segunda-feira, junho 23, 2025

Varrer, regar, ver esquilos, fazer conteúdos digitais

 

Quem se dá ao trabalho de ver os meus inconcebíveis vídeos no Instagram, para além de constatar um indiscutível amadorismo e uma total ausência de propósito, já deve estar farto do chinfrim que faço ao andar, pisando caruma, folhas secas de azinheira ou de eucalipto, bolotas ressequidas e tudo o mais que por aqui se junta. 

É certo que eu poderia -- e, se calhar, deveria -- aprender a editar os vídeos, retirar-lhes o ruído ambiente, cortar e colar bocados disparatados, etc. Mas, sinceramente, não ando com paciência para gastar tempo com isso. E, ao escrever isto, receio que achem falta de respeito da minha parte apresentar produtos de tão insólita falta de qualidade alegando falta de paciência para aprender e para editar. Porém acreditem: não é falta de respeito, é mesmo uma quase incapacitante falta de paciência. Pode ser que me passe... Um dia que leve mais a sério isto de fazer 'conteúdos digitais' (como agora sói dizer-se) talvez me leve a mim mesma mais a sério (e agora devia aqui inserir um emoji a piscar o olho e a deitar a língua de fora para que percebam que estou a pensar que está bem, está). 

Em contrapartida, tenho passado os dias a varrer em volta da casa. Só que a casa, ainda assim, tem um perímetro que vai lá, vai, e os calores dos últimos tempos têm feito o chão encher-se de folhagem seca. Por isso, é um trabalho insano, uma never ending story, uma cena à moda do sísifo. Até não há muito, com as chuvas, era musgo por todo o lado e até nascia erva das pedras. Agora está tudo seco e é o que se vê.

Lá por baixo, na extensão grande do terreno, não há como varrer ou impedir que os meus passos façam barulho ao pisar isso, mas, em volta da casa, até por razões estéticas ou de segurança, obviamente tem que ser tudo limpo.

Em tempos, tínhamos contratado um senhor da aldeia para tratar das limpezas e das regas. Vinha duas tardes (completas) por semana. Queixava-se, dizia que não chegava, dizia que era trabalho a tempo inteiro. Mas também não queríamos que isto fosse o palácio de versalhes, não era nossa ideia ter um jardim imaculado em volta da casa. Sobretudo, o que queríamos era que, ao fim de semana, não tivéssemos que nos preocupar com isso. Mas o senhor, para nos demonstrar que duas tardes (inteiras) por semana não chegavam, pespegava-se cá ao sábado. Nós a querermos estar descansados e à vontade e ele a cirandar por aqui, a chamar-nos para nos mostrar isto, a chamar-nos para nos perguntar sobre aquilo, uma seca de que não havia memória. Mesmo quando lhe dizíamos que íamos cá ter pessoas, ele não despegava. Aliás, parece que fazia questão em estar, em ver e ser visto. Ficávamos passados. Com muita dificuldade e cuidado para não o melindrarmos, acabámos por dispensá-lo.

Mas isto não se dá conta. Precisa mesmo de manutenção. O ano passado o meu marido contratou outro senhor da aldeia. Veio recomendado pelo vizinho do início da rua. Avisou-nos que ele bebia um copito a mais mas que era trabalhador e sério.

Chegávamos cá e estava tudo na mesma, com excepção de beatas por todo o lado. E não era das puritanas que rezam, eram mesmo das que podem pegar fogo. Queixava-se que era um trabalho ingrato, que vinha limpar e varrer e apanhar ervas todos os dias e que chegava ao fim de semana e o que tinha sido cuidado na segunda-feira já estava outra vez a precisar de ser limpo. O vizinho confirmava que o via andar por cá a trabalhar, que não era tanga. No fim, pagávamos horas que nunca mais acabavam e não se via nada de jeito, só beatas. Dizia que tinha cuidado, que as apagava bem. Mas eu não podia ver beatas por todo o lado, é coisa que me me complicava com o sistema nervoso. No conceito dele, os cigarros são para se deitar para o chão e parecia não perceber que não o deveria fazer. Acabámos por agradecer e, uma vez tudo pago, nunca mais lhe dissemos para vir.

Resultado, somos nós que tratamos do assunto. O meu marido reclama, diz que é trabalho a mais.

A mim não me custa. Gosto imenso de varrer. Aposto que para a minha cabeça é como se estivesse a meditar: não penso em mais nada. Ando completamente focada a varrer e fazer montes. O pior é que, depois, encher os sacos ou os carrinhos custa um bocado. Uso uma pá grande mas, às tantas, o meu marido pega ele naquilo e anda ele a recolher os montes, a transportá-los para a terra. E queixa-se. Diz que, antes de eu acordar, já ele andou a cortar mato ou a fazer outras tarefas e que, depois, eu não sei parar e varro este mundo e o outro e que não está para isso. Mas esta nossa dinâmica, de reclamarmos um com o outro, já tem barbas, ou seja, já não ligamos muito aos protestos um do outro.

Outra coisa que fica para mim é a rega. Gosto imenso de regar. Quem me acompanha aqui há muito tempo, recordar-se-á que já contei que, de início, investimos fortunas (salvo seja) em sistemas de rega mas que, quando cá chegávamos ao fim de semana, estava tudo roído. Os coelhos (ou outra bicharada) roíam tudo. O meu marido substituía e eles comiam. Desistimos. O meu marido decretou que o que sobrevivesse sem rega seria bem vindo, o que carecesse de cuidados, podia desaparecer à vontade. E assim foi.

Mas o que está mesmo em volta da casa, do lado da frente, tem que ser regado. Agora do lado de trás e dos lados (se bem que a casa, pela sua arquitectura, na prática não tem frente, nem lados, nem trás) nunca é regado.

E, no entanto, está tudo gigante. Só as laranjeiras, e estão à frente, é que estão raquíticas e vão acabar por morrer. Não deveriam ter sido plantadas, não se dão aqui, é impossível. Quando comprámos o terreno já cá estavam, e já eram infelizes. Trinta anos depois ainda sobrevivem... mas coitadas.

E hoje já andei a apanhar orégãos, amanhã já vou montar o estaminé do costume: lençol em cima da mesa da casa de jantar e eles espalhados em cima, a secar. 

Adoro. São perfumados, frescos. Bouquets graciosos, delicados e com a graça adicional de serem comestíveis.

O campo, para mim é uma mistura de mil sensações boas: os sons, os cheiros, a luz, a paz, o vagar, o contacto directo com a terra, com o trabalho simples. Maravilha maior. Não há cá férias em resorts, em turismos de habitação cinco estrelas, o que for: aqui é que a minha alma rural se sente bem.

E, ao fim do dia, enquanto estava ao telefone com a minha filha, ia ela a caminho de casa depois de umas belas férias abroad, e eu por ali andava de um lado para o outro, uma surpresa daquelas que me deixam a sorrir, com vontade de agradecer, com vontade de trepar às árvores a ver se me aceitam como uma deles: um esquilo a andar por cima de um banco, a trepar a um muro e depois a subir pelo tronco da azinheira sob a qual eu estava. Que bênção, que alegria. Eu com receio que eles tivessem desaparecido e, afinal, ainda por aqui andam. Este é mais escurinho do que os que eu tinha visto antes. Este era mesmo castanhinho escuro. Lindo, fofo, um rabo enorme, ao alto.

Estava a falar ao telefone, não consegui fotografá-lo. Mas acreditem, ainda por aqui andam. Provavelmente, enquanto ando a varrer, estão eles lá em cima a tentar compreender que animal é este que, cá em baixo, se entretém a fazer montes de folhinhas e bolotas (e pinhas que eles deitam para o chão depois de as roer). Esse animal sou eu que, tal como eles, vim de outras paragens para usufruir do privilégio de respirar este ar tão puro, para viver nesta paz tão mágica.

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Desejo-vos uma boa semana

Be happy

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