Nos posts a seguir a este, mostro-vos um vídeo no qual Paulo Morais fala do BPN e como, às tantas, aparece o nome de Maria Luís Albuquerque, uma daquelas pessoas que passa de Governo para Governo, que conhece bem muitos dossiers, dossiers sobre os quais sabe calar o que sabe.
E a seguir há mais dois posts nos quais falo da responsabilidade de Paulo Portas e de Passos Coelho no retrocesso da tão propalada 'confiança dos mercados': num único dia os juros dispararam e as acções caíram, representando um rombo de mais de dois mil milhões de euros - da responsabilidade exclusiva daqueles dois, e de Cavaco que permite que por aí andem a fazer tristes figuras, arruinando o País. E falo da humilhação brutal a que Paulo Portas voluntariamente parece sujeitar-se. E falo da improbabilidade de uma recoligação nascida dos escombros.
Mas isso é a seguir.
Aqui, agora, a conversa é outra.
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Confesso que a forma como se tem vindo a desenrolar o caso Demissão de Paulo Portas me deixou estupefacta. Ainda não me refiz. O que se passou na cabeça dele para fazer uma coisa destas sem a cobertura do seu próprio Partido? Sem informar claramente o Primeiro Ministro? Sem informar o Presidente da República? Não se apercebeu que seria visto como o eterno traidor? O escorpião congénito?
Sobre o vexame factual que ele está agora a atravessar falo, pois, no posts abaixo. Aqui, agora, tento pôr-me na pele dele e imaginar o que pensará quando se vê ao espelho. Não me é fácil. Entre mim e ele há um País de diferença, uma vida inteira de opções antagónicas. Mas vou tentar, sabendo que, certamente, vou falhar. O que abaixo podem ler é, portanto, ficção. (Ou não?)
Estou velho. Entrei um, saio outro. A minha pele perdeu firmeza, ganhei rugas, os olhos perderam brilho. Olho-me e vejo um homem triste, cansado. Sinto que perdi as ilusões e quando um homem perde as ilusões, perde a capacidade de sonhar, desinteressa-se do futuro. Em público não o diria. Nem em privado o digo. Apenas o penso.
A vida passa por mim e quase nada fica.
Tenho o País a olhar para mim com perplexidade. Numa tarde arruinei a imagem que, ao longo de toda a minha vida, tanto me tenho esforçado por construir. Outros episódios voltam à memória das pessoas. Sei disso.
Tenho cinquenta anos, quase cinquenta e um, e pouco mais tenho do que uma vida cheia de nada. Posso iludir-me e falar nos cargos que tive, cargos importantes, nas pessoas que conheci, pessoas ímpares, posso falar no Independente, talvez o período mais feliz da minha vida - mas tudo passa e pouco fica.
Olho-me ao espelho e não me reconheço naquilo que queria ser.
Queria um País moderno, evoluído, e queria fazer parte da construção desse País. Lutei desesperadamente por agradar, por ser o que esperavam de mim. Gosto de pessoas, não sou falso quando me aproximo delas. Quero, de facto, que tenham uma vida melhor. Mas não sei como consegui-lo. Todos os caminhos que segui trouxeram-me exaustão pessoal e poucos resultados.
O poder corrompe, tenho-me visto enredado em teias que me impedem de agir como gostaria. Mas isto ninguém parece compreendê-lo. O exercício do poder acaba por ser um um permanente jogo de cedências. Talvez alguns o consigam fazer preservando a alma, mas em mim a alma, as personas que construo, os ideais que tento preservar, tudo se confunde.
O poder corrompe, tenho-me visto enredado em teias que me impedem de agir como gostaria. Mas isto ninguém parece compreendê-lo. O exercício do poder acaba por ser um um permanente jogo de cedências. Talvez alguns o consigam fazer preservando a alma, mas em mim a alma, as personas que construo, os ideais que tento preservar, tudo se confunde.
Imaginei um partido à minha medida e tomei-o para mim. Pelo partido já fiz tudo, o que queria e o que não queria. Alguns actos perseguir-me-ão como sombras. Sei disso. Nada por mim. Mas tanto me entreguei ao partido, que eu e o partido já somos um. O que fiz pelo partido, será sempre olhado como tendo sido feito por mim.
Penso muitas vezes: e se um dia me vejo forçado a abandonar a liderança do partido? Depois de tudo? Não imagino. O que faria? O que seria de mim?
Gosto de ler, gosto de ir ao cinema, mas entreguei-me de tal forma ao partido e aos governos de que fiz parte que não me sobra tempo para ter vida própria. Tento. Mas não é uma vida normal a que eu tenho. Tento não pensar nisso: os telefonemas, as reuniões, os contactos, tudo preenche as minhas horas, não me sobra tempo para pensar.
Ficcionei a minha vida. Eu ministro, eu estadista, eu grande defensor dos pobres, velhos, desvalidos. Em nome dessa ficção, tenho-me sujeitado a tudo. Só eu sei. Sei que dizem que o faço em nome de uma ambição pessoal. Acho que não mas não sei. Ambição, ficção, ideais - já não os consigo distinguir.
O sacrifício sobre-humano que tem sido aguentar-me neste governo, só eu sei. Passos Coelho, Relvas, Gaspar, tudo o que eu abomino. Por fim, já um asco insuportável.
Tenho amigos de verdade, sei que tenho. Estão no partido. Ouvem-me, ouço-os. Mas não são muitos. O António, por exemplo: um irmão.
A alguns ouço-os cansado. Em nome de lealdades abstractas tantas vezes calo aquilo que queria tanto falar. Mas não posso. A vida vai passando e eu a olhar a vida que passa. A fingir. A fingir que acredito no que digo, a fingir que acredito no que faço.
Talvez devesse afastar-me por uns tempos. Mas não seria o vazio ainda mais insuportável? Temo o vazio.
Olho-me ao espelho e por vezes parece-me ver um outro olhar, o olhar de alguém que acho que era melhor que eu. Não fazia concessões como eu faço, esse alguém que me parece ver a sorrir atrás de mim, no fundo de mim. Era livre. Eu nunca fui. Sinto falta de afecto, do sossego em família, de sorrir despreocupado. Tento fixar esse olhar, como se fosse uma companhia amiga. Tenho aproveitado tão pouco tudo o que é puro e genuíno e a vida é tão breve.
Tantos anos a esforçar-me. Até há pouco a respirar o hálito do Relvas, sempre a ter que suportar a incompetência absoluta do Passos, a ter que enfrentar em silêncio as críticas, a sofrer enxovalhos e a suportá-los em nome de uma estabilidade podre em que não acredito. Eu, o estadista, eu o governante respeitável, eu a querer mostrar que sou leal, confiável. Sorrio, falo com assertividade, tento ser agradável, sou sempre educado. Mas tantas vezes estou a contrariar a minha natureza. A isolar-me cada vez mais dos outros, de mim próprio.
Apetecia-me falar da minha Mãe cujo apoio nunca me faltou, eu é que lhe falto a ela, embora não se queixe, é uma leoa; mas não falo, é assunto demasiado íntimo para falar mesmo que esteja a falar apenas com a minha imagem no espelho. Além disso, se falo nos meus Pais, nos meus queridos Pais, fico com um aperto no peito. Só eu sei. Queria tanto ter mais tempo para eles. Se o dissesse em voz alta, diriam que é mais uma das minhas falsidades, encenações. Mas não. Ou talvez um pouco. Não sei. De facto, tanto me esforço por agradar que acabo por não saber quem sou.
Estou muito cansado.
Esta terça feira não aguentei mais. Não aguentei. Tanta estupidez, tanta, tanta, ninguém imagina, tanta, tanta, e tanta desconsideração. Aquilo a que tenho assistido, aquilo a que me tenho sujeitado, só eu sei. E sei que, com aquilo da Reforma de Estado, me sairei sempre mal, devia ter feito o trabalho e não fiz, mas fazer o quê se não acredito em nada disto? Se sei o mal que tudo isto faz ao País? Fazer o quê? O que eu imagino, está a anos luz do que o Passos quer. Um diálogo entre nós é impossível. Falam em traição. Mas não é traição maior o que, em nome de uma lealdade em que não acredito, tenho andado a fazer ao partido e aos País? E Cavaco Silva? Traí-o também, dirão. Mas como posso eu respeitar uma pessoa que não sabe ser o que devia ser? Um medíocre?
Devia ter sido capaz de aguentar, devia ter conseguido o distanciamento para falar antes com o partido, com o presidente, para me aconselhar, para medir melhor o impacto do acto. Mas foi mais forte que eu. Por um momento foi em mim que pensei. Habituado a ser sozinho, tomei uma decisão sozinho. Esqueci-me que há muito escolhi um caminho que obriga uma pessoa a não ser quem é. Mas não podia suportar mais aquele indivíduo e a sua ausência de capacidades de governação, de liderança, de gestão, de tudo, de tudo. Ninguém imagina. Não aguentei. Sou humano. Foi um momento de fractura. Quebrei. Dirão que foi a pensar na minha sobrevivência, na popularidade, nas eleições. Se calhar também foi. Não sei. Já não sei distinguir dentro de mim as razões, as motivações, as insatisfações - estou muito cansado, sinto-me vazio.
Devia ter sido capaz de aguentar, devia ter conseguido o distanciamento para falar antes com o partido, com o presidente, para me aconselhar, para medir melhor o impacto do acto. Mas foi mais forte que eu. Por um momento foi em mim que pensei. Habituado a ser sozinho, tomei uma decisão sozinho. Esqueci-me que há muito escolhi um caminho que obriga uma pessoa a não ser quem é. Mas não podia suportar mais aquele indivíduo e a sua ausência de capacidades de governação, de liderança, de gestão, de tudo, de tudo. Ninguém imagina. Não aguentei. Sou humano. Foi um momento de fractura. Quebrei. Dirão que foi a pensar na minha sobrevivência, na popularidade, nas eleições. Se calhar também foi. Não sei. Já não sei distinguir dentro de mim as razões, as motivações, as insatisfações - estou muito cansado, sinto-me vazio.
Agora estou a sofrer as consequências. Humilham-me. Não tenho energia para resistir. Obrigam-me a fazer o que não quero. Não consigo dizer que não. Sinto-me só. Sinto-me cansado, desabitado. Repito-me, eu sei. Por uma vez estou a dizer o que penso. Não estou a escolher apenas as ideias fortes, os sound bites, não estou a querer agradar a ninguém. Estou apenas a tentar olhar-me ao espelho. É-me penoso. Não me reconheço. Devia ser capaz de reconhecer dentro de mim o menino que tinha sonhos - mas já não o consigo. Esse menino perdeu-se nos labirintos em que me deixei perder.
Mas ainda tenho esperança de que, daqui por algum tempo, quando isto acalmar, me sinta melhor com a minha consciência. Talvez consiga, então, olhar-me ao espelho, de frente. Talvez, então, o meu olhar não seja tão triste.
Mas ainda tenho esperança de que, daqui por algum tempo, quando isto acalmar, me sinta melhor com a minha consciência. Talvez consiga, então, olhar-me ao espelho, de frente. Talvez, então, o meu olhar não seja tão triste.
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Ficção. Ou talvez não. Já sei que vou sofrer censuras de todo o lado: que sou muito condescendente com Paulo Portas, que estou a branquear toda a espécie de coisas que ele fez, etc. Talvez. Mas, como já o disse mais que uma vez, tenho mixed feelings em relação a ele. Discordo do que ele faz, não me identifico com o que ele diz, com a forma como age. No entanto, acho que intrinsecamente não é má pessoa. Acho que alguma coisa o tem sempre desviado dele próprio. Mas talvez seja benevolência minha, sim.
Relembro que, nos posts abaixo, falo, num outro registo, nos factos que têm preenchido de estupefacção os últimos dias.
E hoje há Ginjal! Seguindo a dica de um Leitor(a), hoje fui até ao meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa, a love affair, e, pela mão de António Barahona, segui um homem que entrou por uma janela com uma bicicleta às costas. Ia à procura de silêncio. A seguir temos mais um belo momento de violino: Pavel Sporcl, desta vez tocando Saint Saëns.
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Já é muito tarde. Ou melhor: bastante cedo. Uma vez mais, não vou reler o texto, já não consigo. Fico-me por aqui, portanto.
Tenham, meus Caros Leitores, um belo dia. Bons banhos, boas bebidas fresquinhas.
Excelente texto. Devemos ter uma linha de pensamento muito semelhante porque entendi o que quis dizer e eu diria o mesmo...
ResponderEliminarTBM
Olá UJM,
ResponderEliminarExcelente este texto, bem como, todos os comentários que tem feito ao longo destes dias conturbados, que os incompetentes dos nossos governantes nos têm feito passar.
A sua análise política é sempre certeira e a parte humorística faz com que o peso da desgraça em que nos encontramos, seja mais suave.
Obrigada por isso.
Tenha um dia Feliz.
Um beijinho.
MCP
e as perdas de ontem, vão para o portas bom ou mau.Borrou a pintura do blogue, perdeu um leitor, já era notório o arrastar da asa à peça, hoje foi declarado.Seguindo o seu raciocínio, o hitler até era um gajo porreiro, só queria seguir pintura, o Salazar andava a ser enganado e por aí fora
ResponderEliminarquem vai pagar esta feira de vaidades, com as perdas de ontem é mais umas reformas e os ordenados dos funcionários públicos. E já agora fica aqui o último acto, do gaspar não acerta uma , ou antes, sabe muito bem o que faz - Ministérios das Finanças e da Solidariedade e da Segurança Social
ResponderEliminarPortaria n.º 216-A/2013:
Autoriza o Conselho Diretivo do Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, I.P., a proceder à substituição dos ativos em outros Estados da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Económico por dívida pública portuguesa até ao
limite de 90% da carteira de ativos do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança
Social - http://dre.pt/pdfgratis/2013/07/12501.pdf
O Anónimo que diz que borrou a pintura toda não tem a noção do ridículo? Nada a fazer.
ResponderEliminarComo se todos não soubéssemos que ele anda sp à cusca.
Doideiras que nos fazem rir.
Com o pouco tempo que tenho normalmente não comento, mas adoro... lê-la, como pode verificar pelo IP.
Mto obrigada.
Aida E.S.