quarta-feira, agosto 01, 2012

Uma tarde no hospital, um fim de tarde à beira Tejo


Música, por favor
(e logo perceberão porquê esta)

Música Celta para harpa, flauta, oboé, violino e orquestra
Natalia Antonova na harpa, Venera Porfirieva na flauta,Eugene Sidorov no oboé, Lilya Akhmetova no violino

*

Esta terça feira podia ter sido um dia maçador já que tive que voltar ao hospital e, desta vez, não para ser vista por um médico mas, sim, por dois. Uma tarde quase toda nisto e, claro, entre as idas e vindas a Lisboa e o que se aproveita para fazer já que lá se está, vai um dia quase inteiro. 

Mas estas idas aos médicos têm sido uma constante desde há umas semanas para cá e esta terça feira lá foi mais outro desses dias. Nada de especial, felizmente, mas agora tenho que andar nisto. E exames e depois ir buscar os exames, e depois mostrar os exames e depois voltar lá para isto, para aquilo e para o outro. Para quem antes raramente ia a um médico, esta fase pela qual estou a passar não é especialmente entusiasmante.

Chegam muitos de muletas, coxos, braços ao peito, outros apoiados em familiares e estou a referir-me aos que vão para ortopedia. E eu vejo alguns que vi há umas três semanas e que iam de canadianas como eu e eu já vou sem canadianas e a andar sozinha. E, se ainda os vejo, agora, de canadianas fico a pensar se o mal deles seria pior que o meu ou se serei eu já a abusar da minha sorte e a arriscar-me a alguma recaída. 

Depois há os que vêm carregados de exames, há os que vêm magros e mal encarados. Também eu, na primeira ida lá depois da cirurgia, me senti mal e tiveram que me pôr numa cadeira de rodas que eu nem andar conseguia. E, quando me estavam a levar, à pressa, corredor fora, pensava que as pessoas deviam reparar no meu mau estado e, no entanto, nem conseguia fingir que estava bem, eu que odeio estar mal e mostrar que estou mal. 

No outro dia era uma senhora muito direita que não se podia encostar porque as cadeiras eram curvas. Disse a uma funcionária que tinha sido operada uma semana antes pelo Dr. Lobo Antunes e, quando ele passou, notei que ficou orgulhosa por ele a ter reconhecido. Estava ao meu lado e parecia que queria meter conversa comigo, com uma mão apalpava o pescoço junto à nuca e depois olhava para mim e eu sorria mas não muito porque nesse dia estava eu com uma dor que me incomodava e, pouco depois, fui chamada. Depois havia outra senhora que estava com uma irmã e a irmã ia lá para fora fumar e parecia mais agitada que a que estava doente. E havia um homem ainda relativamente novo mas que estava preocupado e que estava acompanhado pela filha adolescente que estava com um iPad e tão absorta que era como se estivesse noutro sítio e não ali, ao pé de um pai preocupado, no meio de uma sala de espera de um hospital e eu invejei a sua despreocupação.

E chegou um casal, muito beautiful people, altos, bronzeados, bem vestidos, e ele vinha com um daqueles colares cervicais, e tinha que estar com a cabeça muito espetada. E a mulher tinha umas calças justas e um rabo quase tão espetado quanto a cabeça do marido. Passado um bocado saíram do gabinete do médico e ele já vinha com aquilo no braço como se fosse um capacete e vinha feliz e leve e a mulher, com uns sapatos de salto altíssimo, quase nem lhe conseguia acompanhar o passo.

É um outro lado da existência, este em que os corpos sofrem acidentes ou dão sinais de mau funcionamento e em que os seus donos têm que procurar ajuda, juntando-se pois nestas grandes oficinas.

*

Mas nem tudo foi chato neste dia. Por um lado estive com os meus meninos quase todos (com os restantes, estarei amanhã) e isso adoça-me a alma (que, de resto, já de si não é amarga) e, por outro, fui levada até à beira do rio, até ao local que faz as minhas delícias.

Mal lá cheguei, um som maravilhoso no ar. Era um homem jovem que tocava flauta. Sentado na relva, junto ao rio, tocava flauta.

Já não é a primeira vez que sons assim cruzam os ares aqui neste romântico jardim junto ao rio. É uma sonoridade celta que parece habitar este lugar onde o rio vem rebentar nas rochas cobertas por limos e das quais se desprende uma maresia fresca e luminosa.



Flauta no Ginjal


Um som maravilhoso. Um fim de tarde muito suave, a relva muito macia, o rio fresco, aquele cheiro a mar que eu adoro e a música ali, a dançar no meio de nós.

Mais à frente, num rio esplendorosamente azul, dois barquinhos. Mas dois barquinhos tão barquinhos que quase nem dava para acreditar. Pareciam barquinhos desenhados à mão por meninos e não barquinhos de verdade, para levar pessoas dentro.



Dois barquinhos que parecem barquinhos inventados, ancorados no Tejo à beira do Ginjal


Fotografei-os, encantada. Como eu gostava de poder ir passear dentro daqueles barquinhos, especialmente naquele que tem uma cabine que parece uma casinha com cortinas nas janelinhas. Que bom deve ser navegar lá dentro, uma pessoa deve sentir-se tão pequenina face à largueza deste rio que é quase um mar, um rio que ali já tem mistura de oceano. E que azul ele estava, o Tejo, e que vontade de me meter dentro dele, que fresco devia estar.

Entretanto, na relva que é fofa como uma cama macia, uns quantos casais namoravam, alheados de quem circulava. E eu que me encanto com o amor, porque acho que não há nada que dê mais sentido à vida que o amor, e que, por isso, gosto de o registar, tive que escolher os ângulos mais adequados para não perturbar a sua intimidade, encobrindo-os por árvores, como se estas árvores fossem cortinados de renda verde que protegessem os seus momentos de apaixonada cumplicidade.



Amar à beira Tejo


Quando regressei vinha feliz da vida e, se não fosse ainda não poder andar como deve ser, nem me lembrava que, momentos antes, tinha vindo de um ambiente hospitalar.

A vida, meus Caros, é um daqueles poliedros com muitas faces. A gente vê uma ou duas mas não deve esquecer as outras, as que estão do lado de lá.

Mais uma vez, isto pode parecer conversa da treta, auto-ajuda de meia tigela. Se calhar é, se calhar não é - não sei.

Mas o que quero dizer é que está nas nossas mãos espreitar para o lado de lá, especialmente quando o lado de cá não é extraordinário. E, se o lado de cá é fantástico, também não nos devemos esquecer dos que estão do outro lado pois o facto de agora não sermos nós a estarmos lá, não significa que nós (ou alguns dos que nos são queridos) não venhamos, um dia, a estar. A vida é múltipla e deve ser valorizada em toda a sua variedade - é o que eu acho, em suma.

Ou seja, para abreviar: o dia afinal não foi chato de todo, até teve momentos bem agradáveis.


*

E que a vossa quarta feira não tenha aspectos chatos e seja apenas agradável é o que muito sinceramente vos desejo, meus Caros Leitores!

6 comentários:

  1. Foi uma quarta-feira muito amável.

    Espero que a sua também tenha sido agradável e que continue atenta às maravilhas da vida, apesar do abrandamento forçado do ritmo.

    Um beijinho

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  2. Como diria Magritte: "Isto não é um comentário"

    A propósito de "aspectos chatos", ele há dias assim: A tv ficou sem som, rebentou um cano na cozinha, a cadeira do computador deslizou e eu caí e parti os óculos.
    Agora vou rapidamente deitar-me e esperar que a crise passe.
    Tenha uma boa noite :)

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  3. Olá Leitora Marinha,

    Pelo que escreveu no seu blogue já percebi que foi um dia de muitas ternuras.

    Hoje o meu também foi desses. O meu heaven foi invadido por diabretes e eu, é sabido, adoro diabruras.

    Como é impossível ter-se sossego com estes serzinhos por perto, vamos ver se não saio daqui directa para outra cirurgia...(... Cruzes! Já bati três vezes na madeira, que nem a brincar quero pensar nisso).

    Um beijinho, Leitora, e que este seu verão seja repleto de carinhos manselinhos (adorei aquela sua transcrição)!

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  4. Olá JRD,

    (Deverei antes escrever em minúsculas, jrd, ou é-lhe indiferente?)

    Gostava de acreditar que isso que me disse é uma graça simpática, para eu não me sentir sozinha com os meus 'aspectos chatos'... porque se é mesmo verdade só espero que não caia da cama abaixo ou que não lhe aconteça mais nenhuma desgraça.

    Mas isso a mim, quando as coisas desatam a dar para o torto, são umas atrás das outras, é a água da máquina de lavar que vem por fora, o ferro de engomar que deixa de fazer vapor, a lâmpada que funde.

    Só espero que amanhã tudo se resolva para ver se o prejuízo não é muito grande (e espero que os óculos tenham arranjo).

    Um bom dia para si, JRD!

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  5. Olá Um jeito manso,
    Prefiro as minúsculas, mas não faço questão.
    Lamentavelmente o que eu disse não é uma graça simpática, mas uma desgraça antipática e com "preços de ourivesaria"...
    Valha-me que a Net já normalizou.
    Tenha uma boa tarde

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  6. Caro jrd,

    Ah isso de ser a preço de ourivesaria deve ser porque, no caso dos canos, os canalizadores agora são uma raça em vias de extinção. Ainda se fossem enfermeiros a 4 euros à hora... (mas ainda bem que, quando caíu, não precisou de enfermeiro!).

    Agora no que se refere a óculos, isso é sempre prejuízo.

    Mas, vá lá, menos mal se a net já anda sem ser a pedal...

    Um bom dia para si, jrd!

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