segunda-feira, junho 20, 2011

Fernando Nobre, depois da invulgar humilhação a que Passos Coelho o submeteu, diz que parte com a sensação de dever cumprido. 'Parte'? Para onde? No 1º dia como deputado já diz que vai partir. Bonito serviço. 'Dever cumprido'? Mas que dever é que cumpriu? Baixas estão as expectativas. E a Grécia que está um caos. E os riscos que Portugal corre. E o euro. E, finalmente, e acima de tudo, a língua portuguesa.

Em tempo recorde, cerca de duas semanas depois das eleições, toma amanhã posse o novo governo.

Hoje reuniu pela primeira vez a nova Assembleia da República e por duas vezes Fernando Nobre foi rejeitado pela Assembleia para seu Presidente. Inédito e humilhante.

Mas não apenas humilhante para Nobre: humilhante sobretudo para Passos Coelho. Foi uma péssima opção de Passos Coelho, foi uma má gestão do assunto, foi, de facto, uma situação que envergonha os envolvidos.

Esperemos que situações destas, de puro amadorismo - e, pior, que revelam uma má avaliação de competências e das situações - não aconteçam com a frequência que, a sucessão dos últimos dias, faz temer.

Passos Coelho, a 3ª figura de Estado e Fernando Nobre que, afinal, não vai ser a 2ª figura 

Cavaco Silva, um homem sem chama, conotado com grande parte das medidas que trouxeram o País até onde estamos, na Presidência da República; Passos Coelho, inexperiente em cargos de governação, com fraca experiência profissional (rodeado, em grande parte, de um grupo de académicos, inexperientes como políticos) no Governo; e, agora na Assembleia da República, esta embaraçosa situação. Assim vamos.

E, infelizmente, fora das nacionais fronteiras, há focos de preocupação que podem ter também efeitos nefastos sobre nós.

A Grécia tem uma dívida que é uma chaga a sangrar, biliões que ameaçam a estabilidade financeira europeia dado o enorme envolvimento sobretudo do BCE e de bancos alemães.

A Europa e as suas hesitações, o seu andamento a várias velocidades, faz-me lembrar aquela história que o António Lobo Antunes diz que o marcou sobremaneira e o inspirou literariamente: conta ele que um dia um seu doente (de psiquiatria) lhe disse: ’O mundo foi feito por trás’. Só isto - mas para António Lobo Antunes, esse crazy guy, terá sido uma epifania.

António Lobo Antunes e o mundo feito por trás

O mundo eu não sei mas a Europa parece, de facto, ter sido feita por trás.

Foi a arregimentação fácil de mais países, com práticas e políticas muito díspares, especialmente a nível fiscal, depois foi a agregação em torno do euro que, à primeira vista parecia um sucesso, e que agora vem revelar que não há almoços grátis, é a ausência de mecanismos de correcção (valorização ou desvalorização cambial) e, aqui chegados, com o mundo financeiro a chiar por todo o lado (a Europa em risco de gangrena, os EUA a patinarem, o crescimento chinês demasiado aquecido - no conjunto, um bolo a desandar, uma maionese a talhar), constatamos que as verdades inabaláveis das últimas décadas ruíram sem que outras as tivessem ainda substituído.

O mundo financeiro tem pés de barro, isso sabemo-lo todos muito bem, deslumbrou-se e, alguns, desataram a praticar o perigoso esquema da pirâmide, preocupou-se sobretudo com as quotas de mercado a qualquer custo, vendendo dinheiro a quem não tinha como o pagar, procurando o lucro imediato (o que propicia bónus de gestão elevados); os países mais fracos, esses, deslumbraram-se com o crédito fácil e endividaram-se muito para além das suas possibilidades, adquirindo hábitos de novo-riquismo; as agências de rating, organizações espúrias, perversas, (embora desmascaradas à saciedade), continuam a ditar as regras do mundo sem que nada se faça para as impedir; os investidores que dão pelo genérico nickname de 'os mercados', cada vez mais, às escâncaras praticam agiotagem a céu aberto sem que ninguém mexa uma palha para o impedir (taxas de juro acima dos 20 ou 30% onde é que já se viu uma coisa assim?!) – e, enquanto este descalabro se desdobra perante os olhos de toda a gente, as grandes figuras visionárias, os políticos de grande calibre, estão mortos ou reformados e a vida pública, um pouco por todo o lado, está entregue a gentinha que emerge dos cantos da rua, gente que há uns anos não quereríamos nem para tomarem conta dos serviços de economato. Apetece-me dizer que é o fim dos tempos. Pelo menos destes tempos que tomávamos como adquiridos, de uma democracia capitalista quase igualitária, de uma democracia, apesar de tudo, humanista, de uma democracia que zelava pelo chamado 'estado social'.

Assim estamos.

Grécia a ferro e fogo

Quase meio século depois de 68 e dos grandes tumultos que marcaram esses tempos de revolta, voltamos a ter as ruas das capitais invadidas por gente descontente, gente que apedreja a polícia, que se barrica. Grécia oscila entre as greves gerais e a maior confusão de rua, mas também Madrid, Barcelona – e veremos se as coisas se ficam por aí.

Tempos assim prenunciam fracturas.

Depois de vários países assistirem ao que seria impensável há dois ou três anos atrás (redução de salários, pensões, subsídios, direitos que se tinham por adquiridos), já se aceita como benéfico que haja perda de autonomia financeira nacional, entregando-se a gestão a um ministério europeu.

É a globalização. É a externalização. A deslocalização. O outsourcing da gestão financeira nacional. Shared services. Talvez não falte muito para que haja um Governo europeu e que os actuais países passem a regiões ou estados. Mas perante o estado de ruptura eminente, perante a desgraça anunciada, vamos defender outra coisa?

Tantos anos de história para isto.

João Ferreira do Amaral, homem sério que gosto de ouvir, diz que há outra saída, aliás, a única. Portugal está como aquele pobre trabalhador a quem saíu a lotaria e que, sem se dar conta, gastou o dinheiro todo sem ser em proveito próprio e, ao fim de maia dúzia de anos, volta a estar tão pobre como antes. Já ninguém o quer no clube dos ricos. Desgraçado, sem dinheiro para mandar cantar um cego, só lhe resta voltar à situação anterior, de trabalhador pobre. Assim, segundo Ferreira do Amaral, está o País: segundo ele a única saída digna é sair do euro, do clube dos ricos.

As consequências seriam temíveis mas, com o descaminho que as coisas levam, não estou a ver alternativas animadoras.

Mas não sou capaz de escrever mais sobre o assunto. Não analisei estudos, não sei.

Tenho esperança que, algures, entre os tempos de chumbo que atravessamos e o tempo das grandes decisões, surjam figuras de relevo, gente de cultura, de visão, gente com ambição, gente com sentido histórico, sentido de estado, que consiga deitar as mãos ao País.

Seja como for, no meio desta hecatombe que nos está a conduzir no sentido do empobrecimento, que nos está a sorver no sentido do declínio, da perda de dignidade, uma coisa deveremos defender com a vida: a nossa inalienável, sagrada, língua portuguesa. Porque a nossa pátria é a língua portuguesa.

Ao pé da língua portuguesa, tudo o resto é efémero.

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