Quando se passa na Avenida de Ceuta não podemos deixar de ver as pessoas magras, por vezes em passo apressado, outras vezes sentadas, meio ao abandono. Agora vedaram a parte de baixo das escadas que era usada para se abrigarem, drogando-se à vista de todos.
Mas não é só na Avenida de Ceuta. Há vários locais em que a triste vida dos viciados está bem à vista. Não sei como é aqueles corpos resistem a tanta provação, não sei como sobrevivem. Mesmo referindo-me a como se sobrevive emocionalmente a vidas sem afecto ou amparo, eu espanto-me. Em muitos casos, percebe-se que era quase inevitável que a vida tivesse seguido um rumo sem destino.
Não é possível salvar toda a gente até porque para uma pessoa ser salva tem que querer ser salva. Sabemos que não há recursos para acudir a todos quantos precisam mas é muito triste que não possamos ouvir todos os que caíram no vício, tratar o seu sofrimento.
Hoje tinha a ideia de vir aqui dizer como é que tinha feito uma sopa de curgete e ervilhas mas vi o testemunho de Jesse, aqui dita Sige. A forma como, muito naturalmente, diz que já morreu, impressionou-me muito.
Já lá vão muitos anos, mas lembro-me de passar no autocarro pelo Casal Ventoso, antes de ter dado lugar aos novos edifícios que foram feitos para permitir a destruição das vielas por onde abundava a miséria. Pelos vistos voltou.
ResponderEliminarA pior imagem que me ficou foi de uma mulher ainda nova. De um lado da cabeça tinha o cabelo comprido, a chegar aos ombros. Do outro lado era rapado, só se via um enorme hematoma.
Fora isso ficou-me a memória de corpos escanzelados e de olhares baços e vazios. Uma tristeza.
Sim, é isso. Os corpos vão resistindo às provações. Corpos magros, picados, feridos, bocas sem dentes, cabeças em que o cabelo se desalinha ou desaparece. Muito triste.
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