domingo, setembro 15, 2013

Gémeos separados à nascença (embora tenham alguns anos de diferença e frequentem domínios distintos)? Capaz do segundo ser mais novo e talvez a pressão sobre ele não tenha sido tão grande como sobre o primeiro - mas olha-se para os dois e notam-se as parecenças. Falo do Peixe-Gota (Psychrolutes marcidus) e de Nuno Júdice. Sem ofensa, claro. Com bastante apreço, até, pelo segundo.



Peixe-Gota (Psychrolutes marcidus)

considerado o animal mais feio do mundo

O primeiro tem um ar triste, desiludido com a vida, parece que já viu de tudo e já não acredita em mais nada. Dizem que resiste às altas pressões a que está submetido dado que é dado a grandes profundidades.

Dizem que é muito feio. Eu não o diria. É o que é. Tem esta expressão desconsolada. E pertence, isso sim, a uma espécie ameaçada, em vias de extinção. Ou seja, isso sim, é um resistente.





Nuno Júdice, um grande Poeta



O outro de vez em quando ainda sorri, ainda não está tão desiludido, ainda não entregou os pontos - e tomara que isso nunca venha a acontecer.

Também habita territórios profundos mas deixa que a luz invada os seus espaços. Os seus poemas falam muitas vezes de amor o que mostra que ainda não se desiludiu com a vida.



Têm notórias parecenças, não sei se é o nariz, se são as bochechas, não sei bem dizer que nunca fui boa nisto. Há pessoas que, mal os bebés nascem, ainda inchados e todos iguais uns aos outros, são logo capazes de dizer que o queixo é da mãe, o nariz é do pai mas já as unhas são mesmo, mesmo, da avó. Mas, apesar das minhas limitações neste domínio, estes dois eu olho e acho-os mesmo farinha do mesmo saco, que é como quem diz, a cara quase chapada um do outro.

Daqui por uns anos - irmãos de outras profundezas, resistentes, seres em vias de extinção - devem estar ainda mais fisicamente parecidos, as bochechas de Nuno talvez tão flácidas como as do mano Gota, os lábios talvez tão descaídos como os dele. Não digo que se babe como o mano, isso não digo, nem que ande tão suado e luzidio como ele. E se o mano Psychrolutes marcidus, por seu lado, daqui por uns anos, quando a vista se lhe cansar, passar também a usar óculos, então alguém que me convença de que não são gémeos separados à nascença.

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De qualquer maneira, o que eu sei é que, a partir de agora, quando eu percorrer o fundo do mar, vou pedir a todos os deuses das profundezas que, a terem que me pôr alguém pela frente, assim como assim,  me ponham pela frente o Poeta da Mexilhoeira , não o Peixe-Gota


Agora uma coisa é certa: o mano Gota pode resistir a altas pressões, pode ser do mais resistente que há, pode isso tudo e mais um par de botas. Agora eu gostava de vê-lo a fazer poemas como o mano Nuno... É o fazes.

Aproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão,
puxaste-me para os teus olhos
transparentes como o fundo do mar para os afogados. Depois, na rua,
ainda apanhámos o crepúsculo.
As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar
diferente inundava a cidade. Sentei-me
nos degraus do cais, em silêncio.
Lembro-me do som dos teus passos,
uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas,
e a tua figura luminosa atravessando a praça
até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é,
o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali,
continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha
essa doente sensação que
me deixaste como amada
recordação. 

['Um amor' de Nuno Júdice in "A Partilha dos Mitos"]

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Acho que ainda cá volto hoje.

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