Desde o berço sou escritora. Ao abrir os olhos, jurei ter fé nas palavras, com elas contar uma história.
Este ofício, acaso mundano e perverso, me compromete com a fala poética, com o discurso do mistério, com o coração da língua. Mas, na condição de aprendiz, rastreio o transcurso literário dos antecessores a fim de saber onde eles estiveram, e eu não estou. A quem eles amaram, e eu não amei.
Consulto as enciclopédias, e os rostos destes escritores divergem do meu. São contrários ao meu, de hoje. O coração, a língua e o século, a que estiveram atrelados, os distanciam de mim. Ainda assim, devo-lhes gênese e aprendizagem. E onde estejam agora, talvez no Père-Lachaise, persiste neles o epicentro irradiador de saberes e de alento literário. Cada frase que escreveram fundamenta a construção literária.
Solitária ou na multidão, eu desfruto de seus enigmas, das suas partículas narrativas, mima-me com a atualidade dos seus pensamentos. os ponteiros do relógio, que ora consulto, dizem o ano em que estou, mas nada diz da hora da nossa morte. E, apesar de tudo, sei que é mister percorrer campinas e grotões. Ir até onde a arte se aloja e eu naufrago. Apalpar a emoção, que é a âncora humana.
O amor reclama palavras porque sabe que o corpo não fala. As palavras, que verberam na casa, exacerbam os sentimentos por meio da arte. Elas conferem aos amores uma eloquência que não merecem.
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O texto é parte do Livro das Horas, memórias, de Nélida Piñon.
Desconheço a autoria da primeira fotografia. A segunda é de Jonas Andréasson.
A música é Você e é interpretada por Maria Bethânia e Omara Portuondo.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um sábado muito bom.
... e assim se fala
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