Poesia, por favor
'Chamo-te' de Sohia de Mello Breyner Andresen lido por Hugo Moura Vieira
Passámos rente ao rio e lembrámo-nos de subir as ruas íngremes por detrás do belo edifício cor de céu de Santa Apolónia. Apetecia-me rever a Graça, aí onde Lisboa é mais feminina.
Passámos rente ao rio e lembrámo-nos de subir as ruas íngremes por detrás do belo edifício cor de céu de Santa Apolónia. Apetecia-me rever a Graça, aí onde Lisboa é mais feminina.
Muita gente, muitos turistas, muitos casais, namorados beijando-se indiferentes a quem se senta ao lado, duas raparigas de mãos dadas, felizes, muitos jovens ruidosos, uma mulher que gritava pelo cão, crianças brincando, uma mulher jovem num banco de jardim lendo um livro, um homem de mãos nos bolsos passeando, outros sossegados ao sol, pessoas de idade conversando, e esta tranquilidade das belas tardes de um inverno que parece verão.
Miradouro da Graça, um sítio onde o tempo se detém |
Entrei na Igreja, linda, aquela frescura dos ambientes tranquilos, os tectos pintados, as figuras religiosas em poses piedosas, aquela luz coada que nos transmite uma religiosidade natural e digna, e eu por ali andando, olhando e sentindo a paz que vem daquelas pedras, e, então, um coro suave - vozes que se elevam e enchem aquele espaço tão tranquilo - parece nascer dos recantos habitados pela Virgem, por Cristo. A música do órgão, as vozes que ensaiam os cânticos, a luz das velas, as pessoas recolhidas em oração, o silêncio - aqui é Lisboa, cheia de graça.
Uma das pequenas capelinhas, recantos de pura devoção, na bela Igreja da Graça |
É verão e o branco de Lisboa não se cansa
da brancura, o céu de um azul
pálido e constante, na sombra da esplanada.
(...)
'Lisboa com suas casas de várias cores' (Álvaro de Campos), e o Tejo sempre presente |
(...)
Os pedreiros falam alto, num português bruto,
os estrangeiros, que nunca leram Cesário,
louvam o encanto da lota, as raparigas passam,
melhores que qualquer cidade.
enquanto o vento tempera o calor
lembrando que existe um rio.
Mas a sombra é um parêntesis, a brancura
um parêntesis, o próprio vento e as raparigas
uma suspensão no quotidiano
que teima em desintegrar-se,
em resistir à superfície da escrita.
Nessa cidade que tranquilamente
se deixa ficar nas colinas, quem sabe
se à espera, quem pode saber.
['Lisboa, Cerca Moura', de Pedro Mexia in 'Menos por menos']
Ler um livro ao sol, num banco de jardim, junto a um chafariz, com pombos em volta |
Dai-me um dia branco, um mar de beladona
um movimento
inteiro, unido, adormecido
como um só momento.
Eu quero caminhar como quem dorme
entre países sem nome flutuam
(...)
E, neste local mágico, encontrei Sophia, Sophia de frente para Lisboa que se estende rendida, bela e luminosa |
(...)
Imagens tão mudas
que ao olhá-las me pareça
que fechei os olhos.
Um dia em que se possa não saber
['Um dia branco' de Sophia de Mello Breyner]
Sophia, bela, orgulhosa, inteira, guardada pela Igreja da Lapa |
Os troncos das árvores doem-me como se fossem os meus
ombros
Doem-me as ondas do mar como gargantas de cristal
Dói-me o luar como um pano branco que se rasga
['Os troncos das árvores' de Sophia]
Sophia, de perfil, bela como o belo tronco da árvore, bela como as pedras intemporais da parede na qual se grava um seu poema a Lisboa |
Poema gravado na pedra sobre as pedras da parede junto à Igreja no Miradouro da Graça |
E a este belo, belo, mágico, íntimo lugar, chamaram Miradouro Sophia de Mello Breyner Andresen, porque na imensa beleza e na paz sossegada deste espaço se acolhe com ternura e graça o espírito de Sophia, Mulher Poeta.
Miradouro Sophia de Mello Breyner Andresen, Poeta, 1919-2004 A mais bela homenagem que se poderia ter feito |
Mais poesia, por favor
'Pirata' de Sophia de Mello Breyner Andresen lido por Jacinto Correia
Lisboa, meu amor
Joaquim Pessoa e Carlos Mendes
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E tenham, meus Caros, um belo domingo.
Cherchez la beauté.
gostei particularmente da fotografia da rua a dascer com o tejo e a torre duma igreja em baixo. Não identifico a rua.
ResponderEliminardesconhecia toda a presença de sofia de mello nesse bairro de lisboa, a estatua busto, o seu nome e poema em largo e miradouro.
Sofia de mello "poeta", deve haver qualquer preconceito contra a palavra poetisa, evidente que poeta dá para os dois sexos, assim como escritor, escritores, médico, ministro. Em romancista e contista temos o nome da profissão simplificado.
Quanto a "poeta" e não poetisa o inconveniente que vejo é que fica banido o artigo uma, feio se dissermos uma poeta, tal como podemos dizer uma/um escritor esclarecendo desde logo se é homem ou mulher.
Poeta/poetisa na lapide, pois fiquei a pensar nas implicações duma e doutra designação e qual delas seria a preferivel.
A proposito de poesia e lisboa há uma velha antologia de poemas dedicados a lisboa ou em que a cidade é o tema, creio que organizada por david mourão ferreira e publicada pelos estudios cor.
Fiquei portanto a conhecer este pormenor de lisboa ligado à poeta ou poetisa smba
Para ti, amiga Jeitinho:
ResponderEliminarLisboa
Dizer Lisboa, tem sabor a mel.
Tem cheiro a alecrim e tangerinas,
Tem a cor azul de um docel
A graça das saias das varinas.
Nenhum poeta deixa de a cantar,
Acompanhado ao som de uma guitarra.
E o pintor busca o melhor lugar,
Para pintar o quadro com mais garra.
E ela sabe que é bela, entre as mais belas
Que o Tejo a ama ela e, mais nenhuma.
Lisboa lembra ainda as caravelas,
Que zarparam do Tejo, uma, a uma.
E tem gaivotas e pombos e andorinhas.
Craveiros e sardinheiras nas janelas.
E Igrejas e capelas, ruelas e casinhas.
Lisboa, tu és a Bela entre as mais belas.
Maria
Beijinhos
M.
Caro Patrício Branco,
ResponderEliminarÉ uma zona da cidade com uma vida incrível. A parte de cima com muitas lojas, muita gente (também muito trânsito) mas em que se vê gente de todas as idades, muita vitalidade no ar.
E aquele recanto do miradouro é especial, muito tranquilo, com uma bela vista. Gostei muito de ali encontrar Sophia, a Poeta.
Gosto de Poeta, sem género, porque ser Poeta é um dom, acima do género e, até, quase da própria espécie. Claro que, do ponto de vista prático, reveste alguma ambiguidade mas eu gosto.
A rua linda, com vista para o rio entre o casario não estou certa do nome mas creio que será a própria Calçada da Graça. Íamos descê-la de carro mas é sentido proibido, só dá para a subir.
Não conheço essa antologia sobre Lisboa, vou ver se a descubro. Deve ser uma maravilha. Obrigada pela dica.
Maria, poeta Maria,
ResponderEliminarQue bem, gostei imenso. Lisboa inspira as pessoas que gostam de beleza, não é?
Lisboa é isso mesmo, Maria: cheirosa, luminosa, cheia de recantos, igrejas, varandas, vasos de flores, sons, risos, lamentos e com um rio belíssimo, largo, majestoso, azul.
Lisboa é uma cidade que tem sempre muito para descobrir - por isso é uma cidade tão feminina.
Beijinhos, Mary, e tenha um belo domingo!
Cara UJM:
ResponderEliminarQue belo passeio matinal! Obrigada pela visita à Graça. Gostei muito da igreja, do silêncio e recolhimento experimentados na capela, gostei de ser inundada pela luz de Lisboa a partir do miradouro da Graça, mas gostei sobretudo de sentir a transparência, a claridade de Sophia, e logo me veio à lembrança “…. Ressurgiremos para olhar para a terra de frente /na luz limpa de Creta… “. GRAÇA, sem dúvida, um bonito lugar para homenagear Sophia e a sua busca constante de pureza e harmonia .
Leanor pela verdura (a anónima que a tem visitado)
Leonor pela Verdura (que belo nome!),
ResponderEliminarGostei imenso do que escreveu. 'Olhar para a terra de frente' e lembrei-me de um poema dela de que gosto especialmente, 'inteira, onde os outros se dividem'.
Aquele recanto de Lisboa, com o casario de Lisboa e o Tejo à vista Graça é bem o lugar mágico devido à 'nossa' Sophia.
Lisboa é tão bonita. E a nossa inércia leva-nos a esquecer de a visitar (pelo menos comigo acontece isso). Mas, de vez em quando, lá vamos e é sempre o prazer de uma primeira descoberta. Olhar como uma turista estreante - é assim que as coisas se vêem melhor, não é?
Obrigada pela sua visita e pelas suas palavras, tão ao jeito da Sophia.
E parabéns pela escolha do nome.