Pintura de Nikias Skapinakis - actualmente no Museu Berardo, CCB
Música, por favor
Maio Maduro Maio - José Afonso
Celebra-se esta terça feira o dia de uma das espécies mais ameaçadas dos últimos tempos: o trabalhador.
Esta espécie é vista pelos actuais governantes, na sua maioria uns académicos de pacotilha, como boa para abater.
Relembro: quando alguém começa a trabalhar, celebra um contrato no qual se estabelecem direitos, deveres, garantias, compromissos.
Ora os contratos servem para regulamentar o cumprimento recíproco do que mutuamente foi acordado ou, então, para estabelecer a forma ordeira de os romper.
O que este governo tem vindo sistematicamente a fazer com os que, directa ou indirectamente, estão sob sua alçada, é romper unilateralmente esses contratos - e fá-lo de forma arbitrária e amoral.
Dou um exemplo (e, nem estou a falar de mim pois, repito-me, trabalho numa empresa privada). Um funcionário público ou, mesmo, um trabalhador de uma empresa detida por uma empresa pública - mesmo sendo uma empresa que está no mercado em situação de concorrência tal e qual como uma empresa privada, uma empresa lucrativa em que os trabalhadores não têm quaisquer regalias ou direitos que os funcionários público – pode ter tido um corte de ordenado de 10%. Em cima disso foi-lhe retirado os subsídios de Natal e férias. Só aí já vai um corte unilateral de 23%. Poderá dizer-se que, se levou um corte de 10%, é porque tinha um ordenado muito alto. Falso. Isto aconteceu com quadros médios, mediamente remunerados, pessoas que tinham compromissos assumidos na assumpção dos rendimentos contratados.
Some-se a este atentado, o aumento de IRS mais o aumento de IVA - cortes comuns para todos os que ainda conseguem manter-se vivos. Some-se o aumento da electricidade, do gás, dos transportes, de tudo.
Percebe-se, assim, o saque que está em curso a toda a gente mas, em especial a uma ex-classe média que está a ser desapossada da forma mais indecente que há memória, e, em geral, a quem vive de rendimentos de trabalho ou de pensões de reforma e, ainda mais, aos que directa ou indirectamente têm como patrão essa figura que deixou de ser ‘de bem’ que é o Estado.
De notar ainda que, reportando-me agora aos pensionistas, uma pensão de reforma não é uma benesse. Uma pensão de reforma é a devolução da verba actualizada relativa a descontos efectuados especificamente para esse fim ao longo da vida activa. Encarar essa verba como algo de que se pode dispor, retirando parte dela, é ilegítimo e imoral.
Um trabalhador qualificado – e agora refiro-me a todos, isto é, ligados a entidades estatais, para-estatais, empresas privadas, etc - pode hoje descontar do seu ordenado quase metade do que ganha para IRS o que, somado à verba descontada para a Segurança Social, perfaz bem mais do que metade do que ganha. Um atentado.
Ora todas as verbas retiradas desta forma às pessoas são verbas que não circulam directamente na economia. E retiradas todas estas verbas para impostos e deduções, não sobra dinheiro para aplicar em poupanças e o consumo restringe-se ao mínimo. Não havendo dinheiro para aplicar em poupanças, os sistemas financeiros vêem a sua liquidez reduzida; e, reduzindo o consumo, começa tudo a reduzir ou a fechar - e esta é a melhor forma de destruir a economia.
Finalmente, um pouco por todo o lado (com excepção de Passos Coelho e seus apaniguados que ainda não conseguiram perceber) começa a falar-se na necessidade de atenuar estas medidas de austeridade e a reconhecer-se que ajustamentos assim, abruptos, violentos, destroem a economia e impedem o ressurgimento do crescimento. Até a matrafona da Merkel já diz que não quer ser a talibã da austeridade (pudera… sem ter para onde escoar os seus excedentes, a Alemanha começa a sentir a ameaça do abrandamento económico).
Finalmente, ainda que de forma incipiente, começa a falar-se numa espécie de plano Marshall para relançar a economia. Haja Deus!
Poderá dizer-se que falta dinheiro para investir mas isso é uma falsa questão. Vejamos porquê.
De uma forma algo minimalista, o que é necessário fazer restringe-se a duas coisas muito simples.
Primeira – em vez de ter um pensamento assistencialista, atirando as pessoas para o desemprego e depois dando-lhes de comer através de subsídios de emprego ou de subsídios de integração, isenção de isto e mais daquilo, mudem-se as prioridades e empreguem-se essas verbas em actividades reprodutivas. Exemplifico: se se investir no arranjo e modernização das escolas degradadas ou se se construirem residências assistidas para idosos, centros de dias com fisioterapia, apoios médicos e de enfermagem, etc, para além da utilidade óbvia desses investimentos, estará a dar-se emprego a muita gente, desde os que trabalham em funções mais qualificadas (arquitectos, engenheiros, médicos, enfermeiros, técnicos de saúde, etc, etc) como a menos qualificadas, como ainda desenvolver empresas de materiais de construção e de equipamentos de vária ordem, que por sua vez dão emprego a muito gente, etc, etc. Essas pessoas ao terem trabalho, consumirão, terão poupanças, etc, e a economia começa a rolar. Além disso contribuirão com os seus impostos. Em contrapartida, se estiverem desempregadas, é o Estado que lhes paga directamente através de subsídios e, ganhando muito pouco, não terão poupanças e terão consumos muito baixos.
Segunda que, em parte decorre da primeira: restaure-se a confiança. A economia é a magia de, com poucos recursos, parecer que se tem muitos. Se a pessoa A paga a B, a pessoa B, tendo recebido esse dinheiro, compra e paga a C, a qual, por sua vez, compra e paga a D, a qual por sua vez …. e assim sucessivamente. A verba que anda a girar nesta cadeia pode ser sempre a mesma mas, circulando, anima a actividade de muitos elos dessa cadeia. Em contrapartida, havendo medo, insegurança, ou escassez, haverá retracção e A deixa de pagar a B que já não pode comprar a C, que, portanto, não pode comprar a D e a economia começa a paralisar, o desemprego a aumentar.
Não acontecendo isto, deparar-nos-emos inapelavelmente com o que começa a estar à vista: o aumento do desemprego, a recessão, a continuada quebra de receitas fiscais (apesar da sobrecarga individual), a impossibilidade de amortizar dívida e, até, o seu aumento - ou seja, a temível espiral recessiva que atira com os países para a bancarrota, para a miséria, para a perda de direitos, para a revolta social (e, tantas vezes, para a guerra).
Volto a dizer: isto não é ficção, nem escrita apocalíptica, nem nenhum surto de ‘medinacarreirice’ (e isto sem sentido pejorativo): isto é aritmética simples.
Por isso, no Dia do Trabalhador o que eu quero desejar é que, em breve, se invertam as políticas estúpidas e malévolas que têm vindo a ser seguidas e que, em breve, voltemos a integrar um país viável, um país que acarinhe e retenha os jovens, que respeite os velhos, um país de progresso, um país governado por gente inteligente e competente que respeite os seus concidadãos, um país que perceba a dignidade maior que é devida a quem trabalha e a quem já trabalhou.
*
Gosto de acabar com pensamentos ou imagens positivas.
A palavra, portanto, a António Ramos Rosa
Talvez seja o momento de.
Mesmo sem esperança. E ele escreve:
nenhum impulso para ti
neste espaço deserto.
Ele perscruta entre as pedras e as sombras.
Nada vê ignora. Olha.
Que traços são estes,
qual a origem destas palavras nulas?
Ele escreve. O seu desejo é o desejo
de tornar habitável o deserto.
*
E agora um bailado diferente, com uma bela música de guitarra antiga, com umas belas palavras, um bailado ao som de palavras, a poesia de Garcilaso de la Vega. Não deixem de ver, peço-vos, mas vejam-no com o coração aberto que é como se devem ver as coisas belas. A coreografia é de Nacho Duato para a Compañia Nacional de Danza e chama-se 'Por vos muero'.
E tenham, meus Caros, um belo dia 1º de Maio.
Amiga:
ResponderEliminarBelíssimo quadro estas "As mulheres revolucionárias de Skapinakis".
Bom ouvir Zeca, neste 1º de Maio, tão triste, que até o céu chora.
Dia do Trabalhador? Quando é o dia do Desempregado? Já são tantos, que merecem um dia.
Tudo aquilo que diz, é o que eu e outros, muitos, pensam.
O poema de Ramos Rosa, excelentíssimo.
O Bailado, teve o condão de movimentar o ar parado e cinzento.
Fui ler o poema e é tristemente belo.
Estou como o dia: Pardacenta.
Lembranças do dia de hoje, há 38 anos, rolam na minha memória.
Abraços, beijos, vivas, bandeiras, cor, sons, sol. Tudo o que não há hoje.
Beijinhos
Mary, sem cravo vermelho
Mary (hoje em dia de cravo murcho...), olá!
ResponderEliminarPois é, tantos desempregados e tantos trabalhadores em risco de o perderem. Que preocupação. E, até ver, não se vê jeito de isto ir mudar... É um drama, isto.
Eu aqui, ao escrever, balanço entre dizer o meu desagrado e dizer como eu acho que isto deveria ser resolvido e não falar em coisas preocupantes para não atormentar a cabeça a quem me lê, escrevendo antes coisas mais ligeiras ou histórias.
Mas, enfim, no 1º de Maio não podia deixar o dia em branco.
Anime-se Mary, nada de céus que chorem, nada de tristezas que atrás dos tempos vêm tempos.
Um beijinho, Mary!
O quadro de Skapinakis é lindo! Não conheço quase nada deste pintor, que a partir de agora vou procurar (talvez faça uma visita oa Museu Berardo).
ResponderEliminarQuanto à situação económica... nem sei o que dizer; a sua análise é tão clara, a situação parece tão previsível e a solução tão óbvia, que não se percebe por que se insiste na mesma desgraça. vejo por aí pessoas amigas e familiares a fecharem os seus negócios ou a passarem dificuldades, mas o que indigna mais é o ataque aos pensionistas, sem defesa, por serem já incapazes de procurar outras formas subsistência.
São palavras lúcidas e positivas como as suas que ajudam à esperança...
(Via agora um dos telejornais dos canais cabo. As declarações do pministro sobre o desemprego, como se o que diz fosse aceitável, e a acção do Pingo Doce e comportamentos provocados deixam-me sem palavras e com vontade de estar noutro lugar.)
Pois é, Leitora (de A Matéria dos Livros), a situação está preta mas, enquanto houver pessoas descontentes e com energia para defenderem os seus pontos de vista, haverá esperança.
ResponderEliminarEu (que sou uma optimista) estou com esperança que Sarkozy seja afastado e que, a seguir, se abra uma nova consciência.
E não me admirava nada que um dia destes apareça aí o Passos Coelho a dizer que sempre defendeu o crescimento...
Skapinakis tem obra extensa, variada e tem sentido de humor e alegria. Vale a pena. E o CCB é um sítio agradável para se ir a passeio. O jardim das oliveiras com vista para o Tejo só por si já vale uma visita.
Ânimo e bons passeios, Leitora!
Olá
ResponderEliminardeixe-me contar-lhe que já vi a exposição do Fernando Pessoa e adorei.Não sei se se lembra do meu comentário a dizer que ia passar por aí o fim-de-semana, mas não sabia se conseguia ir ver a exposição.
Gostei muito da sua análise, como sempre esclarecedora e que deixa uma réstea de esperança de que os políticos abram os olhos, que alguma coisa comece a mudar...
Eu sou uma pessoa optimista.
Vi uma exposição deste pintor há tempos no Centro Cultural de Cascais. Fui ali espreitar o catálogo, para recordar, porque sabia que não tinha visto essa pintura.
(também comprei nas minhas andanças por essas bandas um livro da Taschen, sobre Edward Hopper, mas não tem os quadros que mais gosto- não conheço muito).
Gostei muito do bailado. Lindo.
Um abraço e obrigada pelas coisas bonitas que aqui traz.
Cara UJM:
ResponderEliminarOntem desejei que o 1.º de Maio fosse um verdadeiro hino de alegria ao direitos do trabalhador.
Hoje estou triste por estre 1.º de maio e pelos acontecimentos que tentam desacreditar os direitos dos trabalhadores.
Temo os “empreendedores ” e “bons patrões” e a manipulação a que sujeitam as massas. Porque não há pensamento onde não há liberdade.
Gostei de SKapinakis e das mulheres revolucionárias, tão verdadeiras e transparentes.E como sempre a sua análise muito lúcida.
E na esperança de melhores momentos, indignemo-nos
abraço da
Leanor formosa e segura
o espaço para os livros pode ser um problema, mas não é isso que vai impedir de aumentar a biblioteca quando se gosta de livros. Livros em 2a fila, em cima das mesas, na mesa de cabeceira, nos cantos, etc. Fantasticas as pilhas de livros das fotografias.
ResponderEliminarCaro Patrício,
ResponderEliminarAdoro livros, gosto de estar rodeada deles. Às vezes ao ver estas pilhas penso: 'Que bagunça, que caos' mas depois, quando me vou pôr a arrumar, não consigo deixar tudo muito arrumadinho, sem livros à vista. Não consigo. Gosto de os ter aqui à mão de semear, especialmente os de poesia.
Mas agora vou fazer uma coisa. Como o seu comentário é sobre os livros que aparecem no post do 1º de maio, continuo a responder lá em cima, está bem?
Ontem deixei aqui um comentário e não saiu. Devo ter escrito mal aquelas letritas.
ResponderEliminarSei que tinha escrito bastante, mas agora já não me lembro.
Não importa.
Gostei do seu post!
Um beijinho