A quem protesta contra o roubo, a insensatez, a incongruência, a incompetência, o empobrecimento, há quem chame indelicado. E o que se deve dizer dos que, com a sua insensatez, incongruência e incompetência, roubam todo um povo?
"Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem", escreveu Bertold Brecht.
Sob o olhar admirado de uma gaivota, à beira do Tejo, árvore arrancada a uma margem e arrastada por um rio embravecido Ou seria a árvore que estava numa margem que comprimia o rio? |
À hora a que escrevo ainda dura o Conselho de Estado. Já sabemos que José Mourinho vai sair do Real Madrid, as televisões encheram-nos a casa com directos, oh que coisa tão importante!, mas se o incompetente que nos desGoverna sai, isso aí, não, que isso desestabiliza o País. Já ninguém acredita na capacidade desta gente - mas dar-lhes um pontapé no rabo, isso, está quieto.
Imagino que a esta hora reine a confusão em Belém, com o brilhante Cavaco a querer consensualizar o inconciliável... não agora... mas para o pós-troika. Agora, pode a cova estar a ser cavada à força toda, e meio país já lá com os pés enfiados, que é deixá-los continuar... que o importante agora é discutir o que se vai passar depois do verão do ano que vem. Do além!
Jorge Miranda, esse etéreo ser que geralmente apenas se pronuncia sobre a constituição, hoje saíu-se com esta: que está terrivelmente preocupado porque estamos sem Governo, sem Presidente da República, sem Banca, sem Economia, sem Jovens. Concordo.
Guilherme de Oliveira Martins diz basicamente o mesmo, que esta austeridade está a destruir o País já que austeridade só pode ser levada a cabo em ambiente de desenvolvimento. Claro. E acrescenta que "A disciplina tem sempre de se fazer num horizonte de justiça distributiva, articulando eficiência com equidade". Obviamente.
Bagão Félix, como todos sabem, pede a plenos pulmões a saída de Gaspar pois diz que este errou demasiado e que o seu papel está esgotado. Claro.
Podia continuar citando vozes insuspeitas. Mas ia ficar aqui até amanhã de manhã. Ou melhor, até ao pós-troika.
No meio do coro generalizado que pede o afastamento deste desGoverno que está a destruir o País de forma dramática, continuam a aparecer as 'bocas' dos ministros através dos jornais.
Pasme-se: no meio da barafunda sobre os cortes de 11% nas pensões, sobre a taxa dita TSU dos reformados que sim, talvez, só se for preciso, e mais o que por aí anda, eis que aparece Paulo Portas a lançar outro cenário para a mesa: O ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, defende que a fixação de um tecto para as pensões actuais deve ser discutida em concertação social, considerando-a uma boa alternativa para o Governo ganhar margem orçamental e para procurar melhores consensos sociais e políticos, avança hoje o SOL.
A pensão máxima seria de 5.030 euros, diz ele.
Não contesto nem deixo de contestar esta ideia, mas contesto a forma, o momento, a forma leviana como se fala de uma coisa destas. Assim, pelos jornais, são bocas e contra-bocas sobre um assunto que exigiria contenção, que é tecnicamente complexo, que se mede através do recurso a técnicas actuariais, a projecções demográficas. Assim, são achas para a fogueira, nada mais - e mostra a mais absoluta descoordenação. Uma vergonha. Se ele acha isto, seria dentro do Governo que o deveria defender e não na praça pública. Quando a confusão já está generalizada, que espera ele conseguir em lançar mais cartas para cima da mesa? Aumentar a balbúrdia? Não percebe que já ninguém sabe a quantas anda?
E ainda não perceberam que isto se dirige a gente? A gente de carne e osso, quero eu dizer... A gente que anda aflita sem saber se vai ter dinheiro para fazer frente às despesas... Ainda não perceberam?
Que impressão que isto me faz.
Mas vou deixar-vos com dois poemas de Brecht. Estou constipada ou engripada ou lá o que isto é, sinto-me doente, meio febril, com dores de garganta, um pingo constante. Estou toda encasacada como se estivesse no inverno - eu que sou uma encalorada. Não sei se foi do frio que apanhei nestes dias, se foi dos babies a tossirem-me para cima, se é de outra coisa qualquer, mas tanto faz. Tenho que ir tomar um ben-u-ron de 1mg, beber um chá quente e enfiar-me na cama que amanhã me espera um dia dos valentes.
E estar aqui a escrever para desanimar ainda mais quem me lê e já anda preocupado, também me chateia. Mas vocês desculpem-me: estou preocupada com isto. Um país ser governado por um fulano que não sabe nada de nada, que nem sequer sabe ser líder, é uma desgraça. E, sendo como é, podia ter arranjado uma equipa boa e apoiar-se neles. Mas não, encostou-se a um fulano esquisitíssimo e que nem contas simples sabe fazer. Claro que poderíamos ter no presidente da república uma válvula de escape, mas não, é o contrário: não atina, anda desfasado, acobardado ou lá o que é. Outra desgraça.
Não é que eu tenha perdido a esperança. Não perdi. Mas é que não perdi mesmo. A Igreja também não esteve tanto tempo tolhida, manietada, com a sua prática virada do avesso, e, de repente, não aconteceu isto de ter aparecido um Papa que é uma lufada de ar fresco? E por cá? Não é também uma lufada de ar fresco a vinda de D. Manuel Clemente para Patriarca de Lisboa?
Então? Porque não há-de de repente, sem que a gente perceba como, aparecer alguém decente, uma solução capaz para tudo isto?
Eu acredito nisso. E farei tudo o que estiver ao meu alcance para o conseguirmos. Acima de tudo não nos podemos demitir das nossas responsabilidades - porque nós temos a responsabilidade de escolher bem, de exigir justiça, de lutar contra a destruição das nossas vidas e do nosso País.
Mas, então, fiquemos com estas belas interpretações de Bertold Brecht [Cia. do Porão (Núcleo 33 de teatro da Fundação das Artes de São Caetano do Sul) para apresentação do espectáculo A Padaria].
Léia Nogueira diz:
Bertolt Brecht - Aos que virão depois de nós
Eu vivo em tempos sombrios.
Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez,
Uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ainda ri é porque ainda não recebeu a terrível notícia.
Que tempos são esses,
Quando falar sobre flores é quase um crime.
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?
Aquele que cruza tranqüilamente a rua
Já está então inacessível aos amigos
Que se encontram necessitados?
É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.
Mas acreditem: é por acaso. Nada do que eu faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Por acaso estou sendo poupado.
(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)
Dizem-me: come e bebe!
Fica feliz por teres o que tens!
Mas como é que posso comer e beber,
Se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?
Se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede?
Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.
Eu queria ser um sábio.
Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:
Manter-se afastado dos problemas do mundo
E sem medo passar o tempo que se tem para viver na terra;
Seguir seu caminho sem violência,
Pagar o mal com o bem,
Não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.
Sabedoria é isso!
Mas eu não consigo agir assim.
É verdade, eu vivo em tempos sombrios!
II
Eu vim para a cidade no tempo da desordem,
Quando a fome reinava.
Eu vim para o convívio dos homens no tempo da revolta
E me revoltei ao lado deles.
Assim se passou o tempo
Que me foi dado viver sobre a terra.
Eu comi o meu pão no meio das batalhas,
Deitei-me entre os assassinos para dormir,
Fiz amor sem muita atenção
E não tive paciência com a natureza.
Assim se passou o tempo
Que me foi dado viver sobre a terra.
III
Vocês, que vão emergir das ondas
Em que nós perecemos, pensem,
Quando falarem das nossas fraquezas,
Nos tempos sombrios
De que vocês tiveram a sorte de escapar.
Nós existíamos através da luta de classes,
Mudando mais seguidamente de países que de sapatos, desesperados!
Quando só havia injustiça e não havia revolta.
Nós sabemos:
O ódio contra a baixeza
Também endurece os rostos!
A cólera contra a injustiça
Faz a voz ficar rouca!
Infelizmente, nós,
Que queríamos preparar o caminho para a amizade,
Não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.
Mas vocês, quando chegar o tempo
Em que o homem seja amigo do homem,
Pensem em nós
Com um pouco de compreensão.
Renata Vasquez diz:
Bertold Brecht - O analfabeto político
O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão,
do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio
dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia
a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta,
o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista,
pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo."
Bertold Brecht - Nada é impossível de Mudar
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de
hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem
sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar.
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Hoje, no meu Ginjal e Lisboa, a love affair, tenho uma interpretação fabulosa de Bassekou Kouyate e, antes disso, três poemas cantados pel'A Naifa: um de José Luís Peixoto, outro de Adília Lopes, e outro de Eduardo Pitta. Vale a visita, acho eu. Assim, doente como me sinto, não me dá para outros voos. Mas, reparo eu agora, no mesmo post consegui incluir dois ódios de estimação da Ana Cristina Leonardo. Isto se ela também não tiver também uma aversãozita à Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, aka Adília Lopes...
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E, desejando sinceramente que, entre mortos e vivos, escape algum, vou esperar pela manhã de amanhã para saber das brilhantes conclusões do Conselho de Estado.
Tenham, meus Caros Leitores, uma bela terça feira!
Um abraço :)
ResponderEliminarOlá,
ResponderEliminarObrigada pelo Brecht, tão verdadeiro e tão esquecido!
Tambén me lembrei da Sophia: «Temos ouvidos e lemos, não podemos ignorar».
Claro que estou preocupadíssima com o futuro do Mourinho.
Com o meu e o da minha mãe é que não estou mesmo nada preocupada!
Como poderia estar se ainda ontem tivemos 18 ou 19 cabecinhas importantes e sábias a debater o nosso futuro pós-Troika?
Nem sei mesmo porque me sinto como se estivesse a navegar num barquito de papel no meio de um tsunami...
Mas que parva que sou!!!
Espero sinceramente que 1mg de paracetamol chegue para afastar o resfriado, mas não seria melhor ficar na caminha a descansar?
Ok, ok, não precisa protestar, já sei que não é mulher de 'ir ao chão' facilmente.
Beijinho e boas melhoras!!!
Antonieta
ps: mas será que a Leonardo gosta de alguém?
Pedindo perdão a Dona Sophia (como diria a Maria Bethânia), a transcrição correcta é:
ResponderEliminar«Vemos, ouvimos e lemos
não podemos ignorar»
poema magnificamente cantado por Francisco Fanhais.
Antonieta
Olá UJM!
ResponderEliminarComunicado da Presidência da República sobre a reunião do Conselho de Estado:
"2. Com base em exposição do Presidente da República, o Conselho debruçou-se sobre os desafios que se colocam ao processo de ajustamento português no contexto das reformas em curso na União Europeia e tendo em vista o período Pós-Troika.
3. No quadro da criação de uma União Bancária, o Conselho analisou a instituição dos mecanismos de supervisão, de resolução de crises e de garantia de depósitos dos bancos, um passo da maior importância para corrigir a atual fragmentação dos mercados financeiros da Zona Euro.
4. O Conselho debruçou-se igualmente sobre a perspetiva do reforço da coordenação das políticas económicas e da criação de um instrumento financeiro de solidariedade destinado a apoiar as reformas estruturais dos Estados-Membros, visando o aumento da competitividade e o crescimento sustentável.
5. O Conselho de Estado entende que o programa de aprofundamento da União Económica e Monetária deve criar condições para que a União Europeia e os Estados-Membros enfrentem, com êxito, o flagelo do desemprego que os atinge e reconquistem a confiança dos cidadãos, devendo ser assegurado um adequado equilíbrio entre disciplina financeira, solidariedade e estímulo à atividade económica."
Perceberam??? Eu não!Parole, parole, parole, já cantava a Dalida nos idos anos 60 do século passado!
Um abraço
Olá UJM,
ResponderEliminarEspero que já se encontre melhor da sua gripe, também me sinto adoentada, mas agora já nem podemos adoecer... Aguenta, aguenta!...
Gostei do que escreveu e dos poemas de Brecht, verdades e mais verdades!
Ainda não ouvi nada sobre os assuntos discutidos no Conselho de Estado, mas espero que se tenham debruçado sobre os assuntos atuais e não do século XXII...
Um beijinho para si e as suas melhoras
Cara UJM,
ResponderEliminarAntes de tudo e como não poderia deixar de ser, desejo-lhe recuperação rápida das suas maleitas.
Belo post com inspiração nos sempre inesquecíveis poemas e arte de Brecht.
Sem dúvida que teremos de preparar as veredas para os que virão depois de nós, pois se tudo falhar, poderemos zarpar a um porto inseguro, onde depois de nós apenas o caos. Isso é o que não queremos para os nossos nem sequer para nós. Mas a turbulência mantém-se e continuamos a assistir a uma farsa que já engloba gente do passado recente e conúbios de duvidosa confiança.
Afinal parece que Portas cedeu mesmo…ou serão vozes de subterrâneo?
Muita saúde para si e para os seus.