quarta-feira, junho 06, 2012

Sessão fotográfica privada (podia dizer-te que é para memória futura mas, como gosto de mostrar que falo outras línguas, vou antes dizer que quero que sejam, para ti, 'sweet memories')



Ontem fiz um exercício de meditação. Mergulhei. Senti-me medusa, alga, sereia. Ou seja, mulher. Uma medusa de alma lavada.

Mas a vida não está para fantasias e, que remédio, tive que vir à superfície e aqui estou de novo.



Música, por favor

Melody Gardot - Sweet Memories

(Se esta música acabar antes de tempo, permitem que vos sugira que ou façam o replay dela ou desçam até lá abaixo e ponham a tocar a fantástica música cubana, está bem?)


*

Mas hoje, apareceste com este desafio. Dizes que me queres fotografar e que queres ver-me diferente do que é costume. Pois bem, prepara-te: vou surpreender-te.

Comecei por pensar em aparecer-te muito madame às compras na Tiffany, ou uma balzaquiana em versão viscondessa discreta, sei lá, ou mesmo uma cocotte à solta na Place Vendôme. Já me estava ver e já estava a ver a tua cara de surpresa.

Escolhi o vestidinho preto justo, decote discreto à frente, pronunciado atrás, sapatos pretos bem altos, colar comprido de pérolas em várias voltas a descair atrás e, se o quisesses para a frente, que o ajeitasses tu. Estudei o penteado, escolhi uns óculos escuros, uns brincos a condizer, e olha, se queres que te diga, até acho que estava com uma certa graça.


Publicidade Tiffany - The pearls


Ah, e claro, luvas altas. Adoro luvas altas, tu sabes. Luvas pretas de seda. Para dar um toque de je ne sais quoi - e escuso de ser mais explícita - um gelado, muito gelado. 

Mas não: desisti. Seria uma recriação e recriações não são bem comigo.

Depois pensei naquele género descontraído, provocador, bad girl assumida. Despenteei-me ainda mais do que o habitual, vesti um top preto, com uma blusinha quase transparente preta por debaixo, enrolei-me em tule preto, muito tule, ondas de tule, e improvisei um chapéu fantástico de pêlo preto. Chegarias e encontrar-me-ias assim, visual desorganizado, reclinada nesta minha cama que é linda. Senti-me bem. 



Kate Moss by Mario Testino


Olhei-me ao espelho. Não seria novidade. Eu sou assim. Não, se é para ser uma coisa surpreendente, terei que sair da minha zona de conforto.

Então pensei que terias que ser tu a inspirar-me porque terias que me descobrir, terias tu que chercher la femme.

Comecei por coligir colares dourados, muitos colares e depois não eram suficientes e, então, fui buscar fitas douradas, enfeites de natal dourados, muitos. Depois, quando a quantidade era razoável experimentei deitar-me por baixo, e ainda não era suficiente para o efeito que eu estava a imaginar.



by Alix Malka


Ainda se me viam as pernas, os braços... e a ideia não era essa, era, antes, esconder-me. A ideia seria chegares e dares com uma erupção dourada de essência feminina, e uma sobreposição de brilhos, uma exuberância, eu quase nula no meio de tanta beleza. Um chão luminoso, acobreado e lá por baixo, quase invisível, uma mulher por descobrir.

Chegarias e ficarias ofuscado: mas onde estás tu, mulher?

E só verias a sumptuosidade dos colares e cordões e  festões e galões dourados, e, então, com as tuas mãos cegas, desatarias a remexer - até que descobririas uma perna nua e só então perceberias que era meu aquele rosto adormecido, lá mais acima.

Eu então mostrar-me-ia. Confirmaria que era mesmo eu, mostrando apenas mais algumas partes de mim, aquelas que melhor conheces. 

Mas desisti. Tanta resplandecência toldar-te-ia a consciência, provavelmente as fotografias não ficariam nada de jeito.

Tive então a ideia oposta. Um fundo de constelação, talvez Andrómeda, a princesa. Agora era uma ideia etérea, uma sumptuosidade mas feita de nuvem, de céu, um anjo feminino e luxuoso, folhos, folhos, folhos, sedas, rendas, tules, organzas, brilhos, bordados, plumas, tudo branco, uma sugestão de rosa lilás quase branco, um excesso de feminilidade.



by Alix Malka


Na mesma, chegarias e não me verias. Onde estás tu, mulher?

E eu, coquette, quase pouco virtuosa no meio de tanta alvura, mostrar-te-ia, para começar, uma perna coberta por uma fina meia de seda. De resto, cobrir-me-ia (excepto o colo, claro: já sabes que sou encalorada, preciso de sentir o ar a circular junto ao decote) e, ao veres-me, parecer-te-ia que eu flutuava num qualquer espaço celeste, mulher feita de nuvens com uma perna ao léu para inquietar os fotógrafos bem intencionados.

Pronto: recuei. Não quero que digas que te desestabilizo, logo eu que sou tão bem comportada.

Portanto, olha, vou deixar-me de fantasias. Vai ser uma coisa bem simples. O mais simples possível. Cada vez gosto mais de coisas simples, despojadas. Acho que a surpresa vai ser essa. Habituado que estás à minha criatividade efervescente, não vais estar à espera de tanta singeleza. Prepara-te, pois. 






by Mario Testino


***

Tempo de paixão: vamos dançar mi corazón.

Grupo Corpo interpreta Mi Corazón, música de Ernesto Lecuona


***

E, meus Caros, por hoje é isto. 

Hoje lá pelo meu Ginjal as minhas palavras desencontraram-se em volta das instruções de Nuno Júdice. Gostaria que fossem até lá pôr alguma ordem naquilo. Continuamos, claro, com Mozart e hoje tenho uma descoberta (para mim) de que acho que vão gostar. O que eu aprendo com os meus Leitores...

***

Tenham, meus Caros Leitores, uma belíssima quarta feira. E haja alegria!

4 comentários:

  1. Pôr do Soljunho 06, 2012

    Querida Jeitinho,
    Há cerca de uma semana adoptei a filosofia avestruz.
    Cançada de politicos sinistros, noticias chocantes, enterrei a cabeça na areia dos livros, de musicas antigas, de fotos por arrumar há anos. Não liguei à radio, à televisão, nem ao computador, acumulei mails, uns uteis e amigos, outros não tanto.
    Não fiquei melhor. Fiquei "às aranhas" nos ultimos desenvolvimentos da "vida" em meu redor, preocupei familia e amigos e perdi alguns dos seus belos posts.
    Parece-me que não fui unica, mas este seu banho purificador fez-me bem. Que pena não o pudermos fazer num segundo utero.

    Obrigada e creia-me sua leitora assidua.

    Um beijinho

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  2. A sua entrada hoje surpreendeu-me e inspirou-me. Gostei muito da auto-representação e da sua capacidade de se reinventar, são várias as aparências da mulher, mas coerentes com a presença feminina que percorre este blogue. Os vídeos e a música combinam muito bem com o resto: entre o fulgor da paixão e uma certa tonalidade melancólica.
    Tenha um bom resto de semana

    Um abraço

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  3. Olá Pôr do Sol,

    Tinha pensado que se calhar tinha tirado uns dias de férias, ido dar um passeio, desejando que estivesse tudo bem consigo. Pelo seu mail não percebi bem se está uma vez que diz que família e amigos se preocuparam. Mas se calhar foi outra coisa. Pelo menos, assim o desejo.

    De vez em quando também me farto desta 'maltosa' que anda a fazer um lindo serviço neste país e arredores e, então, apetece-me fantasiar, divertir-me, escrever coisas que ponham as outras pessoas mais tranquilas. Tomara que o consiga.

    Uma vez mais lhe desejo saúde, felicidade, boa disposição.

    Um beijinho, Sol Nascente!

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  4. Olá Leitora de A Matéria dos Livros,

    Tem dias que apetece zurzir, mas zurzir a bom zurzir no Passos, Relvas,Gaspar e outros que tais mas já me cansa porque fazem tanta coisa mal feita que, se estiver a falar nisto todos os dias, é um 'saco'.

    Então parto para outra: parto sem rumo pré definido, imaginação pura, fantasia. Se calhar há sempre coisas que são minhas (claro que há), não serão totalmente fantasia mas, ainda assim a situação existe apenas no acto da escrita, dura enquanto a escrevo. E dá-me muito prazer escrever.

    Gosto especialmente de imaginar uma situação e de ir à procura de imagens que consubstanciem a minha ideia e, quando as encontro, a coisa funciona também em sentido contrário, isto é, as imagens ajudam a completar a história.

    Enfim. Mas fico feliz por saber que, exigente e criteriosa como é, gosta de ler.

    Obrigada pelas suas palavras. Um bom feriado!

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