domingo, novembro 17, 2013

Funcionário gastou mais de meio milhão em chamadas de valor acrescentado de telefone da Segurança Social - e eu, a propósito, recordo um episódio com chamadas para linhas eróticas passado na minha empresa há anos atrás. Ele há coisas... - é o que vos digo.


A notícia de que um funcionário da Segurança Social gastou para cima de meio milhão de euros em chamadas de valor acrescentado a partir do seu telefone de serviço, nomeadamente em chamadas para aqueles concursos em que se ganha dinheiro (tendo chegado a ganhar algum), fez-me lembrar um facto que se passou na empresa onde eu trabalhava há uns anos atrás.

Tínhamos mudado de edifício e tínhamos uma central telefónica nova, daquelas em que cada extensão é um número completo de telefone. Antes disso estávamos num enorme edifício, multi-empresa, e um conjunto de despesas comuns não passava por mim. Mas ali, naquele, em que estava apenas uma empresa, algumas despesas eram geridas pelos meus serviços. Uma vez, um colaborador meu veio alertar-me para que as facturas de telefone estavam muito altas e que aparecia uma parcela estupidamente alta de chamadas de valor acrescentado.

Na altura isso ainda era relativamente novidade. Pedi para me saberem de que se tratava. No meio de risos, vieram, depois, dizer-me que eram chamadas para 'canais' (ou números - nem sei como dizer) pornográficos. Fiquei verdadeiramente estupefacta. Sendo que apenas administradores e directores tinham gabinetes individuais e que o resto das pessoas estava em salas de tipo open space, como seria possível que alguém se pusesse a fazer chamadas dessas no meio de toda a gente?

Dado que a verba era mesmo muito alta, avisei o presidente, gestor conceituadíssimo, muito conhecido, de quem, de resto, era muito próxima, com quem tive sempre relações de confiança e respeito mútuo. Por um lado, achou alguma graça à história mas, por outro, mostrou-se indignado com o abuso e achou muito bem que eu pedisse ao operador de comunicações a factura detalhada para perceber de que extensão e a que horas isso acontecia.

Foi feito o pedido (agora as facturas já são, por defeito, fornecidas com todo o detalhe mas, na altura, a menos que se pedisse, o que vinha eram as parcelas com os totais, não se percebendo a extensão de origem). Levou algum tempo. Entretanto, pedi ao meu colaborador que espalhasse a informação de que tinham acontecido uns abusos e que íamos averiguar para que, quem fosse, parasse com isso.

Quando veio a factura, pedi a esse meu tal colaborador que visse o que se passava mas para não dizer a ninguém senão a mim. Era óbvio que alguém ia ficar em maus lençóis e, antes de se agir, teria que se ver como abordar o assunto. Avisei o presidente disto mesmo e ele achou bem.

Qual não é o meu espanto quando esse meu colaborador me entra no gabinete com cara de caso, ar apardalado, como se estivesse um bocado inibido ou assustado, nem percebi bem mas, agora que estou a escrever, ainda parece que o estou a ver, papéis na mão, quase sem saber o que dizer. 

Então? 

Respondeu-me, Não vai acreditar

Então?, e eu já estava a ficar nervosa. De repente pensei Querem ver que é o meu número? Que, quando eu saio, alguém vem para aqui?

E ele, Acho que é melhor esquecer. 

Então?, e eu já mesmo preocupada. Diga. Quero saber. 

Então disse-me o número.

Fiquei branca. O quê???, sentei-me. 

Pois. É muito estranho.

Era o número do presidente. 

Fiquei quase sem articular palavra. Não pode ser. 

Ele disse, Pois, também me parece que não pode ser

E então mostrou-me. Eram chamadas e chamadas, à meia hora de cada vez, chamadas que começavam lá para as 9 ou 10 da noite. 

Não pode ser ele, dizia eu. E a essa hora? Serão as empregadas da limpeza?

Ele estava passado como eu mas disse-me, Doutora, as empregadas? Vêm em grupo, querem é despachar-se para ir para casa, não estou a vê-las, coitadas, a sentarem-se à secretária dele e porem-se a fazer dessas chamadas. Mas já não digo nada. 

Fiquei sem saber o que fazer. Tinha dito ao presidente que o informaria para vermos o que fazer mas como iria eu dizer-lhe aquilo, caraças...?

O meu colaborador aconselhou-me, Doutora, esqueça, diga que não recebeu a factura. 

Fiquei ali um bocado sem saber o que fazer.

Mas depois respirei fundo e fui ter com ele. 

Já chegou a factura detalhado, já sabemos de que telefone têm estado a ser feitas aquelas chamadas. 

E ele, Sim? Então de onde é?

Imagine: Daqui.

Soltou uma gargalhada, Daqui?!? 

Respondi, Daqui. De noite. Já viu o disparate?

Chegou-se para trás na cadeira: A sério? Daqui?

A sério, eu um bocado atrapalhada.

E ele, Mas quem é que para aqui vem de noite fazer chamadas dessas?


Eu também incrédula com tudo aquilo: Sei lá. A essa hora acho que só se forem empregadas da limpeza mas acho que a maior parte das chamadas são feitas já nem as empregadas cá estão. 

E ele, Mas o que é que a gente pode fazer para perceber? Tente descobrir.

Pensei que poderia fazer várias coisas mas o que me ocorreu foi dizer que não ia fazer nada, ia esperar para ver se voltava a acontecer.

Não aconteceu. 

E ficámos assim. E passam-se sempre tantas coisas que nunca mais me tinha lembrado disto até hoje.


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Chamada Erótica - Os Contemporâneos



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As ilustrações são de Peter Driben.

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