Música, por favor
Lágrimas Negras
(cena do documentário Cuba Feliz realizado por Karim Dridi)
(cena do documentário Cuba Feliz realizado por Karim Dridi)
Devo ser uma das únicas portuguesas à superfície da terra que nunca foi fazer férias para Cuba.
E nem posso dizer que não me desperte curiosidade, porque desperta.
Toda a gente que conheço relata o que lá viu, mostra fotografias. O meu filho também lá esteve, trouxe imensas fotografias e eu pude ver aquilo que é visível. As ruas pobres, as casas degradadas, as lojas vazias, os carros muito antigos… e as pessoas na maior alegria.
E é isso que me espanta e que desperta a minha curiosidade. Vivendo há tantos anos com tantas dificuldades como é possível parecerem todos tão felizes?
Das fotografias que o meu filho lá fez, imprimi em A4 algumas delas e encontram-se, em vidro, numa das paredes da escada. São fotografias com um colorido incrível e em que as pessoas que lá aparecem, um homem de blusa de alças à janela, um grupo de miúdos na maior galhofa numa rua, um casamento com os noivos e os convidados quase a correrem rua fora, uma mulher muito gorda e muito sorridente mal cabendo num atrelado de uma motoreta, revelam uma fantástica boa disposição.
Sabendo-se as condições em que vivem, pergunto-me como é isto possível?
Gostaria, pois, não de ver o que toda a gente vê, as praias, as ruas, mas, sim, as casas por dentro, gostaria de conversar com cubanos mas não na rua, nas suas casas, perguntar-lhes quais os seus principais valores para que mostrem ser tão alegres quando não têm o que comprar nem mesmo para comer decentemente, perceber mesmo como é, qual o segredo - mas como não vejo como seria isto possível numa viagem de dias e sem conhecer lá alguém, ponho de parte a ideia de lá ir.
Esta minha curiosidade sobre a natureza dos cubanos foi relativamente satisfeita com a leitura dos livros de Pedro Juan Gutierrez. Trata-se de uma escrita que, para as almas mais sensíveis pode ser chocante. Considerado um escritor de culto por uns, é também olhado como excessivo, de um realismo absoluto, quase folclore, por outros.
Da sua série Ciclo de Centro Habana li todos os livros e é, sem dúvida, um relato cru da vida difícil, de casas sem água, sem luz, de cheiro a esgotos, de esquemas para arranjar um bocado de carne ou de rum, de calor, de miséria e de sexo, muito sexo. E uma escrita sobre a escrita na casa com varanda para o Malecón, e sobre os cheiros do Malecón, e sobre a boémia decadente no Malecón e sobre a miséria mais desconcertante e resistente nos muros do Malecón.
Grande parte dos livros é marcadamente autobiográfica. Por vezes os feitos sexuais são tão extravagantes que chegamos a duvidar que os factos não estejam a ser polvilhados de whisful thinking. Mas maratonas ou piruetas sexuais à parte, a escrita de Pedro Juan revela o lado invisível a olho nu do temperamento cubano. Optimistas, pragmáticos, sensuais, os cubanos habituaram-se a encontrar a felicidade no ser e não no ter.
Um dia destes volto a Pedro Juan Gutierrez pois é um homem interessante e os seus livros também.
*
Francês, doutorado em biologia molecular, com 65 anos, Matthieu Ricard é o braço direito do Dalai Lama. É tradutor, faz fotografia, escreve e desenvolve trabalho humanitário.
Quando lhe perguntam qual a chave para se alcançar a felicidade a resposta aponta para coisas simples: querer ser feliz é o mais importante; perceber que a felicidade é uma forma de estar na vida; não viver fechado em si mesmo, educar-se para pôr de parte sentimentos negativos como egoísmo, arrogância, agressividade; gostar dos outros (mas gostar, também, de si próprio); reconhecer que o essencial é estar-se em paz, é a amizade, o sentir o coração cheio, é sentir a sensação de que a vida vale a pena ser vivida; perceber que a felicidade não está relacionada com o que se tem a nível material.
Para quem tenha tempo (20 minutos), aqui deixo o vídeo da intervenção de Matthieu Ricard, 'Habits of Hapiness', nas conferências TED.
*
Era preciso agradecer às flores
terem guardado em si,
límpida e pura,
aquela promessa antiga
de uma manhã futura.
*
Flores que guardam, límpida e pura, a promessa de uma manhã futura - in heaven
*
O poema é: 'As flores' e é de Sophia de Mello Breyner Andresen in 'No tempo dividido'
E, por falar em flores e em poesia, hoje lá para as bandas do meu Ginjal e Lisboa, a love affair, as minhas palavras valsam em torno de uma rosa de Ana Marques Gastão e, claro, ao som de Bellini. Se estiverem para isso, gostaria de vos ter por lá.
*
E, meus Caros, tenham uma bela sexta feira e, já agora, sejam muito felizes!
Amiga,
ResponderEliminarJá somos duas. Tenho pena.
Sou do tempo do Che, me enamoré perdidamiente, por ele.
Vê? Não hei-de estar velha. Vi a revolução cubana, a queda de Allende, outro dos meus ídolos.
Também, já muitas vezes me perguntei, como podem ser felizes. Mas a verdade, é que vivem em plena festa.
Os latino-americanos, mexem comigo.
Vivem sempre em guerrinhas, passam fome, sofrem todos os tormentos da natureza, e conseguem fazer de tudo uma festa.
Nós, com muito menos problemas, fazemos de tudo, um drama.
Eles é que têm razão.
Até agora, tem estado a escrever a Mary, com flor no cabelo, saias longas, revolucionária, apaixonada por Guevara. Saiu de cena. É uma louca, que de vez em quando, se mete na cabeça da Mary sensata. Mas eu gosto dela, não quero que desapareça.
Vou tentar ver a entrevista.
Agora, são horas de tratar do almoço.
Mas primeiro Sophia e as flores. Todos os poemas de Sophia, são etéreos. Este não foge à regra.
Sabe o que eu gosto mais no Oceanário de Lisboa? Enquanto pequenos e graúdos, ficam hipnotizados com os peixes e outros animais, eu leio, releio, absorvo, os versos de Sophia, nas paredes.
É claro que, ouço logo: Mas se vens aqui para ler versos, porque não lês em casa?
Ainda não entenderam, que detesto ver animais presos, que aquele ambiente me deprime, que só olhando Sophya, sinto o mar, o espaço.
Estou com a corda toda, hoje.
Beijinhos
Mary
tambem nunca lá fui, de ferias ou trabalho. Fiz escala uma tarde num aeroporto, varadero se não me engano.
ResponderEliminaraparentemente nada têm que fazer, não existe trabalho para todos, cantam, dormem, jogam ao dominó, fumam, conversam, reparam constantemente o seu carro americano se o têm, a panela de pressão dos anos 60, russa, já sem vedante ou valvula, o sofá com 50 anos, o radio de valvulas. Alguns recebem ajuda dos parentes emigrados em espanha, canadá, eua.
povo vocacionado para a musica, como aliás todos os caribeños, esse será um dos passatempos, tocar na rua, em casa, no campo, nos hoteis.
estranha historia tem esse país, vivendo à sombra doutros, de forma dependente, primeiro de espanha até 1898, depois dos eua que o libertaram e usaram até 1959, depois da urss que o mantinha, lhe cmprava o açucar em troca de soldados, novamente da espanha com o turismo dos anos 90, agora dependente da venezuela e da china. Que produz, de que vive? do tabaco? açucar? aluminio? turismo? rum?
terra de jose marti, lezama lima, cabrera infante, escritores complicados de ler, zoe valdes, pjg, arenas, de alejo carpentier.
com musica, conversas na rua, jogos, assim se vai aguentando um pais e uma gente, possivelmente com mais alegria que este onde agora vivemos.
Mas é tambem o pais dos dissidentes, presos durante anos por terem expresso uma opinião, escrito um artigo, formado um grupo, dissidentes que são vendidos a espanha por um tanto cada um, isto no tempo de moratinos. Estranho negócio.
Entretanto, acho que vou ler um conto ou umas poesias de josé lezama lima. Saboroso o mojito ao fim da tarde.
Por vezes a justificação é uma coisa simples, lembro-me de comer torradas ao jantar e, de não me perguntar porque isso acontecia; lembro-me de pensar que, o mais importante é estarmos com quem mais gostamos; lembro-me que as conversas com a minha mãe valiam ouro, apesar de no prato apenas haver flocos de aveia. Parece que foi há muito tempo, pois, não foi. Olhando para o dia-a-dia na escola os que têm o sorriso mais genuíno, são muitas vezes os que nenos têm, talvez, porque sejam mais livres de etiquetas e outros pormenores.
ResponderEliminarUm abraço.
Mary, grande Mary com a corda toda,
ResponderEliminarAdorei o que hoje escreveu, grande Mary!
E concordo com tudo o que diz. A viverem mal, sem dinheiro, na maior precariedade, e toda a gente na maior felicidade. E as cores da América Latina...! As cores quentes da alegria!
E nós sempre tão fatalistas, sempre a lamuriar-nos, sempre sem alegria...! Que povo fatalista e triste somos nós, credo...?
Eu sou amante da poesia de Sophia, tanto mais que sei que era uma mulher informada, uma lutadora. E com tanta poesia dentro dela, tudo lhe saía tão belo.
Mas voltando a si, Mary, adorei vê-la assim, revolucionária, La Pasionaria, 'louca' (mas não acho que ser assim seja ser louca)...! E tão divertida, tão animada...!
Mantenha-se assim, Mary, e ponha sempre uma flor na cabeça, fica-lhe muito bem!
Olá Caro Patrício Branco,
ResponderEliminarJá me ri com o que escreveu...!
Ia a meio e a pensar que o meu Caro, como bom madeirense, tinha um indisfarçável 'pó' aos cubanos...
Que não fazem nenhum, que vivem à sombra dos outros, etc, etc,... Mas, às tantas, deu um twist ao texto e vi, com prazer (e sem surpresa porque o tenho em conta de pessoa informada) que louvava a alegria deste povo e a qualidade de alguns escritores.
E depois um novo twist e lá veio a crítica ao regime que cerceia a liberdade ao povo.
Mas, sabe que mais...? Concordo com tudo o que diz. Acho que é mesmo isso tudo.
Vivem mal, vivem sem liberdade política, e, no meio disto (que, a nós, nos arrasaria) ali andam na maior farra.
Quanto ao resto: aprendo sempre consigo. Se calhar vou confirmar uma ignorância indesculpável... mas não conhecia José Lezama Lima.
Claro que já fui investigar, já li alguns poemas. Obrigada!
E só não vou experimentar um mojito à tarde porque acho que é alcoólico demais para mim mas deve ser bom, sim.
Obrigada, uma vez mais.
Alice rodeada de alfazema,
ResponderEliminarGostei tanto de ler o que escreveu, é um testemunho tão genuíno, tão exemplificador de como a felicidade não está (só) ligado ao 'ter'. Confirma o que diz Matthieu Ricard, o homem mais feliz do mundo que diz que 'quanto maior o consumismo, menor a felicidade'.
O que conta sobre si é um bocado como eu dizer (e digo porque é verdade) que gosto imenso de varrer, especialmente varrer o jardim, apanhar folhas, ou podar árvores, ou cozinhar, coisas tão simples mas que me fazem sentir tão bem quanto as faço. E cada vez mais embirro com ir a restaurantes, gosto de coisas simples e de comê-las em casa, cozinhadas por mim.
Claro que eu estou a falar de uma opção e sei que sou uma privilegiada enquanto a Alice relata factos que decorriam não de uma opção mas, do que percebo, de uma necessidade - e isso faz toda a diferença. Mas, apesar das diferenças, mostram que os momentos de bem estar vêm dos afectos, da alegria de viver, da aceitação das coisas.
Obrigada pelo seu testemunho, Alice rodeada de alfazema perfumado!
Cara UJM:
ResponderEliminarGostei muito! Cor, alegria, energia positiva!
Malgré tout, apreciar a perfeição exuberante das flores in heaven e a simplicidade “límpida e pura” da poesia de Sophia é maravilhoso.
E tenham Dias felizes
abraço da
Leanor formosa e segura
Olá Leanor, sempre tão formosa e segura,
ResponderEliminarLeio o seu comentário no preciso instante em que acabo de escrever uma coisa que me saíu triste. Li o post da Helena e fiquei completamente emocionada. A coragem que ela tem.
E este dias que são tão difíceis. Este sábado, a preparação da despedida. E vi o outro filho na Assembleia da República e não era o ministro que estava ali, era o emocionado irmão. E tudo isto me toca bastante.
Por isso, ontem era Cuba, a joie de vivre, a felicidade. Hoje saíu-me triste. Gostava de ser capaz de confortar aquela mãe, gostava, sobretudo, de a animar.
Mas ela é corajosa como o demonstra no que escreveu, ela vai ser capaz de se manter inteira.
Bom, não digo mais nada porque só me saem coisas assim, a atirar para o triste.
Um abraço, Leanor.
Tem razão, amiga. O Paulo que vi hoje na Assembleia, era um homem devastado,envelhecido, com o desgosto escrito no rosto.
ResponderEliminarHoje e amanhã, vão ser maus dias para eles.
Desejava que pudessem, fazer o seu luto, como pessoas normais, mas não será possível.
A porcaria dos preconceitos, vai obrigá-los a pensar e a agir, conforme os outros esperam.
Vai doer ainda mais, vai custar a amenizar a dor.
Beijinhos tristes.
Mary, sem flor no cabelo. Hoje todas as flores são para o Miguel
na verdade não vejo particulares afinidades entre madeira e cuba. penso que é igual no continente ou nas ilhas, é um pais que não nos diz nada de especial onde apenas vamos passar ferias, tal como a republica dominicana ou outros sitios tropicais que as agencias de viagem publicitam. 1 semana tudo incluido. depois conhecemos a figura de fidel, o rum, os puros, algumas imagens de havana, cidade magnifica mas em mau estado, os carros americanos, a musica dos ruben gonzalez, compay, ferrer, bebo valdez, ernesto lecuona, etc.
ResponderEliminarsemelhanças entre a madeira e cuba? nenhumas, talvez apenas o rum, aqui chamado aguardente de cana agricola. tambem está em curso uma operação cuba livre, é nome provocatório, disse ajj.
O pais latino que marca a madeira é sem duvida a venezuela, em todo o lado se pode comer a empanada venezuelana, o tequeño, a cachapa, o pabellon criollo, a arepa, a malta caracas, a frescolita. e ouve-se falar espanhol venezuelano na rua em qualquer parte.há varias estatuas de bolivar. há o culto a josé gregorio hernandez (medico correspondente ao nosso dr sousa martins)
outros bons poetas cubanos que conheço um pouco: nicolas guillen e raul rivero.
há tempos que tenho vontade de ler o romance de lezama lima paradiso mas falta-me coragem para começar. de vez em quando folhei-o.
a proposito de cuba ser um pais de felicidade alguem disse que cuba seria certamente el mar de la felicidad cuando los balseros remasen en sentido contrario, de los eua para cuba.Opiniões! Mas há felicidade e há alegria, em cuba penso que há é alegria. Magnifica fotografia a da mulher cubana a fumar o puro. Por qualquer razão lembro-me tambem duma pelicula que vi há anos, fresa y chocolate, onde havia alegria.
Caro Patrício,
ResponderEliminarQuando no início do meu anterior comentário disse que, como bom madeirense, não gostava de Cuba, estava a meter-me consigo... Ou seja que qual Alberto João Jardim está sempre a comparar o Continente com Cuba, e sempre a invectivar contra os 'cubanos'... Ou seja, era uma brincadeira.
A nome dado à operação: 'Cuba livra', demonstra que os investigadores têm um inesperado sentido de humor. Fartei-me de rir.
Ainda quando a Cuba: comprei no outro dia um livro que se chama Inside Havana que mostra algumas casas por dentro e é um fascínio. Lindas. Algumas uma decadência que podia ser de dar dó. Mas não dá porque há ali uma enorme beleza.
De resto, o que acho de verdade é que a vida é curta e a gente tende a esquecer-se disso. Mas alguns não se esquecem disso e sabem apreciá-la a sério. E isso é o que realmente importa (acho eu).
Obrigada uma vez mais pelas suas palavras que vêm sempre com dicas que dão vontade de seguir.
E um bom domingo!