Este período é fértil em temas que me mobilizam. Ando para continuar a minha história da Isabel, a mulher ciumenta, e a do Dr. Sotto Aguiar, um executivo com muita pinta e uma vida familiar muito chata, e não consigo. Ainda hoje vinha danadinha para pegar no bonitão e, afinal, as notícias são sempre tão preocupantes que me apetece denunciar a má gestão pública e desmontar a deficiente interpretação de alguns factores de análise.
Portanto, hoje já não devo ter fôlego para alguma diversão depois desta minha empreitada de serviço público aqui (presunção e água benta cada um toma a que quer, certo?), e depois do meu veraneio pelo Ginjal (se é que lá vou conseguir ir...).
Agora vamos a coisas sérias (e espero que não muito maçadoras para vocês).
*
Música, por favor
(Para haver aqui alguma coisa que se aproveite)
1. Volto a Paulo Portas e só espero que não me chamem alentejana: primeiro porque seria aborrecido para os alentejanos e, depois, porque não falei ontem, como devia, porque aquela cena da histeria pela ida aos mercados me tirou do sério.
E volto a Paulo Portas não por qualquer paranóia em relação a ele, que não tenho (porque até acho que ele, bem encarreirado e bem acompanhado, talvez até pudesse ter salvação... - assim, entregue a si próprio e pessimamente acompanhado, perde-se irremediavelmente), mas porque ultimamente o tenho visto em 'números' graves, em 'cenas' que são más para o País e que não abonam nada a favor da sua boa conduta política, profissional e, até, patriótica.
Sobre as fantochadas encenadas com o inqualificável primeiro ministro (que só não digo que faz coisas verdadeiramente under dog porque gosto muito de cães), já falei no fim de semana e na segunda feira.
Hoje vou falar de outra coisa. Vi-o ontem na televisão, penso que acompanhando o Cavaco na visita do Presidente da Turquia e de uma delegação de empresários, falando do bom que é investir em Portugal. Até aqui tudo bem e é o papel dele. O pior veio a seguir. De que investimentos falou Paulo Portas? Pois bem: em vez de querer cativar investimento para novas actividades, não: começou a vender as empresas nacionais. Qual vendilhão, pôs-se a enumerar: vendia tudo, correios, transportes, tudo. Ao ouvi-lo saí da sala, não consegui ver mais. Não é possível termos um ministro a fazer coisas destas.
Vender as nossas empresas é vender anéis, quando não vender os dedos. Entra dinheiro, apenas isso. Mas é dinheiro que se vai evaporar como manteiga em focinho de cão. Vendendo as nossas empresas a empresas estrangeiras (e, por cúmulo da aberração, vender a empresas estatais estrangeiras!), é poder de decisão que sai do País (e eu sei, e - read my lips! - eu sei mesmo, que isso acontece e que isso é mau para o País), são serviços que fecham, quando não núcleos de actividade que 'vão à vida' (vide a Cimpor, por exemplo).
O que importa agora, mas importa muito, é cativar investimento fresco, investimento externo para desenvolver novas actividades, para criar valor no país, para criar postos de trabalho. Claro que, na prática, o que estou a dizer é investimento fresco para 'gerar' novos contribuintes (pelo lado do IRS, IRC, IVA e TSU) e reduzir beneficiários de massa social (menos subsídio de desemprego, menos subsídios de inserção social). E isto é vital para um País, vital. E, para nós, neste momento, é absolutamente indispensável.
E porque é importante atrair investimento estrangeiro? Podia ser nacional, talvez pensem. Mas digo investimento estrangeiro não apenas porque são recursos que entram no País mas, sobretudo, porque os investidores nacionais estão exangues. Tirando os grande merceeiros, quase não há mais grandes empresários endinheirados em Portugal.
Mas, meus Caros Leitores, dinheiro no mundo é o que não falta. E há bons investidores, investidores com liquidez e que buscam entrar no mercado europeu ou arranjar portas para África (de novo: read my lips, sei do que falo). E é isso que interessa atrair. Atrair investimento para novos projectos, projectos localizados cá - atrair dinheiro, invocando a existência de mão de obra qualificada, mão de obra com conhecimento de línguas, e bom clima e um bom sistema viário, bons portos, alojamento agradável, um bom sistema de ensino, bons hospitais, e etc, etc, etc. Claro que deveriam poder também invocar um sistema fiscal justo, adequado, estável.
Ora, o que esta cambada de incompetentes está a fazer é tudo ao contrário: não apenas afugentam os jovens, a mão de obra mais qualificada e mais motivada, como deixam de manter as estradas, querem espatifar com o sistema de ensino e com o sistema de saúde e, sobretudo, não sabem captar investimento estrangeiro para novas actividades. E, no campo fiscal, não só o transformaram num pesadelo como, pior ainda, num pesadelo em constante mutação (e, caraças!, sempre para pior) - ora é sabido que as decisões de investimento assentam na previsibilidade. Para investir fazem-se planos a médio/ longo prazo. Ora, na actual conjuntura, com o país entregue a um absoluto desgoverno, quem é que consegue fazer qualquer plano usando factores variáveis internos? Ninguém. Todas as previsões do Governo falham e todo o dia são conhecidas novas medidas, mas medidas avulsas, imprecisas, medidas que caem dias depois. Um caos.
Portanto, que Paulo Portas, em vez de se concentrar no que é deveras importante para Portugal, ande a inaugurar mini ginásios na Índia ou a ver se vende a pataco as nossas empresas acho, pois, muito grave, acho uma tristeza, uma grande, grande tristeza.
2. Um outro assunto. Li hoje um texto muito interessante, escrito por alguém cujos textos (e poemas!) leio assiduamente pela oportunidade, lucidez, inteligência e cultura. O texto chama-se Caminhos de Ajustamento e aborda uma análise que merece reflexão: será possível uma sociedade liberal sem a intervenção social do Estado?
A minha opinião, tal como a de JCM, autor do texto contido no blogue Kyrie Eleison, é a de que não é possível. Ou melhor, não é desejável.
No entanto, aquilo a que assistimos em Portugal não é apenas o primado de uma visão liberal. Aquilo a que assistimos é uma visão ignorante, estúpida. Pensam que são liberais, modernos, mas, para nossa desgraça, o que são é muito incompetentes, muito pouco inteligentes.
Durante vários anos contactei muito de perto com alemães e holandeses. Na altura, eu ficava admirada com o nível fiscal elevado que tinham nos seus países. Na altura, há uns anos, Portugal não tinha um nível fiscal muito elevado. Na Holanda ou na Alemanha, na altura, era mais elevado. E, no entanto, eles não se queixavam. Na altura, o ensino lá era absolutamente gratuito. Os miúdos não pagavam nem sequer os livros ou o material escolar. Havia creches gratuitas, escolas para todas as idades, tudo gratuito. Na altura, em Portugal não havia creches gratuitas, as escolas primárias públicas funcionavam em meio horário, obrigando grande parte das mulheres trabalhadoras a terem os filhos em escolas particulares. E os livros e todo o material, que não era nada barato, era (e ainda é) pago. E lá, contavam-me eles, havia também uma assistência fantástica à maternidade (e, na altura, eu reportava-me ao meu caso, em que tinha tido apenas 3 meses de licença enquanto lá, salvo erro, era variável entre 6 meses e um ano). E havia mais um conjunto de factores com que agora não vou estar aqui a maçar-vos mas que eles valorizavam com entusiasmo.
Ou seja, uma sociedade desenvolvida não tem que desprezar o lado social da intervenção do Estado. Muito pelo contrário. E é que, também muito pelo contrário, um bom sistema público de apoio não apenas propicia condições dignas à população, como garante igualdade de acessos a toda a gente - e isso é a base de todos os sistemas democráticos, desenvolvidos, sustentados.
Quando se diz que em Portugal há um peso excessivo do Estado não se está a dizer toda a verdade.
É um facto que há uma parte significativa da população que vive do Estado (tal como há uma camada crescente que vive do ar): são os desempregados, os pensionistas, e são, claro, os funcionários da administração pública.
Mas tudo isto não seria dramático se as contribuições e impostos estivessem a entrar na proporção do dinheiro que sai para fazer face aos pagamentos.
Se houver poucos desempregados, se estiverem a entrar novos contribuintes ao ritmo a que entram no regime de reforma novos pensionistas, se os serviços prestados pelo Estado forem adequados às necessidades e não menos eficientes que equivalentes privados, todo o sistema estaria a funcionar balanceadmente, sem desequilíbrios.
O que está mal em Portugal (tal como está mal nos países em que tem imperado a receita estúpida, burra, da austeridade como único critério de gestão da coisa pública) é que se desequilibrou a equação.
Gente burra é um problema. Onde metem as patas dão cabo de tudo.
Gente burra é um problema. Onde metem as patas dão cabo de tudo.
É o que tem acontecido: ao diminuírem o rendimento líquido de parte significativa da população, retiraram liquidez da economia. Sem liquidez e sem confiança (que são os grandes motores da economia), o sistema económico entrou em desequilíbrio. Isso levou ao encerramento de grande número de pequenas actividades intermédias (que, no conjunto, empregam muita gente): pequenas lojas, restaurantes, etc. Com isso, começou a ruir, em cadeia, toda a economia de retalho.
Quando isto acontece, não apenas são pessoas que deixam de consumir (retiram os filhos dos colégios, deixam de ir ao cabeleireiro, deixam de ir ao cinema, etc, acarretando novos encerramentos) como deixam de contribuir com o anterior nível de impostos e contribuições. Ou seja a equação começa a tornar-se inequação. Mas, ao entrarem no desemprego, acresce que as pessoas passam de contribuintes a beneficiárias. Ou seja, mais agravam a inequação pois há uma actuação nos dois lados da equação e, em ambos os casos, mexendo no sentido errado.
(Para facilitar: supondo que entravam 100 nos cofres de estado e que era preciso efectuar 100 de pagamentos. Estaria tudo bem, à justa, mas bem. Suponhamos agora que, com medidas burras, em vez de 100, passam a entrar menos impostos e contribuições, que entra apenas 70. Já tinha desequilibrado isto tudo pois os 70 já não davam para pagar os 100. Só que, com as medidas estúpidas, as pessoas passam de contribuintes a beneficiárias, ou sejam, passam a receber subsídio de desemprego, e, em vez de ter que pagar os 100 anteriores, passa a ser necessário pagar 130. Ou seja, desgraçam a vida das pessoas e qual o resultado? De receitas passam a ter 70 para fazer face a 130 de pagamentos. Ou seja, não dá! Deram cabo de tudo!)
E quando constatam isto, o que é que estas alimárias concluem? Ou seja, como é gente sem cabeça, o que é estes governantes fazem? Aqui d'el rei, o país não suporta tanta despesa social! E então, vai daí, reduzem o número de funcionários públicos, reduzem as reformas, deixam de pagar subsídio de desemprego a mais pessoas ... ou seja, agravam o problema. Ou seja, continuam retirar liquidez da economia... e mais actividades a fecharem. E vai daí, continuam, continuam.
Antes disso já tinham, é claro, suspendido todos os investimentos públicos. Acabaram com a construção ou reparação de estradas, acabaram com o TGV, com a nova ponte, com o Parque Escolar, com o programa Pólis e com tudo o que fazia girar a economia. Eram investimentos públicos, é certo, mas, ao serem investimentos que chegavam a todo o território, eram empregos que existiam um pouco por todo o lado, empresas que faziam projectos, que produziam materiais, operários, engenheiros, e depois era preciso haver restauração local para acorrer a esses trabalhadores, era preciso haver transportes para levar pessoas e materiais, etc. Era gente que descontava, eram impostos que entravam, eram contribuições para a Segurança Social. Ora, por obra e graça desta gente, tudo isso acabou.
Claro que não estou a dizer que o que havia era um mundo perfeito. Não era. E não era porquê?
Porque, no decurso de todos estes anos de UE, Portugal foi levado (e aceitou! Com Cavaco à cabeça!) a encerrar grande parte da sua actividade produtiva ou extractiva.
O País não estava bem pois importava mais do que exportava. E era aí que se deveria incidir. Sócrates tentou-o: tentou construir e exportar navios, computadores, casas pré-fabricadas. Nem tudo lhe correu bem mas conseguiu algumas coisas e isso é melhor que nada. E, sobretudo, tentou.
Estes sujeitos agora é que não fazem nada do que é importante e, pelo contrário, agindo com as patas (é que nem é com os pés...), fazem tudo ao contrário, dão cabo de tudo.
Mas o pior ainda está para vir. Não quero ser a versão feminina do Medina Carreira mas ouçam o que eu vos digo: o pior está para vir.
É que não são só os desmandos que esta gente anda a levar a cabo nisto que acabei de, sumariamente, descrever: é também a demografia.
A gestão de um País tem que assentar na sua demografia. Ora isso por cá é chinês. Ninguém sabe, ninguém quer saber. Uma correcta gestão nacional tem que fomentar, através de políticas públicas, uma demografia saudável.
Ouvi no outro dia que o número de alunos do ensino básico é agora cerca de 51% do que era há uns anos. Ora estes 51% de miúdos, serão 51% de adultos a curto prazo. Dramático. E, desses, a continuarmos na mesma onda, grande parte estará desempregada. E será a pequena parcela empregada que irá sustentar todo o sistema social da população. O que significa isso? Impossibilidade matemática. Logo: miséria.
Vamos voltar ao que era antes do 25 de Abril. Não conheci, como adulta, essa realidade - mas ouvi falar. Velhos sem rendimentos, dependentes da esmola dos filhos. Mas pior. Nessa altura, a demografia estava em crescendo. Havia velhos pobres mas havia uma geração adulta em ascensão, com rendimentos. Daqui por uns anos haverá poucos adultos, muitos dos quais desempregados ou que emigrarão fazendo os seus descontos noutros países. Ou seja, não haverá quem sustente o estado social, sequer quem garanta o alimento à população mais velha.
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O texto saíu-me imenso e ao tentar aligeirá-lo, inserindo algumas imagens, mais uma vez me ocorreu Francis Bacon, o pintor que se auto-retratou como se estivesse em decomposição, que retratou outros corpos como se estivessem tomados pelo horror, pela abjecção. Não são imagens bonitas de se ver. Mas não me ocorreu nada mais apropriado.
Em contrapartida, apeteceu-me ter aqui Simon and Garfunkel e o seu inesquecível The Sounds of Silence (Hello darkness, my old friend,..., And in the naked light, I saw ten thousand people, maybe more, people talking without speaking, people hearing without listening...).
Os sons do silêncio parecem-me apropriados ao momento mas a sonoridade da canção traz-nos algum amparo.
Muito gostaria ainda de vos convidar a visitarem-me também no meu Ginjal e Lisboa. Hoje não encontrei por lá a paz que tão bem me faz. Pela mão de André Tomé as minhas palavras não se aquietaram. Mas, ainda assim, gostava de vos ter por lá. A música, essa sim, é uma animação: a música do Mali pelo fantástico Ali Farka Touré.
Em contrapartida, apeteceu-me ter aqui Simon and Garfunkel e o seu inesquecível The Sounds of Silence (Hello darkness, my old friend,..., And in the naked light, I saw ten thousand people, maybe more, people talking without speaking, people hearing without listening...).
Os sons do silêncio parecem-me apropriados ao momento mas a sonoridade da canção traz-nos algum amparo.
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Caso encontrem gralhas, por favor relevem, está bem? Não consigo ainda ir rever isto, tenho sono... Mas, se encontrarem algum há sem h ou outra calinada do género, avisem-me sem qualquer espécie de prurido, está bem?
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Muito gostaria ainda de vos convidar a visitarem-me também no meu Ginjal e Lisboa. Hoje não encontrei por lá a paz que tão bem me faz. Pela mão de André Tomé as minhas palavras não se aquietaram. Mas, ainda assim, gostava de vos ter por lá. A música, essa sim, é uma animação: a música do Mali pelo fantástico Ali Farka Touré.
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Resta-me desejar-vos uma bela quinta feira. Ânimo, energia, alegria é o que precisamos.
Muito obrigado, UJM, pela referência ao Kyrie Eleison. Estou completamente de acordo com a reflexão que faz ao problema demográfico. Não enfrentá-lo politicamente representa um verdadeiro suicídio colectivo. Há ainda outra questão relevante, para além da estupidez natural da governação. Trata-se da transparência dos negócios públicos e do controlo desses negócios pelos cidadãos. A ausência de transparência e de controlo cívico tem permitido que o bem comum venha sendo dilapidado de forma praticamente impune.
ResponderEliminarCumprimentos
Olá jeitinho,
ResponderEliminarObrigada pelo serviço público.
Beijinho Ana
Subscrevo inteiramente o seu Post!
ResponderEliminarP.Rufino
Olá UJM,
ResponderEliminarEstou consigo e subscrevo tudo o que diz.
Obrigada
Um beijinho