Ideas liebres son las ideas que corren, y, por consiguiente, las que nadie tiene
José Bergamín
Ontem, quando pensava que o meu marido se tinha ido deitar, apareceu-me aqui dizendo que tinha ido ao jardim ver o sistema de rega. Deve ter ido ver se estava a funcionar, não sei. Sei é que lhe disse que me podia ter dito que ia lá fora àquela hora. Pela configuração da casa, não se ouve o que se passa do outro lado e, por isso, nem tinha dado por nada.
O sistema esteve sem funcionar alguns dias e a relva ressentiu-se. Pois bem, de madrugada, acordou-me para me dizer que ia lá fora pôr a funcionar. Virei-me para o outro lado, convencida que estava a levantar-se. Levanta-se sempre cedíssimo. Passado um bocado, voltou para a cama. Fiquei espantada. Que ideia era aquela? Perguntei que horas eram. Cinco. Fiquei passada. Porquê tão cedo e porque me tinha acordado? Explicou a razão de ser tão cedo e disse que me tinha informado pois, de noite, eu lhe tinha dito que me deveria ter avisado. Fiquei fula: nem três horas eu tinha dormido desde que me tinha deitado. Como sempre, disse-me que deixasse de protestar e que voltasse a adormecer. E eu, fula, disse-lhe que não funciono como um interruptor. Mas parece que não percebe isso.
Só voltei a adormecer quando ele saiu da cama mas, passado um bocado, tocou o telefone. Portanto, o meu défice de horas de sono, agudiza-se.
Como habitualmente, desejei amargamente poder dormir durante meia hora a seguir ao almoço. Mas, também como habitualmente, não consegui.
Fomos almoçar já tarde, depois de uma caminhada à hora do calor. Aproveitei para lhe pedir que, a menos que haja urgência com a família ou que o céu esteja a cair aos bocados, jamais voltasse a acordar-me. Fingiu que estava a receber este pedido pela primeira vez. Mas isto dura há anos e anos.
Quando os nossos filhos saíram de casa, para ver se conseguia dormir sem interferências, fui dormir para o quarto da minha filha. Geralmente a meio da noite, aparecia no quarto e ia enfiar-se na cama comigo: dizia que não dormia bem sozinho. Portanto, era pior a emenda que o soneto pois, sendo a cama mais estreita, ainda mais perturbação me causava. Acabei por desistir com a promessa que não me acordava de noite. Mas está bem, está. Acha que não está a acordar-me, que eu é que tenho o sono leve ou que embirro. Um chato.
De tarde, uma reunião que pensei que não duraria mais do que uma hora acabou por durar cerca de três. Do outro lado, uma pessoa ia de férias e queria deixar o trabalho em marcha e, sabendo que não tarda irei eu, ainda mais assuntos vieram para cima da mesa. Às tantas, recebi um mail do meu marido dizendo que me despachasse pois queria que fossemos escolher uma tinta para pintar o portão da horta para ver se o pintava ainda hoje.
Enfim. A gente bem tenta mas parece que há sempre um pequeno motivo que nos impede de conseguir algum tempo para nós. E assim vão passando os dias. Ou seja, passa o verão e não consigo apanhar sol no jardim ou tempo para pegar num livro.
Enfim. É o que é.
Tenho aqui dois livros que trouxe no outro dia da pequena e agradável livraria de bairro onde consegui ir, numa inesperada incursão.
Fica longe e nada em caminho mas queria mesmo lá ir. Encomendar livros online não se compara com o contacto presencial com uma livraria de verdade onde existe uma Livreira de verdade e onde tudo é muito genuíno e onde os livros são livros e não meras embalagens de uma qualquer fancaria. Ir lá é um gosto, não apenas pelos livros mas, também, pela simpatia da Livreira.
Achei graça que, quando lhe falei num certo livro, ela me tenha dito que não tinha lido nem recomendava pois embirra com o autor. Disse-lhe que também eu, e deu-me vontade de rir a reacção espontânea dela, e acrescentei que o livro me tinha surpreendido pela positiva. Rimo-nos com a coincidência de opiniões e ela contou-me o que lhe tinha lido nas redes sociais e que só provava que o tipo é um vaidoso e um convencido. Contei-lhe que é também essa a ideia que tenho dele. Estivemos à conversa, pois, e para concluir ela disse aquilo que eu também tendo a pensar: que mais vale a gente nem saber nada dos escritores, que há com cada estupor... e que, depois, ficamos com preconceitos contra a obra.
Gosto de conhecer a vida de alguns escritores mas não para entender melhor a sua obra. Aliás, acho que nem me lembro de relacionar com a sua obra. Acho que gosto apenas porque, por vezes, são pessoas com vidas cheias de contradições, com uma maneira curiosa de ser. Gosto de os conhecer quase como se lesse sobre um personagem interessante.
Há poucas pessoas com quem goste de falar sobre livros pois a maior parte das pessoas com quem falo sobre livros diz coisas que não me interessam ou interessam-se por livros que a mim não me interessam. Mas quando as pessoas têm coisas para me ensinar ou têm gostos compatíveis com os meus gosto muito de falar de livros. Aprendo. Gosto de aprender. Assim de repente sou capaz de pensar em duas ou três pessoas com quem a conversa sobre livros me abre portas e, ao mesmo tempo, me conforta. Pessoas raras.
Os dois livros que trouxe para mim foram 'Ideias lebres' de Ernesto Sampaio e 'Zonas de baixa pressão' de António Guerreiro. E estou desejando de os ler. Enquanto escrevo isto, olho-os: capas elegantes. Passo-lhes a mão pelo pelo: capas macias. Folheio-os: as palavras chamam por mim.
A ver se arranjo tempo para elas.
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Livraria Escriba
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Pinturas de Faith Ringgold na companhia de Nina Simone em I Wish I Knew (How It Would Feel To Be Free)
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Desejo-vos uma feliz sexta-feira!
Tudo o que se diga, de bem, sobre a Liv. Escriba e a R. A., nunca é demasiado. Bem merecem!
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