domingo, julho 31, 2011

De olhos abertos com Marguerite Yourcenar, II (não se zangue Ana Cristina Leonardo, que eu já tinha escrito a parte I antes da sua recensão no Actual, Expresso deste sábado)

Marguerite Yourcenar aos 5 anos

Na quinta-feira passada já aqui falei do livro que estava a ler e que, apesar do reboliço à minha volta, me estava a deixar encantada, 'De Olhos Abertos'.

Olhem se eu fosse fizesse crítica literária para algum jornal ou revista... lá tinha estragado o furo à Ana Cristina Leonardo que, no Actual do Expresso deste sábado e no Meditação na Pastelaria, fala justamente deste livro...! Imagino o que isso a teria enfurecido, imagino o que ela diria de mim, puxa..., olha a minha sorte por ser apenas uma simples camponesa.

Mas, façam o favor de reconhecer, ó meus caros leitores: do que eu escrevi - e não dissertei sobre o livro que a minha pretensão não chega a tanto - dá para perceber que estava mesmo a ler o livro, não dá?

Mas já do texto da Ana Cristina Leonardo não se pode concluir o mesmo, pois não...?

(Brincadeirinha, brincadeirinha... ! Estou a dizer isto porque ela, quando lhe deu uma coisinha má e se atirou a Eduardo Pitta, no meio da tareia, insinuou que ele não teria lido o livro).

Pois já concluí o livro e já passei para outro de que, quando o comprei, já aqui dei conta e que estou agora a ler com bastante gosto, 'Just Kids' da Patti Smith.

Um dia destes falo do que estou a gostar de saber da vida não tanto dela (apesar de estar a ser uma agradável surpresa) mas, sobretudo, dele, cuja obra eu muito admiro, como disso já aqui várias vezes dei conta, Robert Mapplethorpe.

Mas, não quero deixar de partilhar convosco mais alguns excertos das palavras de Marguerite Yourcenar nas conversas com Matthieu Galey. 

Aos 33 anos

Sou devota da escritora.

Quando escreve é sempre ela a contar a sua própria vida, só que às vezes ela é Marguerite, outras vezes é Adriano, outras vezes é Zenão, outras vezes é... Mas é sempre alguém cuja erudição é uma coisa que vem das profundezas da terra, uma coisa que parece ser do domínio do sagrado, do princípio dos tempos. E que, depois, conjuga e tempera esse inexplicável dom com a sabedoria das coisas simples, com a normalidade das suas actividades do quotidiano, sem certezas, sem soberba.

E sempre, sempre, aquele despojamento autêntico, absoluto, das pessoas intrinsecamente livres.

Marguerite Yourcenar, a mesma confiança e beleza de quando tinha 5 anos

Vejam, por favor:

Sobre a forma como evoluem as nações: Falo de uma renúncia consentida às formas demasiado estreitas e demasiado fúteis de felicidade. Um velho poema chinês resume-se a isto:

            'Que maravilha!
            Varro a entrada e vou buscar água ao poço!'

E, de facto, que maravilha! Se cada um de nós o soubesse, teríamos reencontrado a sabedoria e a doçura de viver, e as pessoas não andariam nas estradas por andar, e não continuariam a ouvir, tediosas, as músicas mecânicas que lhes impingem.
  
Sobre a questão de os potenciais leitores poderem não ter tempo para ler: O banqueiro ou o rico homem de negócios gabam-se de não ter tempos livres; tiram disso uma vaidade parva.

À questão sobre se sente que fecha uma obra, quando acaba um livro: Nunca fecho nada, nem sequer a minha porta. tenho outros livros e outros títulos em mente, que provavelmente não terei tempo de escrever, mas é importante que haja na nossa obra algo de inacabado, como essa linha interrompida que os oleiros mexicanos deixam nos seus desenhos, para impedir que o espírito se torne prisioneiro.

À pergunta 'mas como é que você faz amigos?' (dado que era bicho do mato, vivia afastada de eventos mundanos, na sua casa no campo, 'Petite Plaisance'), responde: Lembro-me de umas palavras encantadoras de um livro de Montherlant. Estranhamos que uma rapariga não tenha dado nome ao seu gato: "Como é que faz para chamá-lo? - Não o chamo; ele vem quando quer.". Também os amigos chegam muitas vezes pelo maior dos acasos.

[...]

Acredito, aliás, que a amizade, como o amor (...), exige quase tanta arte como uma figura de dança bem conseguida. É preciso um grande entusiasmo e uma grande contenção, muitas trocas de palavras e muitos silêncios. E, sobretudo, muito respeito.

À pergunta: 'O que entende por respeito?': O sentimento de liberdade do outro, da dignidade do outro, a aceitação, sem ilusões, mas também sem a menor hostilidade ou o mínimo desprezo, de um ser tal como ele é. É preciso também (o que talvez não seja absolutamente necessário ao amor, mas que sei eu?) uma certa reciprocidade.

Ao falar sobre como 'se quisermos, podemos ter animais como amigos, plantas ou pedras, e então a reciprocidade torna-se diferente': [...] E quem se apoiou numa rocha para se abrigar do vento, quem se sentou numa rocha aquecida pelo sol, colocando lá as mãos para tentar captar aquelas obscuras vibrações que os nossos sentidos não apreenden, tem grande dificulddae em não acreditar obscuramente na amizade das pedras.


Claro que, nesta matéria, não tendo eu qualquer tipo de pretensão que não a de partilhar com os meus leitores algumas das ideias que me ocorrem sobre a escritora ou algumas passagens do livro, posso ser tendenciosa e seleccionar aquelas que, a mim em particular, mais me agradam ou com as quais mais me identifico.

Pois esta ideia de sentir amizade por pedras que aqui vejo descrita é algo com o qual muito me identifico.

Eu, impressa nas rochas in heaven

Aqui, in heaven, é o reino dos ventos que, quando sopram, levam tudo pelos ares, é o reino dos grandes espaços, das árvores, do mato bravio e das rochas, das pedras que brotam do chão. E eu adoro estas pedras. As lutas que tenho travado para as respeitarmos, para as colocarmos como esculturas, para as evidenciarmos. Não quero ter jardins de sebes aparadas, flores certinhas, canteiros sofisticados, relvados citadinos: quero azinheiras, pinheiros cheiroso, cedros altaneiros, pedras, bancos de pedra, mesas de pedra, escadas nas pedras, flores que nascem das pedras. 

Flores in heaven, simples, perfeitas, a nascerem das rochas

Para concluir: aqui deste recanto rochoso, numa madrugada particularmente ventosa (os ramos do plátano roçam no telhado e fazem ruídos vagamente assustadores), recomendo que, se gostam da obra de Marguerite Yourcenar como eu gosto, leiam 'De olhos abertos'; e aproveito para vos desejar um bom domingo!

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