Este sábado, depois da manifestação, tive um programa familiar com baby sitting até tarde pelo que só cheguei a casa à uma da manhã, incapaz de fazer outra coisa que não dormir como uma pedra. Este domingo, durante o dia, também não me foi possível chegar aqui. Só agora o consigo.
Tirei centenas de fotografias pelo que seleccionar algumas para vos mostrar não é tarefa fácil. Uma vez mais refiro que, se alguma das pessoas que aqui aparece não o autorizar, bastará que me escreva que eu retirarei a respectiva fotografia.
O que foi aquele mar de gente já todos o viram pelo que, uma vez mais, vou tentar fugir às visões panorâmicas e tentar aproximar-me das pessoas. Aqui como lá, são as pessoas e o que significa a presença de cada uma na grande manifestação de cidadania que se viveu este sábado, que mais me interessa.
Não sou comedida, é sabido, pelo que o programa de festas puxou um pouco pelo físico. Partimos de Santos a pé, deveriam ser umas três da tarde e, daí até às oito e meia não parámos. Presumo que tenhamos feito uns seis quilómetros (mas quem anda de gosto não se cansa - e foi o caso).
Começámos por subir a D. Carlos I. A Assembleia estava tranquila, claro. Contudo, alguns carros da polícia mostravam que estavam preparados para o que desse e viesse.
A Assembleia da República protegida por grades e em estado de alerta |
Depois, ali para as bandas de S. Bento, uma inscrição numa parede fazia a pergunta certa nestes dias de violência contra os portugueses.
Até quando vais ser ovelha? |
Nas ruas todos os caminhos iam desaguar no Marquês. Descendo a Alexandre Herculano via-se a Fontes Pereira de Melo cheia de gente, o Marquês cheio.
Famílias com crianças, gente de meia idade, gente de muita idade, gente em cadeiras de rodas, gente improvável em manifestações até há poucos meses atrás.
O descontentamento saíu à rua |
As pessoas fizeram os seus pequenos cartazes, as suas própria formas de manifestar o seu descontentamento e eu acho isso maravilhoso: as pessoas estão a desinibir-se, estão a sair de casa, começam a exprimir o seu aborrecimento ou desespero.
Por essa altura já a Avenida da Liberdade estava cheia. Um mar de gente. A criatividade estava patente em incontáveis pequenos cartazes. Mas a mensagem era comum: toda a gente está farta de tanto abuso, toda a gente está descontente, toda a gente perdeu o respeito a esta gentinha que nos (des) governa.
FODA-SE: Fora Os Déspotas Agiotas - Serviços de Empobrecimento! |
Os muitos milhares de pessoas que, em uníssono, em sintonia, desciam a Avenida da Liberdade eram formados por gente de todos extractos sociais e níveis etários. A maioria seria gente da classe média, a classe média que está a ser perseguida, ofendida, espoliada. A classe média que, em parte, costuma votar no PSD e no CDS.
Encontrámos conhecidos, colegas, gente que nunca se imaginaria ver numa manifestação. Mas estavam lá, 'tem que ser', diziam, 'isto assim já não vai lá'.
No sábado à noite, quando os meninos já dormiam, ouvi no Eixo do Mal o Pedro Marques Lopes (anteriormente apoiante de Passos Coelho) dizer que tinha lá estado pois considerou importante demonstrar que esta não foi uma manifestação de esquerda. E contou que muita gente se lhe dirigiu a mostrar o cartão do PSD ou dizendo-lhe que tinha votado no PSD mas que agora estavam indignados, queriam que fosse posto cobro a isto.
Esta foi, pois, uma manifestação de todos. E muitas crianças: uma das gerações ameaçadas, filha de pais e avós ameaçados. Deviam ser o futuro e tudo deveria ser feito para que o seu futuro fosse vivido em Portugal.
No sábado à noite, quando os meninos já dormiam, ouvi no Eixo do Mal o Pedro Marques Lopes (anteriormente apoiante de Passos Coelho) dizer que tinha lá estado pois considerou importante demonstrar que esta não foi uma manifestação de esquerda. E contou que muita gente se lhe dirigiu a mostrar o cartão do PSD ou dizendo-lhe que tinha votado no PSD mas que agora estavam indignados, queriam que fosse posto cobro a isto.
Esta foi, pois, uma manifestação de todos. E muitas crianças: uma das gerações ameaçadas, filha de pais e avós ameaçados. Deviam ser o futuro e tudo deveria ser feito para que o seu futuro fosse vivido em Portugal.
Não somos lixo, somos o futuro!! |
E vinham os grupos ligados à Saúde, os ligados ao Ensino, os Precários, o pessoal da RTP.
E uns seguravam cartõezinhos encarnados, outros seguravam as folhas escritas em casa. Todos juntos, falando a uma só voz. O povo unido jamais será vencido. O povo unido jamais será vencido.
Se emigrarmos, quem cuidará de Portugal? Emigra tu, Coelho! |
A política não pode continuar na mão de 'habilidosos', corruptos, medíocres. Basta! A austeridade tem limites. Haja decência, haja sensatez! Haja vergonha! |
É preciso lutar de novo, lutar sem parar, para que volte a ser do povo tudo o que nos estão a roubar.
Os números do Pedro: 6.500 milhões de euros para recapitalizar a banca, 1.400.000 desempregados, queda do PIB em 3.2%, 100.000 portugueses que emigraram, 1672 tentativas de suicídio em 2012 |
Ao contrário do que ouvi o Prof. Marcelo dizer há pouco, não achei que as pessoas estivessem tristes. Não. Acho que as pessoas estavam unidas, determinadas, por vezes emocionadas.
De repente, as pessoas perceberam que têm voz, que as ruas são suas, que há muitas na mesma situação de descontentamento e revolta.
Investigo. Logo trabalho. |
E, de repente, toda esta gente, muita gente, que vem para as ruas sente-se à vontade para dizer o que pensa. Novos, velhos, ricos, pobres, brancos, pretos, saudáveis, doentes. Todos iguais.
Ulrich não aguentamos sustentar-te Professor Karamba a Ministro das Finanças |
E viam-se famílias inteiras, do avô ao neto, grupos de amigos, foliões, amigos de idade, gente sozinha. A rua a todos acolheu. O povo. O heróico povo. O nobre povo.
Heróis do Mar, nobre Povo |
Claro que havia muitas caras conhecidas, de todos os quadrante. Não as mostro aqui porque estavam lá não como figuras públicas mas como cidadãos em revolta. Mostro apenas uma delas porque vi que estava a ser entrevistada.
Catalina Pestana, apoiada na sua bengala, fala com Pedro Moutinho da SIC |
E, depois, via-se como algumas pessoas tinham trabalhado para trazerem para a rua uma mensagem mais elaborada e como faziam questão de mostrar ao mundo a sua visão dos tempos que correm. E chega a ser tocante a forma como certamente trabalharam em casa para mostrar um trabalho bem feito.
"A obediência dos povos é a fome dos tiranos", Agostinho da Silva |
E eu ia descendo a Avenida. Um mar de gente. Um mar. Mais à frente os chapéus de chuva da APRE! cobrindo muitos cabelos brancos. Muita gente de muita idade. Gente com bom ar. Os que contavam que o Estado honrasse os seus compromissos e que contavam ter uma velhice digna, usufruindo do que tinham contratado e agora apontados como uns parasitas usurpadores. E gente humilde. E gente certamente a a atravessar sérias dificuldades. E gente emocionada por ver a força que a união faz.
APRe! Não somos descartáveis |
Nem todos protestavam contra o Governo (embora a maior parte o fizesse): alguns protestavam contra Cavaco Silva.
Aliás, um dos aspectos mais claros neste protesto é que a indignação das pessoas é em primeiro lugar contra os membros deste Governo, mais até do que contra a Troika ou o FMI - embora se ouvisse, de vez em quando, FMI, fora, fora daqui! FMI, fora! Fora daqui!
Aliás, um dos aspectos mais claros neste protesto é que a indignação das pessoas é em primeiro lugar contra os membros deste Governo, mais até do que contra a Troika ou o FMI - embora se ouvisse, de vez em quando, FMI, fora, fora daqui! FMI, fora! Fora daqui!
Os cortes não são para todos O que ganham os que nos cortam: Presidente da República 7.630 de ordenado + 3.052 de despesas de representação Acabem com elas! |
E, claro, para além das mensagens de protesto, mais ou menos explícitas, havia também elegância, irreverência, beleza, carisma, pinta.
Sem comentários, alguns exemplos, antes de prosseguir com o 'relato' da manifestação.
Que se lixe a troika. O povo é quem mais ordena! |
Fora! (Apesar da beleza e da doçura deste sorriso) |
Tristeza? Não, que ideia. Sorrisos. Força, união, vontade de lutar.
Estava, então, já no Terreiro do Paço. Um cartaz ao alto dizia ao que íamos. Um coelho e um cartaz: Rua!
Aliás, das palavras de ordem mais ditas, gritadas, cantadas, sobressaía a seguinte: Deixa passar! Estou na rua para o governo derrubar. Deixa passar!
Rua! |
Quando cheguei ainda a cabeça da manifestação não tinha chegado. Consegui circular, andar por ali, pelo Páteo da Galé, pelas arcadas, sentindo a energia daquele ambiente, fotografando. Depois foi escolher o local onde depois me iria posicionar para ver de perto a entrada no Terreiro de Paço, junto à entrada da Rua do Ouro.
Ser pacífico não significa ser passivo. Prefiro mudar o país do que mudar de país Queria um mano mas os meus pais dizem que a troika não deixa |
Aqui continuavam os cartazes improvisados, alguns feitos visivelmente com algum carinho. Uma mostra de criatividade e, também, de cultura e humor na forma de protestar.
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer (Geraldo Vandré) |
A manifestação começava então a chegar em força, um rio de gente unida que desaguava no Terreiro do Paço.
Os portugueses não merecem isto! Governo imoral arruina Portugal |
E depois aconteceu um dos momentos mais emocionantes: a chegada dos reformados. Chegaram cantando e as pessoas batiam-lhes palmas. Não são descartáveis. Claro que não. São estimados por toda a população e não vale a pena Passos Coelho querer virar os jovens contra os velhos porque cá estamos todos para nos respeitarmos mutuamente. Emocionei-me muito com as palmas de carinho que acolhiam os reformados.
Os meus pais são reformados. Um dia eu serei reformada. Exijo respeito agora e sempre. Por eles, por mim, por todos. Apre!
Os meus pais são reformados. Um dia eu serei reformada. Exijo respeito agora e sempre. Por eles, por mim, por todos. Apre!
Os reformados empobrecidos e mal nutridos a alimentarem um governo anafado |
E depois chegou o momento. Eram 18:30, a hora em que a rua cantou o Grândola, Vila Morena. Momento emocionante. A uma só voz, o canto elevou-se. Alguns punhos erguidos, a força que se sente a nascer. O Povo é quem mais ordena!
Até quando? |
Ao meu lado um senhor de alguma idade, boina militar, medalhas ao peito, certamente antigo combatente. Preparou-se a rigor para vir fazer a sua luta. Estava sozinho, emocionado. E eu, que não estava sozinha nem tinha medalhas ao peito, nem estive em nenhuma guerra, estava ali ao seu lado, emocionada também.
Vi que passava na manifestação um antigo ministro da Cultura. Todos iguais. Todos em luta.
O 25 de Abril que o meu pai fez vou ter que o fazer outra vez |
O dia começava a escurecer e o rio continuava a desaguar. Gente, gente, gente.
Se você acha que a educação é cara... experimente a ignorância! Se já não andam aí a fazer nada... façam como o Papa e demitam-se |
Deixa passar! Estou na rua para o governo derrubar. Deixa passar! Deixa passar!
E sempre o maravilhoso sentido de humor dos portugueses.
1974 - 2013 O Governo é quem mais ordenha |
Depois, no meio da multidão, duas senhoras de alguma idade, Cataluña apoya. Sorriam, cantavam a Grândola. Muito bonito.
Temos que falar, temos que gritar nem que seja no dezerto - José Saramago |
Abaixo Passos. Manda emigrar a tua tia! |
Grande parte dos cartazes era dirigido a Passos Coelho, ao Relvas, ao Gaspar. Humorísticos uns, zangados outros. A impaciência dos portugueses tem vindo a aumentar à medida que as provas de incompetência se avolumam.
Gaspa-te daqui p'Fora |
Este governo desmereceu o respeito dos Portugueses - e isto é como nos casamentos: quando se perde o respeito, está tudo perdido.
Ó Passos sabes o que curtar? O teu car.... |
E depois já era quase noite, os candeeiros de Lisboa já se acendiam. E a manifestação começava a chegar ao fim. Mas é o fim por agora porque esta energia, esta união, esta revolta, esta vontade de ocupar a rua, esta vontade de manifestar o desagrado não vai parar. Não vai. Não vai.
Fome de cultura 0.1% |
E depois a minha máquina ficou sem carga e já não consegui fotografar os elementos da LGBT que, divertidos, na maior animação, gritavam Troika, troika, só na cama! Troika, troika, só na cama!
Tristeza?! Não contem com isso. Desânimo?! Isso queriam eles! Não contem com isso. Com humor, a cantar, os portugueses mostram que estão fartos, que não são parvos, que não são ovelhas.
PS: Não posso, contudo, deixar de mostrar alguma decepção face à forma como a organização da manifestação não soube, uma vez mais, aproveitar aquela imensa mole humana. É certo que não é uma organização 'a sério' mas, ainda assim, penso que 'dispor-se' de centenas de milhares de pessoas e não proporcionar um motivo de retenção parece um desperdício lamentável. À medida que a manifestação desaguava no Terreiro de Paço, as pessoas dispersavam pois não havia ali mais nada que fazer. Teria sido razoável, lógico, interessante que artistas cantassem, tocassem música, lessem poesia, fizessem números circenses, etc. Não apenas isso faria com que as pessoas se sentissem mobilizadas para ali ficar um pouco mais como seria mais fácil mostrar a verdadeira dimensão do infindável mar de gente.
Ouvi o Prof. Marcelo, citando um artigo do Público, tentar quantificar o número de pessoas a partir da área do Terreiro do Paço. Ora, é um cálculo errado pois o Terreiro de Paço escoava mal as pessoas chegavam e estando ainda muitas por chegar.
Mas nem é por isso: é que manifestações deste tipo poderiam transformar-se em grandes e mobilizadores e encontros que acabassem em festa.
Fica para a próxima. E, de qualquer maneira, mesmo assim, valeu a pena!!!!
Ouvi o Prof. Marcelo, citando um artigo do Público, tentar quantificar o número de pessoas a partir da área do Terreiro do Paço. Ora, é um cálculo errado pois o Terreiro de Paço escoava mal as pessoas chegavam e estando ainda muitas por chegar.
Mas nem é por isso: é que manifestações deste tipo poderiam transformar-se em grandes e mobilizadores e encontros que acabassem em festa.
Fica para a próxima. E, de qualquer maneira, mesmo assim, valeu a pena!!!!
*
*
Meus Caros Leitores, hoje apenas coloquei uma música no Ginjal, uma belíssima interpretação ao piano de Martha Argerich (com Eduardo Delgado) de Ravel. E, no post de 27 de Fevereiro, incluí o Guernica de Federico Garcia Lorca lido por Germaine Montero, de acordo com sugestão preciosa de uma Leitora e, só por isso,acho que vale bem a pena a vossa ida até lá.
Nem consigo ainda responder aos comentários nem aos mails. Apenas consegui pegar no computador já tarde, este post saíu loooooooooooongo (e só espero que me desculpem esta reportagem tão, tão, tão excessiva...!) e, antes, a escolha das fotografias tomou-me também muuuuuuuito tempo. E agora já é tarde, não consigo mesmo. A ver se amanhã consigo retomar a minha disciplina habitual, está bem?
*
Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana.
E nada de desânimos.
Não é hora de baixar os braços.
Lutemos sempre que a vida deve ser gostosa de viver.
Não é hora de baixar os braços.
Lutemos sempre que a vida deve ser gostosa de viver.
Olá UJM,
ResponderEliminarObrigada pela magnífica reportagem fotográfica que fez e que partilhou com os seus Leitores.
Também concordo consigo no que se refere à organização da manifestação, pois podia ter aproveitado aquelas centenas de milhares de pessoas indignadas para enriquecer e fortalecer ainda mais a fúria de todos nós, com economistas, escritores, pensadores, poetas e artistas vários a apontarem soluções de mudança e a clamarem de livre e viva voz que queremos Portugal de volta, queremos trabalho, queremos uma economia renascida e de novo em pé, em suma, queremos ser felizes e ver a felicidade de novo estampada no rosto das crianças, dos jovens, dos homens e mulheres desempregados e dos reformados indecentemente abandonados e espoliados, porque todos fazemos parte de um grande País, que é, Portugal.
Obrigada mais uma vez pelo seu belo trabalho, eu estive lá, mas como fui sozinha tive que regressar muito cedo.
Um beijinho grande
Uma excelente reportagem, quer fotográfica, quer do que aqui relata. Concordo consigo que o final, quando tanta gente ali estava, deveria ter sido aproveitado de outra e melhor forma. Quem ali foi (e no nosso caso deslocámo-nos cerca de 40 klm até lá), foi lá para marcar uma presença de protesto, para conviver com quem ali estava (acabei por palrar com gente que nunca vi, mas que em comum comigo tinham o mesmo nojo e revolta pelo que se está a passar), para deixar um recado a quem nos desgoverna e poderia ter ali ficado mais tempo a desfrutar aquele manifestação tão extraordinária, com tanta gente (como digo no Post anterior).
ResponderEliminarE discordo igualmente de quem disse, como MRS e Ricardo Costa da SIC, que estavam ali pessoas tristes. É de quem não compreendeu o que se passou e do que sucede no país. As pessoas estão é revoltadas, indignadas, fartas de tanta injustiça social e económica.
Valeu a pena. Foi muita gente, muita. Que encheram o Terreiro do Paço vindas de todas as artérias ali ao lado. E por todo o país o povo mostrou a sua revolta.
E agora?
P.Rufino
Excelente reportagem. Excelente e abrangente, sobretudo para quem (a)seguiu ao longe.
ResponderEliminarQuanto a esse "habilidoso", o gafanhoto explicativo Marcelo, é mais um espécime da praga que domina a pantalha.
Sinceramente, preferia vê-lo
a vender livros de porta a porta...
Desejo-lhe uma boa semana.
Abraço
Olá UJM!
ResponderEliminarTambém lá estive. As minhas parcas fotos , longe da qualidade da sua reportagem estão em http://jcastilho.blogspot.pt/
Permito-me transcrever o editorial do Público de Domingo que faz algumas considerações interessantes sobre a Manif de Sábado de uma forma serena e racional o que é sempre bom depois da emoção de uma grande Manif!
"Não é preciso matemática para medir a insatisfação de Portugal. Empolar só prejudica a mensagem
Milhares de pessoas saíram ontem às ruas, um pouco por todo o país e, nalguns casos, em cidades onde isso nunca tinha acontecido. A mensagem foi claríssima: há um enorme descontentamento em Portugal.
Mais uma vez, os portugueses pediram em massa para serem ouvidos, apelaram à democracia participativa e directa, expressaram a sua desconfiança em relação aos políticos, aos partidos e ao sistema financeiro.
Numa bizarra vontade de provar matematicamente a força da sua mensagem, os organizadores das "marés" de protesto disseram que, só em Lisboa, estiveram 800 mil pessoas. No país, um milhão e meio. Contas simples mostram no entanto o absurdo desses números. Se o Terreiro do Paço, o Rossio, os Restauradores e a faixa central da Avenida da Liberdade tivessem estado - em simultâneo - cheios como um ovo, estaríamos a falar de 350 mil pessoas. Não mais. Não foi isso que vimos nas imagens aéreas que as televisões mostraram.
Este exercício não só prejudica a organização, retirando-lhe credibilidade, como dá ao Governo um pretexto para desvalorizar o que aconteceu ontem em todo o país. E retira, ao mesmo tempo, a força que é a voz de milhares de pessoas na rua. Cinquenta mil pessoas são muitas pessoas descontentes. Cem mil pessoas, 200 mil pessoas não seria suficientemente convincente?
O fundamental é que as manifestações de ontem foram muitas e foram muito grandes. E que não são sequer necessários números para sabermos como os portugueses reivindicam uma mudança. As estatísticas, sondagens e estudos mostram como Portugal mudou radicalmente com a crise. Piorou de 2010 para 2011, piorou de 2011 para 2012 e, neste início de ano, já há sinais claros de que a "espiral recessiva" de que falou em tempos o Presidente da República se acentuou em relação ao ano passado. Se formos mais atrás, ao início da crise internacional - a morte do banco americano Lehman Brothers em 2008 -, o retrato é avassalador. Um exemplo: as falências nos últimos cinco anos aumentaram 1400% em Portugal.
Esta corrida pelos números é aliás particularmente inútil. Hoje há uma outra forma bem mais simples de medir a temperatura da crise: cada um de nós observar o que mudou num raio de 50 metros à volta da sua própria casa. O café da frente que fechou; a padaria da esquina que fechou; a pequena empresa familiar que faliu; o vizinho de cima que entregou a casa ao banco; o vizinho do lado que foi despedido; o rapaz que tem trabalho, mas nos antípodas da sua formação académica; o outro que emigrou. Quando deixamos a métrica geográfica e pensamos no círculo de familiares, amigos e conhecidos, já poucos serão os portugueses - se algum - que não conhecem alguém próximo que não tem trabalho. A crise, que começou por ser um problema de alguns, é hoje a realidade de todos."
um abraço
Olá Maria Eduardo,
ResponderEliminarPara mim foi um prazer estar na rua, no meio das pessoas, uma emoção muito grande. E foi também um exercício físico que não lhe digo nada...
Ao fim do dia juntei-me aos meus meninos que estavam no meio da Praça e achei uma pena que a organização não tivesse tido a ideia de cativar as pessoas mantendo-as ali. Já era de noite, já estava frio e eles, passado um bocado, foram-se embora, claro. Mas, tivesse havido algum motivo de interesse, eles e todas as outras pessoas teriam ficado ali naquela bela praça. Havia tanto a dizer, tanto a descontrair. Nota-se que faltou ali organização. Mas, enfim, é uma aprendizagem que se faz e para a próxima talvez a parte final corra melhor.
Mas foi importante que tanta gente tivesse abandonado a sua passividade habitual para vir clamar por uma vida melhor.
Eu ainda por ali fiquei e fui passear pela Baixa pois havia música em alguns pontos da rua. Depois fui ficar com os meus menininhos e, nessa noite, quando cheguei a casa estava completamente KO.
Ainda bem que gostou pois deu-me muito prazer registar aquele ambiente.
Beijinhos!
Olá P. Rufino,
ResponderEliminarEstivemos perto um do outro, com certeza. Mas como nos descobrirmos sem nos conhecermos e no meio de tanta gente? Contudo, é engraçado pensar nisso.
Eu percorri todo aquele circuito e vim andando a um ritmo superior pelo que acompanhei a descida da Avenida e depois acompanhei a chegada dos manifestantes. Tão heterogénea aquela multidão, não era? E os cartazes feitos em casa, tão inspirados, tão revoltados ou tão irónicos. Este Governo não merece o respeito nem qualquer afecto do povo e isso é uma aberração. Um governo, em democracia, existe para servir o povo.
Os números que se vão conhecendo só demonstram o que se sabia: esta receita é uma estupidez sem ponta por onde se pegue e está a destruir o país. E o país já não suporta mais isso.
Não sei como vamos sair desta mas não nos podemos acomodar.
Um abraço, P. Rufino.
Olá jrd,
ResponderEliminarFoi pena que não pudesse viver este ambiente. A Avenida estava cheia, um mar de gente. Heterogénea, em cada rosto um amigo. E a chegada das pessoas ao Terreiro do Paço foi muito emocionante. E quando todos cantaram a Grândola foi um momento muito envolvente, uma emoção forte.
Será que os incompetentes do Governo percebem o que significa estar transversalidade, esta união, esta revolta, este desapego do povo face a eles?
Tenho dúvidas.
Espero que a estadia por aí esteja a ser uma maravilha, mil vezes melhor do que estar por aqui.
Um abraço.
Excelente reportagem
ResponderEliminarUm dia os cravos
falarão mais alto
Olá Joaquim,
ResponderEliminarJá vi a sua reportagem, feita também em grande proximidade com as pessoas. É que quem esteve ali não foram números: foram pessoas. Crianças, velhos, jovens. Muitas pessoas, cada uma com a sua razão de descontentamento. Umas por uns motivos, outras por outros, mas todas revoltadas e indignadas para com este bando de ignorantes que não acertam uma, que não sabem o qu andam a fazer, uns lacaios, una incompetentes, nem sei.
Toda a gente anda preocupada. Uns já desesperados, outros com medo, outros apreensivos.
Mas que todo aquele mar de gente tenha saído à rua é uma coisa fantástica.
Um abraço, Joaquim!
Olá Puma,
ResponderEliminarNão sei se serão os cravos, se serão as rosas, se serão ambos... :) mas também acredito que um dia falarão mais alto do que estes ignorantes que estão a destruir o futuro do país.
Temos que erguer bem alto as nossas vozes e as nossas mãos para que vejam que não nos poderão calar nem amansar.
Obrigada Puma. Um abraço!