Música, por favor
Heitor Villa-Lobos, 5ª Bachiana Brasileira - Amel Brahim Djelloul, soprano e Gautier Capuçon, violoncelo
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Impedida que, neste momento, estou de sair de passeio dando largas ao meu lado de gata vadia que gosta de andar pelas margens do rio, olhando as larguezas e os navios que passam, ouvindo o lancinante lamento das correntes dos barcos atracados, aspirando a maresia cheirosa e fresca, levanto-me de vez em quando para, da janela, olhar o grande espaço que se desdobra perante mim.
Podia já estar habituada a tanta beleza mas não estou.
Abro a janela, sinto o ar do exterior e olho a toda a volta. Se o céu está limpo, os horizontes expandem-se e o meu olhar vai até muito longe.
Como posso eu alguma vez prender-me a minudências se o meu olhar está habituado a ver longe, tão longe?
Ontem eu estava encantada porque o rio estava provocantemente azul, porque o céu reflectia o rio.
A rive gauche e, no rio, azul, azul, um veleiro tão elegante, tão belo, com umas velas tão brancas. E reparem no pequeno ponto escuro no canto superior esquerdo |
Gosto de ver os veleiros, gosto de ver como as velas se arqueiam, se dobram e desdobram e se enchem de vento. Quando o vento está de feição, num instante os veleiros atravessam o rio, atravessam prédios e eu, se estou com a máquina a fotografar, tenho que esperar que saiam de trás dos telhados e apareçam de novo, garbosos, ligeiros.
Um outro veleiro se junta ao primeiro e ao fundo há outros pequenos veleiros brancos e há as serras, subtis, esbatendo-se para não roubar protagonismo ao Tejo, destacando-se a de Palmela |
Por vezes passam navios de passageiros e deixam um rasto de espuma branca. À pressa, fotografo esses rastos efémeros que atravessam o rio. As velas brancas, as casas brancas do lado de lá e os rastos brancos são breves pontos de luz que brilham neste vasto espaço azul.
Logo a seguir passam três apressadas figurinhas, três graças, três senhoritas atrasadas para a missa.
Com que pressa atravessaram estes barcos o Tejo, alinhados e eficientes, indiferentes à beleza da paisagem |
São os pequenos rebocadores que ajudam a acostagem e as manobras dos grandes navios. Estes já tinham cumprido a sua missão, estavam de regresso a casa e assim percebi a pressa que levavam.
Olhei então na direcção do Barreiro e do Lavradio. Onde antes havia fábricas, chaminés mostrando a laboração, há agora armazéns, centros comerciais, casas. Subsiste apenas uma ou outra unidade que ainda resiste teimosa. Mas nada, nada que se compare à actividade de anos atrás. Ali funcionava o núcleo histórico da indústria portuguesa, o núcleo duro da cintura industrial.
Grande cargueiro, certamente à espera de vez para acostar. Por trás a zona anteriormente industrializada do Barreiro/Lavradio |
Visto de longe, agora vêem-se apenas os grandes tanques de líquidos, combustíveis, óleos, etc. Pode pensar-se que não haver fumo é bom para a paisagem e para o ambiente. Mas sabemos o que isso também significa: não apenas milhares de postos de trabalho a menos mas, sobretudo, uma quase total dependência das importações. (Além disso, nos últimos anos, grande parte das vezes o fumo que se vê nas instalações fabris é apenas vapor de água).
Mas, se repararam no pequeno ponto escuro na primeira fotografia, digo-vos agora: ao longo de todo este tempo, eu estava a seguir o voo da gaivota que ali andava, volteando, dançando como uma louca. Seguia os veleiros, rodopiava, vinha até à margem, voltava ao rio. E eu a segui-la, as fotografais desfocadas tal a rapidez com que ela, gaivota livre, deslizava no ar.
Ei-la, a gaivota de longas asas, voando na minha direcção, belíssima, belíssima, deslizando livre, livre |
Até que, num instante, num brevíssimo instante, voou para cá e maravilhou-me durante largos instantes aqui, à minha frente, tão rápida, tão perto. E eu que, naquele momento, não esperava tão inesperada visita, senti-me agradecida, emocionada, obrigada, obrigada, e era como se eu voasse com ela, bailarina intangível, ser magnífico, ser alado com uma alma igual à minha.
Depois deu meia volta e regressou ao Tejo. Fechei então a janela e regressei também ao meu poiso.
Se estiverem para aí virados, teria todo o gosto em receber-vos também lá no meu Ginjal e Lisboa. Hoje as minhas palavras pousam num ombro, como um sonho, em volta de um poema de Inês Dias. E dou início à semana dedicada ao compositor Heitor Villa-Lobos, uma maravilha.
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Se estiverem para aí virados, teria todo o gosto em receber-vos também lá no meu Ginjal e Lisboa. Hoje as minhas palavras pousam num ombro, como um sonho, em volta de um poema de Inês Dias. E dou início à semana dedicada ao compositor Heitor Villa-Lobos, uma maravilha.
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Finalmente, os meus votos: tenham, Caros Leitores, uma semana muito boa, começando já esta segunda feira.
Que se rodeiem de beleza e de graça e que se sintam abençoados é o que vos desejo.
Olá cara UJM:
ResponderEliminarE porque os deveres do ofício consomem as horas da tertúlia, deixo apenas o desejo sentido de boas melhoras.
Bem-aventurada aquela que na moldura do olhar pode fixar o mistério do mar, o milagre do céu e observá-los maravilhosos na sua soberba plenitude azul, verdadeiras magias naturais à luz do dia.
Apesar de impedida de tomar banhos de multidão, pode, afortunada, fazer esta barrela à alma! E partilhá-la.
Boas e rápidas melhoras
Abraço amigo da
Leanor formosa e segura
Olá Leanor formosa e segura,
ResponderEliminarMuito obrigada. Cá estou melhorando. E melhoro 'melhor' por estar assim como refere nas suas belas palavras: fazendo uma barrela à alma, envolta num imenso espaço azul.
Agradeço o seu cuidado.
Com amizade, dias felizes para si, Leanor formosa e segura!