segunda-feira, julho 15, 2024

Dias felizes

 

Devo dizer que tenho vivido dias felizes. Com os que me são mais queridos juntos, todos bem dispostos, a conversa a fluir de gosto, todos em volta da mesa, com a casa cheia, com a maluqueira nocturna que me fez rir de gosto, com o madrugar bem mais cedo do que me é habitual, com a alegria de todos... sinceramente, a nível pessoal, não posso querer mais. 

De vez em quando lembro-me do que disseram e dou por mim a rir sozinha. 

Todos têm a sua vida pessoal e profissional (ou escolar), certamente todos terão, de quando em vez, os seus contratempos e preocupações. Mas, como por magia, quando nos encontramos todos, parece que os problemas perdem relevância e a ninguém lembra falar de maçadas.

Estou boa do meu pé. Quase boa. A nível visual está praticamente normal. Claro que, quando olham, ficam um bocado enjoados pois acham-no esquisito. O dedão (e arredores) está a perder a pele. Mas a mim isso não me incomoda nada. Também ainda tem umas manchinhas escuras mas nada de mais. Também já mexo razoavelmente o dedo. Dói-me ainda um pouco mas já não me tira o sono e, na maior parte do tempo, nem me lembro de tal coisa. E da tendinite do ombro que me causou rigidez também já estou quase a cem por cento. Vou eu fazendo uns exercícios e a coisa está a ir ao sítio. Só aqui é que me ponho a falar nisso. Quando estou com a minha turma nem me lembro das chatices que tive nem do que ainda sobra delas. 

Claro que, no meu íntimo, sinto saudades da minha mãe e faz-me muita impressão que tenha sido uma presença tão constante na minha vida e que, como que por artes mágicas, em pouco tempo, se tenha despido de matéria. Era alguém tão presente e agora é apenas memória. E já passaram quase seis meses. Por vezes, parece-me impossível. E no outro dia o meu pai faria anos e, no entanto, ao mesmo tempo, parece que já não existe há imenso tempo, quase como se já não pertencesse à minha vida actual. E não pertence. Mas a verdade é que pertenceu até 2020. 

O tempo tem o seu lado cruel, a vida tem o seu lado de traiçoeira. 

Mas forço-me a manter estes pensamentos no lado adormecido da minha mente. E consigo que isso coexista com a minha alegria em estar viva e rodeada por aqueles que tanto amo.

E depois há as pequenas coisas. Infra-mínimas. Mas que me dão prazer, me motivam, me animam.

Por exemplo: estava com o cabelo comprido que geralmente apanhava em rabo-de-cavalo, muitas vezes dando-lhe uma reviravolta ao alto, para cima. Mas andava com vontade de o transformar. Então hoje, há bocado, fiz assim: estando apanhado num rabo de cavalo alto, como é costume, meti-lhe a tesoura e lá vai disto. Ou seja, agora, depois de cortado, dá para o apanhar na mesma, à tangente mas dá, e, curiosamente, ficou com um escadeado bem curioso. Saiu um monte de cabelo, ficou muito mais leve, e acho que não ficou mau de todo. Ainda lhe dei mais umas duas ou três tesouradas à frente para fazer um degradé mais harmonioso. Já não vou à cabeleireira há anos e fico com pena pois gostava dela e espero que as restantes clientes sejam mais fiéis do que eu. Mas isto de ter a liberdade de fazer coisas assim, na base do 'lá vai disto', faz-me sentir muito bem.

A outra coisa pertence à mesma categoria, a das frioleiras: andava com vontade de usar vestidos compridos mas nada me agradava pois não sou bem o género de intelectual de esquerda daquelas que usam saias compridas, largas e desengraçadas, nem sou exactamente o estilo hippie. Não estava a ver-me como uma maria-pendona. Mas também não queria usar vestidos que parecessem de noite, muito menos de baile de finalistas. Portanto, mantinha-me no classicismo das calças, dos vestidos pelo joelho, e, numa versão mais estival, calções brancos com blusinhas coloridas. Mas finalmente dei o salto. Encontrei o género de que gosto. A minha filha ofereceu-me um, que me assenta de uma forma superconfortável e com o qual gosto mesmo de me ver. E eu comprei os outros. E sinto-me tão bem... Há um que ainda não estreei mas sobre o qual estou com uma boa expectativa: cai como seda, suave, muito leve, é justo em cima mas alarga um pouco para baixo, é super decotado à frente e atrás, de alcinhas finas, e é em cor de coral com pavões gigantes de alto a baixo naqueles tons verdes e azulões. E, para conjugar, tenho um brinco, um único, com uma pena nos mesmos tons. Penso que vai ser exótico e isso agrada-me.

E toda a vida usei brincos discretos. Poderiam ser coloridos e adaptados às toilettes mas nada de exuberâncias. Contudo, andava com vontade de ter brincos ousados, coloridos, incomuns. E descobri-os. Estou mesmo feliz com eles. A ver se amanhã os fotografo para vos mostrar pois acho-os especiais e, sobretudo, os pais da criadora comoveram-me e apetece-me transmitir-lhes o meu carinho.

E ainda mais uma: chapéus. Adoro chapéus. Mas sempre me fiquei por modelos que me parecessem elegantes mas discretos. Provavelmente as pessoas discretas já os achariam algo destacados mas, para mim, estavam aquém do meu gosto intrínseco. Pois vi um que imediatamente chamou a minha atenção. A minha filha, ao vê-lo na loja, disse que todo ele é, em si, um statement. De facto. E não fujo a isso. Mas, ainda assim, receei que fosse demasiado aparatoso. Contudo, acabei por não resistir. Acho-o um espectáculo e sinto-me mesmo feliz quando o ponho. (Não é este. Este aqui ao lado é um que encontrei via google)

Quando era adolescente gostava de modelos originais e de me maquilhar e os meus pais zangavam-se, não queriam que eu desse nas vistas, diziam que não tinha idade para isso. Depois, pela minha profissão, tinha a noção de que não deveria mostrar-me a tender para o radical ou para a desalinhada (até porque era acusada disso). Agora já não tenho que provar nada a ninguém nem tenho que recear as opiniões alheias. Não que me preocupasse com isso mas, enfim, vivia o meu dia a dia integrada numa realidade em que as fugas à regra tendiam a ser mais ou menos vistas como perigosas excentricidades.

Claro que para coroar o bolo só mesmo uma cerejinha a enfeitá-lo: durante a semana fomos, por duas vezes, almoçar a um restaurante veggie. Não me tornei e acho que não me tornarei veggie mas a verdade é que gostámos imenso. Comemos agora muito menos carne, preocupamo-nos cada vez mais com uma alimentação equilibrada e saudável. E o meu filho ofereceu-me um conjunto de alimentos biológicos, saudáveis, e isso agrada-me e atrai-me bastante.

Portanto, apesar de não estar a ir para nova, a verdade é que me sinto cada vez mais disponível para procurar e acolher novidades e para me libertar das poucas peias que já tinha.

E viva a vida.

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Uma semana feliz

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