Não sou dada a amores platónicos. Para mim o amor tem que ser vivido com a cabeça (é o mais importante: como é sabido e consabido, o amor é, acima de tudo, uma coisa mental) e com o coração (tem que haver, pelo menos no início, palpitações, arritmias) mas também com todos os sentidos (e escuso de os citar porque são todos indispensáveis).
Por isso, tudo o que amo, amo de uma forma também física. E as palavras não são excepção.
Gosto de imaginar, e já aqui várias vezes o referi, que as palavras que escrevemos no computador ou no telemóvel, ao serem transmitidas, andam pelos ares, voam no meio de nós, gosto de pensar que as respiramos. São como pássaros transparentes, atravessam continentes, e depois, vêm e entram-nos em casa, aconchegam-se à nossa frente, na nossa mão, entregam-se indefesas ou provocadoras.
Mas eu quero mais que isso. Não me basta dizê-las, saboreando-as, ou ouvir dizer palavras ou vê-las impressas ou desenhadas. Não me basta. Tenho que poder tocar-lhes. Tenho que lhes associar um cheiro. E não pensem que estou a ‘fazer género’ porque não estou.
O espaço que habito é um espaço também habitado por palavras. Elas estão um pouco por todo o lado.
Não apenas nos livros – que não estão apenas nas estantes: estão nas mesas de cabeceira, nas mesas da sala, no chão e até galgam para cima nas cadeiras e dos sofás, ocupando o lugar destinado às pessoas – mas também cá fora. Escrevi-as em azulejos, escrevi-as em muros, escrevi-as nas paredes dos canteiros (que são altos também para que possam conter poemas).
Eu passo por aqui e posso tocá-las com as minhas mãos, posso respirar o perfume dos pinheiros, dos cedros, dos loendros que lhes fazem companhia.
Aqui, à minha volta, eu tenho o vento, as pedras, os pássaros, as árvores, e o tojo, o alecrim, o rosmaninho, a sálvia, o tomilho (ervas que tantas vezes apanho e ponho na comida) e tenho as palavras de Sophia, de Eugénio, de Natália, de Jorge de Sena, de Herberto, de O’Neill, de David, de Maria Teresa, e de outros.
E, por isso, as palavras de Sophia têm o cheiro luminoso das figueiras, as de Herberto têm o cheiro fresco e doce dos pinheiros, as de David têm o cheiro galante dos cedros, e a todas eu posso tocar, às vezes afagar.
Percorro os caminhos deste local tantas vezes agreste, de grandes frios e grandes calores, de ventos intensos e, enquanto vou inspirando este ar tão puro, vou sentindo a companhia das palavras que tanto amo, voam ao meu lado ou recolhem-se às paredes que eu tanto gosto de sentir e nas quais sinto que estou eu própria impressa.
Tenham, meus Amigos, um belo dia.
E que tenha alguma poesia, se fazem favor.
Contra a crise que viva a nossa pátria, a nossa bela língua portuguesa, que viva a nossa poesia, que vivam, sempre, as nossas palavras.
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Depois de ter escrito este post e antes de me ir deitar, ainda fui dar uma volta por algumas capelinhas e eis que dou com um delicioso poema que o O Destino marca a hora quase parece ter-me enviado para provar que já há quem pratique aquilo que eu acabei de recomendar (poesia contra a crise) e que não há nada mais perene do que as palavras quando se articulam numa surpreendente e inspirada toada. Confiram, se fazem favor.
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(Ps: E depois, se quiserem, terão uma bela música à vossa espera, um duo de contrabaixo, na Música no Ginjal)
zzedAmanhã. Daqui a umas horas. Logo. Depois. Assim que me refizer.
ResponderEliminarSe soubesse...
Dir-lhe-ei aos olhos-ouvidos.
(«obrigada,» sopra o vento no Ginjal...)
Gostei da decoração, adorei as poesias. Isto é: Adoro poesia, adoro os poetas que escolheu.
ResponderEliminarGosto de ouvir poesia bem dita. Gosto de ler poesia. Acho que não passo um dia, sem ler um poema. Tenho sempre um livro de poesia por perto.
Desculpe mas, às vezes também escrevo e sai uma coisa que para mim, é poesia. Para os outros não vale nada.
Mando-lhe esta amostra:
Poesia
Um dia, há muitos anos,
Ouvi a primeira poesia.
Pouco depois, já a dizia
Sem hesitação ou mesmo enganos.
Apaixonei-me por ela sem remédio.
Busquei-a, em toda a parte a encontrei.
Amei o amor, por ela o procurei
Sinto-a no ar, no sol, até no tédio.
Amo a poesia nas flores e nas crianças
Nas doces madrugadas do verão
Nas terdes tristes do cinzento outono.
Amo-a na vida, na música, nas danças
Amo-a nos sonhos e à noite ao serão
Gosto de a ler até chegar o sono
Maria
Ah! Se este país não tiver salvação económica, tem-na, de certeza, pela prosa poética.
ResponderEliminarEssa ninguém nos tira, nem há troika que a entenda ou comande!
quase me apetece parafrasear uma canção, "a poesia é uma arma..."
ResponderEliminarMaria,
ResponderEliminarMuito obrigada pela sua poesia que, como uma inesperada surpresa, veio juntar-se ao meu texto, e às minhas imagens.
A vida tem outro valor quando a sabemos ver com a tonalidade e a toada da poesia, não é?
Leio o seu poema e vejo que a tem dentro de si e só isso a tornará certamente uma pessoa especial.
Que as coisas da vida continuem a inspirá-la, Maria.
Um beijinho e uma vez mais os meus agradecimentos pelo presente que aqui nos deixou a todos.
Helena,
ResponderEliminarPois é. Somos um país de poetas (sem lhe atribuir sentido negativo, claro). Eu até há pouco tempo não via blogues e tenho vindo a ficar perplexa com tanta gente a escrever bem, tanta gente a divulgar poesia. É uma coisa extraordinária.
É isso e cantar bem. De cada vez que há um concurso na televisão, aparecem aos milhares e é com cada voz... Fico também de boca aberta: será que nos outros países também será isto...? Tantos poetas, tantos cantores...!
Se os da troika já deram por isto, devem estar parvos...
Ao menos nisso somos bons - e já não é pouco.
Um beijinho, Helena e continue a ter essa energia positiva e esse sentido de humor.
Packard,
ResponderEliminar'A poesia é uma arma e eu não sabia, tudo depende da bala e da pontaria, tudo depende da raiva e da alegria'...?
Soa bem.
São as palavras que abraçam os galhos e os arbustos
ResponderEliminarou as flores que te enfeitam os muros e os poemas?
Nessa original e doce confusão
só um manso jeito
só o teu carinho
para tornar de veludo
e emoção
as rugosas pedras do caminho...
Ah Era uma Vez,
ResponderEliminarQue contente fiquei agora por a ver por aqui. Tenho pensado que não a tenho visto, tenho pensado se estará tudo bem consigo.
E como agora gostei destas suas palavras que agora me vieram visitar.
E é muito isso: não sei se são as palavras que ali são as donas do lugar ou se as donas são as pedras e as árvores e arbustos, e as palavras vieram de visita e foram-se deixando ficar.
Eu se sou eu que nasci de dentro daquela terra, de tal forma me sinto a ela ligada.
Adorei este seu poema, tão, tão a propósito do que sinto quando ali estou (e que está sempre dentro de mim).
Um beijinho agradecido.