Nos últimos tempos, tenho andado arredada do comentário sobre a actualidade política ou económica. É muito mais do mesmo e, cada vez mais, as coisas caminham no sentido da rarefacção. A indigência vai ganhando terreno e eu tenho andado com pouca paciência para me juntar ao coro que fala sobre temas estafados.
Mas hoje apeteceu-me fazer aqui o meu ponto de situação.
Também andava saturada das manipulações semânticas do Prof. Marcelo; mas agora tenho que admitir que até ele já se fartou de disfarçar ou aligeirar e tenho apreciado a contundência das críticas que tem feito. Neste domingo referiu a vacuidade da conversa de Passos Coelho ao lançar o tema da ‘refundação’ e a estranheza que lhe causa ver toda a gente ir a correr atrás de uma palavra oca. Já Pacheco Pereira, na Quadratura do Círculo, tinha dito o mesmo. É exactamente isso que penso. Daí não me apetecer falar disso.
Face ao estrondoso e incontornável desaire das políticas seguidas, e confrontado com a necessidade de um novo orçamento rectificativo ainda para 2012, e confrontado também com um orçamento calamitoso e inexequível para 2013, Passos Coelho resolveu atirar poeira para os olhos dos incautos com uma conversa nova: a refundação não se sabe bem do quê. Arregimentou Paulo Portas para vir fazer uma nova rábula, agora interpretando este o papel de mano bonzinho, fazendo de conta que estava a dar bons conselhos ao candidato a primeiro ministro Seguro e pedindo ao PS para se juntar ao Governo nessa refundação (que começou por ser refundação do memorando e, depois, já era do Estado Social ou, apenas das contas públicas). Sabe lá ele o que diz. E Paulo Portas, uma vez mais, prestou-se a isso. Triste figura.
E, por mais estranho que possa parecer, parte significativa dos deputados da oposição, quase todos os jornalistas e a blogosfera quase em peso foram atrás disso como cães a quem se lança um osso. Refundação, refundação, rebéubéu, rebéubéu, pardais ao ninho.
Como é tal possível, é o que me dá vontade de perguntar (mas não pergunto pois agora, também eu, rebéubéu, estou aqui a falar da mesma coisa). Adiante.
Na minha opinião, com esta macacada da refundação, o que está em causa é tão só:
1. Apesar da carga de austeridade a que o país, passivamente, está sujeito, o orçamento de 2012 tem falhado em toda a linha e a situação do país está a agravar-se (como outra coisa não seria de esperar). Ou seja, a política deste governo é estúpida e perigosa e agora já se ouve por todo lado aquilo que antes poucos diziam: a dívida está a crescer assustadoramente e, a manterem-se as coisas como estão, não vai ser possível pagá-la em tempo algum, pelo que a dívida não fará outra coisa senão crescer. Ou seja, a austeridade sem lei a que o país está sujeito conduz ao agravamento da situação económica e financeira do País e ou é interrompida de vez ou o País é declarado insolvente em três tempos.
2. O orçamento para 2013 segue a mesma política e os mesmos pressupostos que o anterior que já provou à saciedade (vidé o orçamente rectificativo aprovado pela calada) que é contraproducente e que conduz ao desastre. Mais: o orçamento para 2013 usa pressupostos irrealistas, ainda mais irrealistas do que os de 2012. Ou seja, o orçamento para 2013 já seria um horror se fosse exequível. Muito, mas muito, pior vai ser na realidade dado que, tal como está, causará miséria para nada, pois é inexequível e, a não ser rapidamente demitido este governo, conduzirá a novos rectificativos, cada vez piores, mais dolorosos e mais inúteis.
3. O governo não conseguiu ainda levar a cabo o que estava estabelecido no memorando no que se refere a medidas do lado da despesa. Não conseguiu fazer nada. Apenas consegue fazer o que é fácil, ou seja, roubar os cidadãos indefesos. Agora que está de calças na mão, ó tio, ó tio, sem saber o que fazer, resolve atirar poeira para os olhos da populaça que, assim, deixa passar o rectificativo para 2012 e o aborto para 2013, entretendo-se, em vez disso, a discutir a refundação, a carta de Passos Coelho a Seguro sobre a refundação, a resposta de Seguro a Passos Coelho sobre a refundação... e assim andamos.
4. Parece agora claro que a dita refundação não passa afinal da necessidade de cortar 4.000.000.000 euros na despesa do Estado. Ainda não ouvi dizer se são em acréscimo ao apocalíptico OE 2013 mas pressuponho que sim. Ou seja, o OE 2013 vai matar e esfolar e a parcela dos 4.000.000.000 euros relativa a 2013 vai ser para enterrar de vez. E como é que chegaram àquele cabalístico número? Com o jeito que se lhes conhece para contas tanto pode ser aquilo, como metade daquilo, como o dobro daquilo... como coisa nenhuma. Além disso, para chegar a um resultado tanto se pode aumentar o aditivo como diminuir o subtractivo. Ou seja, este tema atirado assim, sem fundamentação alguma, numa altura em que se deveria estar a analisar seriamente o desaire das políticas seguidas e a impedir, mas a impedir a sério, a sua continuação, é apenas poeira, poeira, poeira.
5. Está ainda em causa um outro aspecto: a indigência (política? ética? moral?) dos deputados que, estando convencidos da desgraça a que está a ser sujeito o País, e não acreditando no OE 2013, o votaram favoravelmente. Optaram por defender a própria pele, de modo a não se sujeitarem a chatices dentro do partido, em vez de optarem por honrar os compromissos assumidos com quem os elegeu, ou honrarem o dever de defender o país. Uns cobardes. Uns frouxos. Uns zeros à esquerda. Uns inúteis.
Dito isto, que não se pense que não concordo com necessidade de racionalizar a máquina do Estado e com a necessidade de racionalizar as prestações e deveres do estado. Concordo. Há muito que pode ser feito. Jorge Miranda, Teodora Cardoso e muitas outras vozes insuspeitas têm-no também referido, identificando mordomias de toda a espécie e feitio. Mas mordomias não são direitos básicos.
Um ano e meio era tempo mais que suficiente para ter olhado para tudo isso e ter procedido a uma análise séria, honesta. Mas claro isso não é compaginável com ter ministros incompetentes, assessorados por putos inexperientes acabados de sair da universidade, ou gente especialista em ‘bocas’, gente arregimentada a trouxe-mouxe na blogosfera. Dizem agora estas luminárias que pediram a técnicos do FMI ou Banco Mundial para os ajudarem a ver onde cortar. Que tristeza. Que gente incompetente esta que, para arrumar a casa, ao fim de ano e meio de nada ter feito, tem que ir buscar técnicos estrangeiros. E que não se pense que esses técnicos vêm trabalhar à borla. Claro que não. Faço até ideia do custo dessa brincadeira.
Um ano e meio era tempo mais que suficiente para ter olhado para tudo isso e ter procedido a uma análise séria, honesta. Mas claro isso não é compaginável com ter ministros incompetentes, assessorados por putos inexperientes acabados de sair da universidade, ou gente especialista em ‘bocas’, gente arregimentada a trouxe-mouxe na blogosfera. Dizem agora estas luminárias que pediram a técnicos do FMI ou Banco Mundial para os ajudarem a ver onde cortar. Que tristeza. Que gente incompetente esta que, para arrumar a casa, ao fim de ano e meio de nada ter feito, tem que ir buscar técnicos estrangeiros. E que não se pense que esses técnicos vêm trabalhar à borla. Claro que não. Faço até ideia do custo dessa brincadeira.
Hoje ouvi Silva Peneda, em nome do CES, desancar à bruta neste Governo e nas suas estúpidas políticas, nomeadamente fazendo em pó o OE 2013 e aconselhando o Governo a apressar-se é a renegociar a dívida (nomeadamente, revendo os juros agiotas e alargando o prazo de amortização). Podem vir alguns idiotas de serviço dizer, uma vez mais, que não queremos nada disso. Gente estúpida que não é capaz de fazer operações aritméticas simples. Sem crescimento e com estes juros é impossível pagar a dívida. Impossível. Pelo contrário, a dívida vai continuar a crescer. E, quando isso for assumido publicamente (porque já o é, de facto, nos meios financeiros internacionais), a renegociação vem para cima da mesa mas, aí, já noutros moldes, ou seja, provavelmente aí através dos chamados hair cuts tal como já aconteceu na Grécia, ou seja, através do perdão de parte da dívida por parte dos credores. Só que, quando isso acontecer, é também parte das poupanças dos portugueses que vai à vida, nomeadamente a que é suportada em dívida pública (certificados de aforro ou de poupança, por exemplo).
Por isso, o que é indispensável fazer é renegociar já a dívida (revendo juros e prazos) por forma a deixar respirar a economia e, ao mesmo tempo, desencadear um programa de desenvolvimento do País e um programa de inversão de tendência demográfica. Se isto não for feito, o País desaparece enquanto nação soberana, passará a ser uma coutada de angolanos, brasileiros, russos, chineses.
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Falar disto deixa-me piursa. Custa-me admitir que vivo num País governado por gente incompetente, ignorante, perigosa. Custa-me admitir que, perante um descalabro tão evidente e tão brutal, não haja quem interrompa este descaminho. Não temos um Presidente da República capaz, não temos uma Assembleia da República constituída na íntegra por gente honrada.
No entanto, acredito que alguma coisa irá acontecer porque uma coisa assim não se aguenta por muito mais tempo. Alguma maria da fonte ou padeira de aljubarrota há-de aparecer. Mas, até lá, é uma chatice isto.
Por isso, se me permitem, e chamem-me nomes à vontade - que eu me estou nas tintas, vou pensar em coisas agradáveis. Venham comigo, vamos em busca de assuntos que cheirem melhor.
Contra o ex-Doce-Pasteleiro-Passos-de-Massamá,
contra o Artista-de-Vaudeville-e-se-me-perguntam-Portas,
contra o Vai-estudar-ó-Relvas,
contra o Gaspar-não-acerta-Uma,
contra o Borges-que-as-despacha-pela-Calada,
contra o Completamente-Cínico-Crato,
contra o Cavaco-ainda-estará-Vivo?,
contra essa tropa fandanga toda,
marchar, marchar.
Pum.
Abaixo o Governo.
Pum.
E viva o Chanel Nº5!
Viva!
Viva!
Pim.
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Bom, isto hoje foi uma seca para vocês, não foi...? Ainda estão aí, meus Caros Leitores...? Obrigada! E posso ainda convidar-vos para virem comigo até ao meu Ginjal e Lisboa? Venham, venham conhecer as minhas memórias que hoje voam em volta das palavras de Helder Moura Pereira. A música é uma fantástica interpretação de parte de uma ópera de Jean-Baptiste Lully.
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PS: Pela qualidade e genuinidade do comentário, permito-me convidar-vos a ler o que o Leitor Nuno Conceição escreveu sobre o post que pode ser visto clicando aqui. Discorda de mim e di-lo abertamente mas di-lo de uma forma que, verão, torna a leitura estimulante.
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E, sobretudo, meus Caros Leitores, animemo-nos que tristezas não pagam dívidas.
Desejo-vos uma bela terça feira.
E, mulheres da minha terra, vamos mas é vendo se as pás de virar pães estão em ordem.
Amiga:
ResponderEliminarOs meus olhos estão a pregar-me uma partida. Não consigo ler os seus blogues, nem outros. Mesmo escrever ou ler, em folhas brancas, está a tornar-se difícil. Vou amanhã à tarde ao oftalmologista e tratar dos óculos.
Espero que o problema se resolva.
Depois, leio e comento tudo, prometo.
Abraço grande
Mary
Olá Mary,
ResponderEliminarIsso dos olhos é que é pior. Se calhar não são só os seus olhos, é capaz de ser também das cores do meu blogue. Eu gosto de cores fortes mas, se calhar, cansa os olhos.
De qualquer forma, se for mesmo da sua vista, espero que seja coisa que se resolva com lentes novas.
As melhoras, Mary. Um beijinho!
Olá,
ResponderEliminarMais uma vez esta sua análise política económica e financeira que fez sobre a situação em que o nosso País e todos nós nos encontramos foi muito clara e esclarecedora. Para mim foi mais uma lição de economia e quanto à célebre refundação duvidosa do nada e do vazio, porque razão os desgovernantes não avançaram para uma renegociação honrada,com uma redução de juros, um aumento do prazo de pagamento da dívida para + de 20 anos e um prazo de 5 anos sem pagar juros nem capital (grace period)?... Porque provavelmente não estudaram macro-economia, está-se mesmo a ver...
Da minha parte só tenho que lhe agradecer estas suas análises tão assertivas, pois enriquecem-me imenso.
Obrigada também pelo seu bom humor e criatividade e um grande beijinho
Olá Maria Eduardo,
ResponderEliminarNão sabe porque não querem eles fazer o que é mais do que óbvio?
Eu também não.
Das duas uma: como nunca nenhum deles trabalhou em empresas a sério, nem conhece o mundo real da gestão, nem nenhum estudou a matéria (tirando o Gaspar que estudou mas que, como é um académico puro, não faz a mínima ideia do que é a vida real), não fazem ideia do que se costuma fazer nestas situações. Ou sabem mas estão ali para obedecer à Merkel e para fazer a vontade aos chineses, angolanos e brasileiros que querem é vir comprar as empresas de mão beijada, com mão de obra quase de graça.
Gente mais incompetente e obstinada e perigosa nunca se viu... Mas não deve faltar muito para saltarem de lá (digo eu que sou uma optimista...).
Obrigada pelas suas palavras, Maria Eduardo, e um beijinho!