram a sua prisão como traficante de droga.
As televisões mostravam a mãe, Carla Lupi, também actriz, à porta da prisão. Soube depois que Carla Lupi tinha morrido enquanto Sara estava presa.
Neste livro, Sara Norte relata a sua vida desde que os pais, Carla Lupi e Vítor Norte, se separaram, conta como se tornou consumidora de cocaína, como conseguiu durante anos esconder isso de toda a família, conta a sua descida aos infernos. É um relato cru e assustador. Ao mesmo tempo impressiona a capacidade de resistência e de adaptação do ser humano, do corpo humano. Como se passa por tudo o que ela relata e se consegue manter a aparência de uma pessoa com uma vida normal, com uma alimentação normal, com hábitos de vida normais? Não sei. Custa a perceber.
Mas tanto como me custou saber do percurso complicado de Sara Norte, também me custou saber, talvez até mais, o que, por essas alturas, se passava com a sua mãe.
Não costumo ver telenovelas ou séries portuguesas o suficiente para conhecer o percurso ou sequer os nomes da maior parte dos protagonistas. Por isso, não tenho ideia de ter visto actuar Carla Lupi. Contudo a sua cara não me era estranha. A filha, aliás, herdou os seus traços fisionómicos.
Pelo relato da filha Sara, fiquei agora a saber que Carla também era consumidora de cocaína e que isso, de certa forma, também condicionou a sua vida. Acresceu a isso, o facto de estar sem trabalho.
Quando deixamos de ver os artistas, esquecemo-nos que, frequentemente, isso significa que estão sem trabalho e, estando sem trabalho, o mais normal é que estejam sem dinheiro.
Mas, mais grave ainda que tudo, foi o ter-lhe sido diagnosticado um cancro nos pulmões. Sem trabalho, sem dinheiro, sozinha, e consumidora de cocaína até ao fim, foi um trajecto terrível, o de Carla Lupi. As imagens mostravam-na desfigurada mas nunca imaginei o inferno que era, então, a sua vida.
Sara Norte mostra algumas cartas que recebeu enquanto esteve presa, algumas da mãe. Uma impressionou-me sobremaneira. Foi escrita três meses antes desta morrer.
Transcrevo um excerto:
(...) Tocaram à campainha, venho já.
Nem de propósito. Vou contar-te o que se passou. Apesar de tudo o que me tem acontecido, a minha fé é inabalável e acredito cegamente que Deus é meu pai, sabe o que faz e toma conta de mim. E mesmo quando estou na merda, acredito sempre que uma solução vem a caminho e não deixo que o desespero ou o desânimo tomem conta de mim. Hoje andei para aqui com uma preocupação porque amanhã recebo o vale do rendimento mínimo e só posso levantá-lo eu e com o cartão de cidadão. Mas na quarta feira quando fui a Lisboa tive que deixar o meu cartão no Cais do Sodré a troco de me emprestarem 5 euros para voltar para casa. (Ao que isto chega, já viste?). E hoje andava para aqui a pensar onde é que ia arranjar 5 euros até amanhã de manhã cedo, para poder levantar o cartão e levantar depois o vale. Mas não me enervei muito, porque sabia que Deus não ia voltar-me as costas e ia ajudar-me mais uma vez, porque é meu pai e um pai quer bem aos seus filhos e ampara-os. Há bocado, quando estava a escrever-te e tocaram à porta, fui abrir e era uma velhota que não conhecia e que mora no 8º andar aqui do prédio. Mandei a senhora entrar e ela pediu-me desculpa de incomodar e pediu-me também que não levasse a mal o que ia dizer-me. Então, a senhora é voluntária de uma associação e como sabe que estou doente e sem poder trabalhar, veio perguntar-me se eu levava a mal que um restaurante com quem eles trabalham me oferecesse diariamente as refeições e o lanche. Nem quis acreditar!!! Já viste? Que sorte a minha! Já tenho a ajuda do Banco Alimentar e agora também tenho almoço, lanche e jantar oferecidos todos os dias. Fiquei tão contente que até me vieram as lágrimas aos olhos. As pequenas coisas hoje em dia são para mim grandes alegrias e fico muito feliz por saber que ainda existem pessoas no mundo como esta senhora que se preocupam e amam o próximo, sendo altruístas, ou seja, sem esperarem recompensas. E agora vem o melhor da história. No fim da conversa, e antes de se ir embora, a senhora deu-me 10 euros. Fiquei de boca aberta, nem tive reacção. Agradeci-lhe muito e depois de ela sair fartei-me de chorar e agradeci a Deus. Eu sabia, era uma certeza que eu tinha em mim, que Ele não ia abandonar-me.
(...)
Biliões de beijinhos da mãe que te ama e que está sempre a pensar em ti,
Carla.
Muito triste o estado de carência a que uma pessoa que antes teve uma vida normal pode chegar. Muito assustador o estado de carência a que os estados de dependência, directa ou indirectamente, podem levar. E a vida difícil que uma pessoa pode levar sem que os outros o percebam...
Pelo que li, acredito que Sara Norte é uma pessoa que, apesar da descida aos infernos que a levou de casa em casa, a viver de favor em casa alheia, sem dinheiro, sem rumo, de mau passo em mau passo, a correr riscos tremendos, é uma pessoa forte e que irá ter sorte na vida que tem para viver. Assim a sociedade não lhe feche as portas ou a vida não lhe pregue mais rasteiras. Somos o que fazemos, é certo, mas é bom que a sorte nos ajude.
E é importante que saibamos ver para além do que é visível pois pode haver muito sofrimento sob a capa de uma vida normal. Um gesto nosso pode fazer a diferença na vida de quem está carenciado de dinheiro, de afecto, de apoio, de tudo.
E não digo mais nada porque acho que é escusado.
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As fotografias foram obtidas na internet e não descobri a sua proveniência original.
As fotografias foram obtidas na internet e não descobri a sua proveniência original.
Para uma mudança radical de registo, isto é, para balanços políticos ou análises relativas aos nossos principais políticos, é descerem, por favor, até ao post seguinte.
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Muito gostaria ainda de vos convidar a visitarem o meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa, onde é tempo de mudança de tempos e de vontades. Vou pela mão de Camões pelo que, é claro, não me queixo. Comigo vêm também Rui Reininho e a Estudantina de Coimbra. Uma animação. Estou a preparar-me para mudar de ano pelo que não poderia ser de outra maneira.
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E, por agora, por aqui me fico.
Tenham, meus Caros leitores, uma grande semana a começar já por esta semana.
Fiquei impressionada com a carta que transcreve. Confesso que também fui preconceituosa em relação ao livro, até crítica, pensando" Esta menina fez o que fez e agora anda para aí feita heroína a escrever livros!", porque tudo o que envolve tráfico de drogas, deixa-me revoltada.
ResponderEliminarMas o seu post faz-me ver esta jovem duma maneira um pouco diferente. Não vou comprar o livro, mas não vou tecer mais críticas ao que desconheço. Certamente que mãe e filha não tiveram uma vida fácil e muitas vezes apenas fechamos os olhos ao que se passa ao nosso lado. E Portugal hoje, empurra muita gente para situações muito difíceis.
Um beijinho e tenha um bom dia!
https://www.youtube.com/watch?v=OuiaKg_Lysk&w=470&h=265
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ResponderEliminarOlá, UJM
Tenho um certo carinho por Sara Norte, precisamente porque me lembro da miúda amorosa da série 'Médico de Família'.
Muito bom tê-la trazido, dando-nos uma ideia da dimensão humana dos seus problemas, próprios e familiares.
Bjs
Olinda
e saber que nem precisamos de drogas para ter ilusões - https://www.youtube.com/watch?v=Iw8idyw_N6Q
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