sábado, junho 14, 2025

Conversa de vizinha


As televisões mostram ataques aéreos de Israel, do Irão. Os comentadores saltaram para os balcões para opinarem sobre a gravidade, sobre os objectivos, sobre os impactos. Mas a mim estas crises entre estes intervenientes deixam-me praticamente indiferente. Sei que é estranho mas é o que é. Não sei se é por ter memória de outros ataques, se é porque tudo isto me cansa porque me parece demasiado estúpido. Não sei. A mim parece-me que o único objectivo que interessa na estratégia dos países é o de atingir melhores índices de desenvolvimento, de justiça, de felicidade. Tudo o que seja invadir outros países ou atirar mísseis para cima de outros países parece-me uma aberração, uma coisa inexplicável.

Custa a compreender como ao longo de anos perduram guerras e guerrilhas, espionagens, provocações, ameaças, entre alguns países. Parecem aqueles vizinhos que disputam uma extrema, que se envolvem em discussões, por vezes mortais sobre a posição de um marco ou de uma vedação. Uma irracionalidade absurda, injustificável. Parece-me insultá-los, chamar-lhes burros, trogloditas. Não me apetece preocupar-me com gente assim.

Parece-me que apenas a paz, a cooperação, a livre circulação, a investigação científica orientada para a qualidade de vida e para a preservação do planeta fazem sentido.

Por isso, não vou falar no assunto.

Vou antes falar de algumas pessoas que, aos poucos, por estas bandas, temos vindo a conhecer.  

Quando eu vivia num prédio mal conhecia quem lá vivia. Também é verdade que trabalhava todo o dia. Mas cada um estava no seu apartamento. Lá calhava coincidirmos no elevador mas eram cumprimentos quase de circunstância que duravam até que o elevador parasse para que algum de nós saísse.

Aqui é diferente. As casas estão separadas por jardins e as pessoas também pouco se veem. Uns trabalham todo o dia, outros só veem a estas casas de vez em quando. Ainda assim, há pessoas com quem nos cruzamos quase diariamente e que cumprimentamos já com alguma familiaridade.

O senhor que cuida amorosamente do seu jardim é daqueles com quem mais simpatizo. Todo o seu jardim é um mimo, todo primorosamente arranjado. Não há uma folha caída, não há uma flor ou uma folha seca. E há caminhos de pedrinhas, há vasos harmoniosamente dispostos. Todas as manhãs vai comprar qualquer coisa ao minimercado, presumo que pão ou fruta ou legumes, e vai à papelaria comprar o jornal. Nunca vi a mulher mas o meu marido diz que já a viu algumas vezes, inclusivamente que no outro dia nos cruzámos com eles no supermercado. Devo passar por malcriada porque parece que não reconheço as pessoas quando as vejo fora do local onde as vejo habitualmente. E, como sou míope, para não me pôr a olhar fixamente para as pessoas para ver se conheço ou não, desabituei-me de olhar com atenção. Por isso, não vejo o que o meu marido vê.

Hoje também passou por nós uma ciclista que nos cumprimentou com uma familiaridade que só poderia ser de quem já nos conhecia. A voz não nos foi estranha. Era lusco-fusco e ela ia de capacete. pareceu-nos que entrou para uma certa casa. Se for, ficamos admirados. Naquela casa morava um casal um bocado hippie, ele mais que ela. Aliás, ele é um bocado estranho. Não cumprimenta, passa sempre na dele. Mas ela era uma simpatia. Víamo-lo muito a passear um grande cão. Falava-nos muito bem, muito simpática. Depois desapareceu. Há bem mais de um ano que não a víamos. Pensávamos que se tinha fartado de aturar aquele antipático. Pois hoje pareceu-nos que era ela. 

Também estamos sem saber o que aconteceu a um senhor de idade. Todos os dias, ele e a mulher iam de braço dado até ao café. Tenho ideia que muitas vezes almoçavam por lá e por lá ficavam durante a tarde na conversa com outras pessoas, a senhora a ler o jornal. A senhora cumprimentava-nos com muita simpatia. O marido, quando via a mulher a cumprimentar-nos, também nos cumprimentava. Tínhamos a impressão que o senhor estaria a ficar com alguma demência pois parecia cada vez mais ausente e com mais dificuldade de autonomia no andar. Nunca mais os vimos. No outro dia, vimos a senhora no jardim, só ela. Estava a regar os vasos. Como estava lá mais para o fundo, não deu para perguntar pelo marido. Mas também receamos que a resposta fosse triste.

Depois há uma casa aqui perto de nós. Cumprimentamo-nos muito amistosamente. O meu marido é que os conhece bem. Eu, se os vir fora do contexto, não os reconhecerei de certeza. Há o homem, a mulher, pelo menos uma filha e um filho. Mas a mulher é igual à filha e há o que pensamos ser a namorada do filho e o que pensamos ser o namorado da filha. E há o que pensamos serem amigos do filho e da filha. Ou seja, há sempre um entra e sai de jovens. Mas também pode ser a dona da casa e eu confundi-la com a filha. O único que é mais ou menos inequívoco é o homem.

Sobre os vizinhos de uma das casas ao lado da nossa nem sei que diga. Falo deles no livro 'Um ordenado paraíso'. 

Não conseguimos perceber a dinâmica desta casa nem conseguimos compreender estes personagens. Já aqui viveram diversas pessoas e, de cada vez, é um mistério absoluto. Grande parte do que descrevo no livro é verídico. Há uma mulher, em particular, que quase parece filha do homem, que por vezes parece a empregada dele, outras vezes parece a patroa, e não conseguimos perceber se é brasileira, se é portuguesa, pois tanto fala um brasileiro cerrado como um português de gema. Tudo o que se passa nessa casa vai para além do nosso entendimento. Acredito que um dia ainda hei de escrever outro livro sobre esta casa -- logo que consiga desvendar o verdadeiro mistério. Porque há mistério, lá disso não tenho dúvida. 

Bem. É tarde. Estão os israelitas e os iranianos às turras e estou nisto, a fofocar sobre os vizinhos. Não se faz.

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Um bom sábado

4 comentários:

  1. Pôr do Soljunho 14, 2025

    Parece brincadeira de inconscientes. Lembro-me sempre se querem jogar, joguem a feijões não com a vida de tantos milhões
    Está a humanidade nas mãos de loucos.

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  2. Pelo telemovel já tinha comentado sobre a maldita guerra que parece brincadeira de irresponsaveis. Depois perdi o comentario.
    Lembro-me da canção que diz: se querem jogar, joguem a feijoes, nao com a vida de tantos mlhoes. Está a humanidade nas mãos de loucos.

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  3. Ainda bem que falou daquele seu livro. Espero saber mais sobre os "seus vizinhos"
    Pedro e Helen.
    Não é cusquice, a dinamica de um bairro tambem faz parte de nós, estamos inseridos. O outro casal tambem é muito curioso e um convivio assim mostra como o ser humano é complexo. Não me alargo mais mas aguardo novas sessões de poesia.
    Assim como aguardo há 15 dias que a Amazon entregue mais tres dos seus titulos. Habitualmente são mais rapidos, Amanha vejo o que se passa.
    Bom fim de semana com paz e saude.

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  4. Querida Pôr do Sol,
    Quando vejo estas guerras começarem, penso que alguém há de pôr juízo na cabeça dos malucos e tendo a não me preocupar. O pior é quando vejo que o tempo passa, a destruição de pessoas e cidades continua e ninguém põe juízo na cabeça da gente malvada.
    A guerra só existe entre países governados por homens. Parece que querem provar a sua austeridade. Países governados por mulheres não se metem em guerras. E o pior é que há tanta gente a votar em malucos. Parece que meio mundo gosta de gente doida, violenta, ameaçadora.
    Quanto aos meus vizinhos, pode crer que o que descrevo no livro (tirando a parte picante que me envolve...) é praticamente o que aqui ao lado se passa. Não dá para entender, é tudo contraditório e inexplicável...
    Mas tem razão quanto à dinâmica do bairro. É verdade. E, se a pessoa tem o gostinho da escrita e da ficção, então olhar para os vizinhos tem outro aliciante, dá ideia que dão todos bons personagens de romance.
    Quanto ao Pedro e à Helen... bem... confesso que estou com umas certas saudadinhas daquelas aventuras gostosas... Qualquer dia tenho mesmo que ir ver que é feito deles... (Me aguarde...)
    Saúde e alegria, Sol Nascente. Um abraço !

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