Não me apetece falar de política, nem de economia, nem da licenciatura à pressão do Relvas, nem das empresas que estão em gestão corrente, sem administração, porque o governo não tem mão nas distritais do PSD e a governação está, de facto, entregue a um saco de gatos, nem me apetece falar das localidades que estão sem transportes porque acabaram com o comboio do Tua e deixaram de pagar os autocarros, nem me apetece falar da tristeza que é tudo isto.
O País tem gente tão forte, tão competente, tão capaz e, entregues que estamos a um fraco rei (que, como é consabido, é condição quase suficiente para fazer fraca a forte gente), para aqui estamos a definhar.
Passo em relance a blogosfera e meio mundo passa a vida a lamuriar-se, meio mundo diz mal disto tudo, gente amargurada, gente colada às paredes, destilando tédio, desânimo.
Uma ou outra voz se eleva para dar um murro na mesa, uma outra voz que se ergue para nos mostrar um pensamento livre, uma imagem feliz. Mas a maioria do que vejo é um desfiar lento de desalentos, de cansaços, vidas que se esvaem neste lento passar de dias, sem esperança.
Por isso, que se dane a pobreza franciscana para que querem atirar o país (o nosso e mais alguns), que se dane a tristeza e a abulia. Não tenho paciência para martírios, para desfiar penas. Não critico os outros, os que o fazem. Cada um é como é. Mas eu também sou como sou.
Por isso, vamos lá: música, por favor (e que me desculpem o encore):
John Williams / Carlos Gardel - Por una cabeza (Violin: Katica Illenyi (Illényi Katica))
Deslizemos, meus amigos.
Quem por aqui me costuma visitar conhece a minha paixão por tangos.
Tenho um sonho: que um dia alguém se chegue ao pé de mim, me puxe pela mão e me conduza com saber e mestria. E, com arrojo, me faça deslizar no salão, me faça rodopiar, livre, ágil, destemperada, feliz. Durante anos lancei esse desafio ao meu par habitual mas seria mais fácil o Relvas recolher ao convento do que o meu par dançar tango (ou valsa ou qualquer outra dança que requeira levantar os pés do chão).
Adiante.
Quem por aqui me costuma visitar conhece a minha paixão por tangos.
Tenho um sonho: que um dia alguém se chegue ao pé de mim, me puxe pela mão e me conduza com saber e mestria. E, com arrojo, me faça deslizar no salão, me faça rodopiar, livre, ágil, destemperada, feliz. Durante anos lancei esse desafio ao meu par habitual mas seria mais fácil o Relvas recolher ao convento do que o meu par dançar tango (ou valsa ou qualquer outra dança que requeira levantar os pés do chão).
Adiante.
Por isso, fico-me por aqui, sozinha no meio da sala, hesitando entre dançar eu, sozinha, ou deixar-me estar parada, imaginando que estou a ser levada nos braços de um exímio bailarino.
Claro que me preparei a rigor. Limpei o centro da sala, o tango requer espaço para os volteios, para os requebros, para os golpes de raiva, para os abraços quentes de paixão, para as quedas sensuais, para os galanteios descarados.
Iluminei a sala de forma a que a minha sombra apareça reflectida, quero que o cenário fique despido mas iluminado, uma iluminação íntima. Sou, pois, apenas eu e a minha sombra.
Depois o vestuário. Comecei por me despir toda. A seguir perfumei-me (Chanel, claro). Depois os sapatos: bem altos, saltos de agulha, pretos. E mais nada...? Não! Não ficaria bem, o tango requer um belo vestido.
Dirijo-me, pois, de novo, até ao roupeiro. Tem que ser uma coisa discreta. Hoje é dia de reuniões. As férias aproximam-se e há mil coisas a preparar. Tenho que ir simples, discreta.
Opto pois por uma leve mousseline, um tom pérola, um suave drapeado, um toque de transparência, um estreito cinto a marcar a cintura. Visto, vejo-me ao espelho. Está bem assim. Mas depois volto atrás. Falta qualquer coisa.
Dispo-me de novo, reviro o roupeiro, experimento saias, vestidos, blusas, até calças eu tento, e nada, nada me agrada.
Até que tenho uma ideia: retomo o vestido, o cinto, os sapatos cor de pele, quase invisíveis mas, então, acrescento umas luvas altas e uma capeline, uma enorme capeline. Já sabem que gosto de ser invisível, assim ninguém me vê. Ainda assim, acrescento uns óculos escuros, enormes. Mas antes passo um bâton nos lábios, um bien rouge, claro.
Estou pronta.
E, se ainda vos apetecer continuar na minha companhia, então venham daí. Lá, na minha outra casa, no Ginjal e Lisboa, a love affair, hoje a coisa não está para grandes brincadeiras. As minhas palavras olham a realidade em torno de um poema do Poeta Embaixador Luís Filipe Castro Mendes. A música é maravilhosa; Teresa Berganza canta Manuel de Falla.
Claro que me preparei a rigor. Limpei o centro da sala, o tango requer espaço para os volteios, para os requebros, para os golpes de raiva, para os abraços quentes de paixão, para as quedas sensuais, para os galanteios descarados.
Iluminei a sala de forma a que a minha sombra apareça reflectida, quero que o cenário fique despido mas iluminado, uma iluminação íntima. Sou, pois, apenas eu e a minha sombra.
Depois o vestuário. Comecei por me despir toda. A seguir perfumei-me (Chanel, claro). Depois os sapatos: bem altos, saltos de agulha, pretos. E mais nada...? Não! Não ficaria bem, o tango requer um belo vestido.
Abri o roupeiro e hesitei. O
quê? O que seria apropriado a uma bela noite de tango? Sedas, cetins? Nada me
agradava. Até que vi o vestido perfeito: renda preta transparente sobre o meu
corpo nu, uns folhos femininos no ombro, as costas livres para poder sentir as
mãos do meu par, para lhe dar oportunidade a conduzir-me como deve ser porque
condução que é condução tem que ser pele contra pele. Nada de jóias, claro.
Apenas uns pequenos brincos pretos, brilhantes.
Muito bem, já está. Vejo-me na sombra da parede. Depois fecho os olhos. O tango avança e eu danço em pensamento. Um pouco antes do fim da música abro os olhos, estou imóvel sentindo a música.
E, então, olho a parede e vejo
que uma sombra desliza abraçada, tomba e logo é amparada até ao volteio final,
por una cabeza. E o meu coração começa a bater descompassado, feliz.Muito bem, já está. Vejo-me na sombra da parede. Depois fecho os olhos. O tango avança e eu danço em pensamento. Um pouco antes do fim da música abro os olhos, estou imóvel sentindo a música.
*
Entretanto, vou até à janela e
vejo o sol a raiar sobre o rio. A madrugada chegou enquanto a minha sombra
voava, despegada da realidade.
São, pois, quase horas de sair
à rua e enfrentar mais um dia. Rio-me. E se fosse vestida assim, de
transparências pretas?
Mas claro que não, ninguém
repararia. Mais vale guardar a toilette para uma ocasião em que alguém dê valor
à criação artística que é aquele vestido.
Dirijo-me, pois, de novo, até ao roupeiro. Tem que ser uma coisa discreta. Hoje é dia de reuniões. As férias aproximam-se e há mil coisas a preparar. Tenho que ir simples, discreta.
Opto pois por uma leve mousseline, um tom pérola, um suave drapeado, um toque de transparência, um estreito cinto a marcar a cintura. Visto, vejo-me ao espelho. Está bem assim. Mas depois volto atrás. Falta qualquer coisa.
Dispo-me de novo, reviro o roupeiro, experimento saias, vestidos, blusas, até calças eu tento, e nada, nada me agrada.
Até que tenho uma ideia: retomo o vestido, o cinto, os sapatos cor de pele, quase invisíveis mas, então, acrescento umas luvas altas e uma capeline, uma enorme capeline. Já sabem que gosto de ser invisível, assim ninguém me vê. Ainda assim, acrescento uns óculos escuros, enormes. Mas antes passo um bâton nos lábios, um bien rouge, claro.
Estou pronta.
*
As fotografias são de Richard Avedon (1923-2004), fotógrafo americano.
E, se ainda vos apetecer continuar na minha companhia, então venham daí. Lá, na minha outra casa, no Ginjal e Lisboa, a love affair, hoje a coisa não está para grandes brincadeiras. As minhas palavras olham a realidade em torno de um poema do Poeta Embaixador Luís Filipe Castro Mendes. A música é maravilhosa; Teresa Berganza canta Manuel de Falla.
*
Tenham, meus Caros, uma belíssima quarta feira. E gozem a vida, meus Caros!
*
(PS: Se ainda não tinham visto antes, tomara que agora não tenham perdido o filme que neste momento, enquanto escrevo, está a passar na RTP1, As vidas dos outros, um dos melhores filmes que vi nos últimos anos)
Olá, UJM!
ResponderEliminarQue belo tango, as roupagens, também, não estão nada mal. Concordo totalmente com a primeira parte do post, essa energia negativa que paira no ar consegue ser mais tóxica que a poluição atmosférica, sendo que o pior seja a sua força contagiante.
Que tenha um belo dia.
Beijinhos
Bom dia, minha amiga
ResponderEliminarPoder-se-ia dizer 'tudo isto é triste, tudo isto é fado'... mas não, a proposta é outra. Deixemo-nos pois deslizar ao som deste tango, entregues à perícia desta bela intérprete que nos conduz a belos e quentes acordes, entremeados de oportunos 'pizzicatos', a marcarem ainda mais o ritmo. Venham mais 'encore(s)' como este... Realmente só falta um par neste momento.
Fotografias belas, de mulheres sofisticadas, trajadas de preto rendilhado e de alva (ou pérola) mousseline, transparências de um paraíso (perdido?). Qual quê, o mundo será aquilo que cada um de nós quiser fazer dele.
Retribuo, desejando-lhe uma excelente quarta-feira, cheínha de trabalho,:))incluindo reuniões que, para mim, é a parte mais entediante.
Como sempre um post que dá gosto ler e por aqui ficar...
Bjs
Olinda
Belíssimo tango.
ResponderEliminarDuas coisas maravilhosas: tango e violino.
Gostava muito de saber dançar tango. Infelizmente, gosto imenso de dançar, mas sou muito pesada, nos movimentos.
A propósito desta sua apreciação sobre o cinzentismo reinante, eu, que sou uma pessoa positiva e optimista, muitas vezes sinto-me quase na obrigação de concordar com as pessoas com quem falo, porque senão chamam-me louca. Não se pode andar bem disposto nos tempos que correm. Temos que ser cinzentos, dramáticos, pessimistas...
Eu não sou assim. Reconheço como toda a gente que as coisas não estão famosas, que vêm aí pela frente anos dificeis, mas continuo a aproveitar o que há de bom e a ter esperança.
Não quero perder esta minha capacidade de ainda me encantar com as coisas e de ser feliz com coisas simples.
Serei um pouco louca? talvez, mas não me importo.
Foi bom ler este post positivo.
Um beijinho e boa quarta-feira.
Olá Alice rodeada de alfazema,
ResponderEliminarQue temos todos mais do que razão para andar arreliados, lá isso temos. Mas uma coisa é dar um murro na mesa, um basta, e outra é andarmos aos caídos, deprimidos, sem força anímica nem sequer para dar o dito murro na mesa.
Temos que ter ânimo, sermos capazes de nos rirmos, de nos divertirmos (porque a vida é sempre uma coisa maravilhosa por muitos palermas que andem ao cimo da terra).
Por isso, vamos mas é levantar a cabeça, ter energia e, quem tenha par ou se goste de dançar sozinho, vamos mas é bailar, cantar, passear, rir.
Obrigada pelas suas palavras de compreensão.
Um boa noite (se me ler hoje) ou um belo dia (se me ler na quinta). Ou as duas coisas!
Olá Querida Olinda,
ResponderEliminarTem dias que me apetece virar a mesa, ir à luta, protestar forte e feio contra toda a mediocridade que alastra por aí.
Mas há outros dias em que me apetece poesia, música, belas imagens, apetece-me deixar a imaginação à solta, vestir-me de palavras, de rendas, sonhar, deixar-me ir (e, desejavelmente, conseguir que, quem me lê, se sinta também livre para ir atrás da minha 'maluquice')
Tive um dia repleto, cansativo, a começar muito cedo e a acabar muito tarde e, enquanto dura essa labuta, sou outra, toda objectiva, números, planos, acções, etc. Mal saio de lá, solto as asas e aí vou eu...
Um beijinho, Olinda e muito obrigada pelas suas palavras que mostram que dançou também, e se vestiu com rendas, mousselines, capelines e tudo aquilo que permite às mulheres sonhar de forma mais apelativa.
Um belo dia para si, Olinda!
Olá Isabel,
ResponderEliminarSinto sempre que somos parecidas na capacidade de nos encantarmos com as pequenas coisas desta vida.
Eu também estou bem consciente da gravidade da situação e também tenho maçadas pessoais. Mas não deixo que isso signifique enfiar um saco escuro pela cabeça abaixo, passando a ver tudo como um fastidioso negrume.
Protesto alto e bom so, se estou para aí virada, mas, depois tenho necessidade de deixar a minha maneira de ser vir acima. E eu sou uma pessoa animada, bem disposta, lutadora e optimista.
Gosto muito de dançar, gosto mesmo. Mas agora (e desde há vários anos) não tenho par para isso. Paciência. Contento-me com ver dançar ou a dançar sozinha, quando se proporciona.
Mas, como já aqui o disse uma vez, não me queixo muito: prefiro um homem com pés de chumbo e coração de ouro do que o contrário...
Um beijinho, Isabel e tenha um dia muito feliz!!!!
Cara Jeitinho,
ResponderEliminarEste País vai de mal a pior, e eu
tenho dias em que já não suporto ouvir noticiários, debates, analises politicas.Faz-me mal à saude e, essa tenho de a preservar.
Mas, por muito que tente, não consigo seguir a politica da avestruz e lá volto eu à informação.
Depois de todas as denuncias de situações inacreditáveis, de fraudes do governo, da falta de caracter dos seus menbros, debatidas em encontros televisivos, o que será necessário fazer para que este governo se demita?. Ir para a rua e lutar?
Acabei de ver na Sic Noticias, José Gomes Ferreira apelar aos visados para se manifestarem ou contestarem ,em antena aberta, as declarações feitas. Como tudo o que foi dito, pode ser confirmado, ninguem se incomodou em fazê-lo.
O que interessa o canudo do Relvas, quando o que está em causa é ele próprio e a sua falta de caracter, de seriedade. Esta é apenas mais uma das suas baixesas. DEMITAM-NO a ele e ao Sr Coelho já que nem isto lhe diminui a confiança.
Valha-nos uma boa musica, uns belos fatos e um tango bem dançado nem que seja só em imaginação.
Tenhamos fé na particula de Deus, seja lá o que isso venha a ser.
Desculpe o desabafo um beijinho e uma boa 5ªfeira.
Pois é, Querida Pôr do Sol,
ResponderEliminarUm País em estado crítico entregue a quem desconhece coisas demais e que se apoia em amigos que, apesar de serem os nº 2 do governo, pouco mais têm que a escolaridade mínima (começo a duvidar de tudo o que vem daqueles lados. Será que para fazer o secundário não copiou tudo pelos outros?).
Mas o grave é que já não nos espantamos de tal forma estamos habituados a que sejam todos uns medíocres.
Mas temos que tirar o pé desta lama, temos que levantar a cabeça, não é?
Temos que ter a cabeça fresca para conseguirmos ter a lucidez necessária para dizer que JÁ CHEGA!
E, portanto, para termos a cabecinha descansada, nada como oferecermo-nos a nós próprios uma bela festarola: dancemos, ouçamos música, sonhemos.
Acabei de escrever o post de hoje e continuo na mesma onda: diversão, belas palavras, boa música, dança.
E, como muito bem diz, que venha de lá a partícula de Deus ou o bosão de Higgs para ver se ficamos a perceber alguma coisa deste mundo...
Um beijinho, Sol Nascente e obrigada pelas suas palavras sempre tão directas e bem humoradas. Desejo-lhe um belo dia!