quinta-feira, junho 06, 2024

Feira do Livro

 

Sou tão velha, mas tão velha, que ainda me lembro de duas coisas revestidas de muita antiguidade:

1. Ir à Feira do Livro com os meus pais. A escolha de livros sempre foi, para mim, coisa muito minha. Ir com os meus pais significa que era uma altura em que ainda não circulava livremente por Lisboa

2. Ir à Feira do Livro na Avenida da Liberdade, tenho quase a certeza que do lado esquerdo de quem desce para o rio.

Ir com os meus pais não era grande coisa pois cada um tem o seu próprio ritmo e eu gostava de ver cada stand e o meu pai não tinha paciência. Mas tenho ideia de que ali era mais fresco. Não tenho ideia de calorões quando a Feira era na Avenida.

Outra coisa que não era fácil era ir com os meus filhos, quando eles eram miúdos. Aí era barra pesada. Claro que eles não queriam ver aquilo que eu queria. Mas, mais do que tudo, eu tinha pavor de perdê-los. Sempre tive. Então tinha que descurar os livros. Sempre que podia fazia assim. Um dia saía um pouco mais cedo e ia lá ao fim da tarde, fazer uma recolha de catálogos. Era tudo tão manual, tão analógico... Depois, nos dias seguintes, fazia pré-selecções e selecções até chegar a uma lista minimamente comportável. Depois, num fim de semana, arranjava maneira deles ficarem com os meus pais e ia lá com o meu marido. Muito dirigidamente, ia para os stands em questão e abastecia-me.

Nessa altura ainda só conhecia a FNAC de Paris. Ainda não tinha chegado cá. Grande e com uma boa oferta, conhecia a Bertrand ao Chiado, cujos saldos também frequentava. Também não havia cá compras online. Ou seja, a Feira era aquele sonho que se materializava uma vez por ano.

Depois tudo mudou. Começaram as grandes livrarias com cartões de desconto e com promoções várias vezes por ano, começaram a proliferar as editoras, multiplicaram-se os livros que são lixo, as celebridades passaram a ser os autores de referência e tudo se mercantilizou de uma forma exuberante.

Estive lá hoje. Stands que não acabam. As grandes editoras têm montes de chancelas, cada um com seu stand. Há editoras que não acabam, muitas de que nunca ouvi falar. Carradas de stands de livros infanto-juvenis. Por onde se passa, há capas e capas e capas numa disputa de cor, brilhos, letras gigantes sobrepondo-se à bonecada. E há stands cheios de caras que a gente conhece das televisões, quiçá até dos Big Brothers desta vida.

Isto já paar não falar nos stands dados à religião, seja lá o que isso for pois há religiões também para todos os gostos.

Isso e barraquinhas de comes e bebes. Lá em cima, a ligar as duas alas, há um plateau grande, um deck em que estão muitas esplanadas e quiosques de toda a espécie e do qual se tem uma vista fantástica. Provavelmente, está-se lá lindamente. Mas como essa não é a minha praia nunca lá parei. 

E podem chamar-me preconceituosa mas há uma coisa que me incomoda um bocado: andar a ver livros e cheirar-me a bifanas ou a feira popular. Mas pode ser do calor que parece que sinto sempre quando lá ando. 

Conclusão: comprámos uns quantos livros. O meu marido comprou dois e eu sete. 

Ando numa fase em que gosto de ler memórias, apontamentos pessoais, diários, cartas. Parece que é aí que está verdadeiramente a essência dos escritores. Também comprei um livro de contos e outro que é uma espécie de biografia. E digo 'espécie' pois não sei bem se é biografia ou se é uma ficção em torno de uma biografia. 

Vinha cheia de vontade de os folhear a todos mas estou assim, ou velha ou ainda com algumas sequelas covid. Sentei-me no sofá e adormeci. Parece que nunca mais me curo deste sono que, volta e meia, se abate sobre mim. Tinha dormido menos de noite, é certo, mas durante toda a vida dormi pouquíssimo e aguentava todo o dia sem ter necessidade de dormir a meio da tarde. Mas não sei se foi o défice da noite, se foi por andar na Feira para cima e para baixo cheia de calor, a verdade é que adormeci profundamente. Acordei com o meu marido a chamar-me para irmos fazer a nossa caminhada de fim de dia. Portanto, ainda não os folhei. Leitora degenerada.

Só mais uma coisa: apanhámos, de passagem, a Grande Entrevista com o José Gameiro. Muito interessante. O sentido de humor, a graça e a leveza com que ele fala de temas potencialmente sensíveis torna a conversa estimulante. E o Vítor Gonçalves é um bom entrevistador. Ouve, é oportuno, dá tempo. O tema foi a infidelidade. Quem não viu e possa pôr a box a andar para trás, penso que se justifica.

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