Ao aparecer-me um dos vídeos que partilho abaixo lembrei-me daquele meu extraordinário colega a quem estou em dívida quanto a um telefonema. É das pessoas mais desconcertantes que já conheci.
Começa-se a falar com ele e, de início, não se percebe que há ali qualquer coisa de especial. Ou melhor, perceber até se percebe, não se percebe é o quê. Aliás, eu própria comecei por dizer que achava que havia ali qualquer coisa que não batia certo. Não sabia definir o quê mas intuía que qualquer peça, naquela cabeça, parecia estar um bocado fora do sítio.
Mas, por acaso, no bom sentido.
Muito inteligente, de uma inteligência rápida e bastante holística. Mas, mais do que a nível profissional, era nas conversas sobre outros temas que se percebia que estávamos em presença de uma pessoa incomum.
Sobre história, sabia tudo. Mas, quando digo tudo, quero dizer tudo, mesmo tudo. Com nomes, com datas, com locais. Sobre qualquer assunto, o conhecimento dele era infinito e relacional.
Mas a nível de literatura, no que lhe interessava, também nunca conheci ninguém, assim. Ele sabe os títulos, as editoras, as datas das edições e, mais que isso, ele sabia partes inteiras de cor. Não sei, porque nunca ousei testar, se não saberia os livros inteiros de cor. Dos livros não portugueses que lhe agradam, ele conhece as várias traduções, compara-as, tem preferências.
Em poesia, do que gosta, sabe não sei quantos poemas de cor e, por exemplo, no caso de Borges, não apenas os sabe em português como os sabe no original.
A nível político, falar com ele é quase diabólico pois lembra-se de cada peripécia que envolva um e outro, acordos, derrapagens, passos em falso, notícias que saíram, resultados das eleições, ano a ano. Nem sei. Tudo.
Contudo, a nível profissional, sendo um trabalhador incansável, não é, contudo, apreciado. O problema é que se torna compulsivo. É capaz de refazer dezenas de vezes um relatório ou uma apresentação pois descobre sempre qualquer coisa a melhorar. É frequente, no meio disso, perder-se nas versões e já não saber a quantas anda. Acontecia, em reuniões, em vez de ter enviado a apresentação de véspera como era habitual, só a enviar de madrugada, por vezes de manhã muito cedo, evidenciando que tinha estado toda a noite de volta daquilo e, no fim, por vezes acontecia enganar-se e enviar a versão errada.
Os subordinados impacientavam-se com ele. Uma arranjou uma depressão e saiu da empresa em total estado de desespero. Já não conseguia aguentá-lo pois ele exigia-lhe a perfeição mas uma perfeição tão exagerada que chegava a ser irracional.
Sendo pessoa com saberes enciclopédicos, era, no entanto, incapaz de fixar os nomes de algumas pessoas com quem lidava mais de perto e que, por algum motivo, ele achava que eram pessoas sem valor acrescentado. Causava embaraço ver como ignorava o nome de pessoas com quem trabalhava todos os dias desde há que tempos. Mas não era só o nome, eram as próprias funções. Não conseguia fixar o que faziam nem como se chamavam e, por ele, podiam sair da empresa que nem daria pela diferença. As pessoas só não se sentiam lixo pois conheciam as suas particularidades, alguém cuja 'normalidade' era muito discutível.
Acontecia também, quando contrariado, ter fúrias, atitudes despropositadamente agressivas que deixavam toda a gente perplexa. Sendo uma pessoa educadíssima, gentilíssima, de repente, por coisas de nada, ficava possesso, inconveniente, gritava e, no meio de reacções explosivas, na prática mandava as pessoas embora. 'Saia da minha frente!', 'Vá para casa e não volte a aparecer!'.
Depois caía nele, aceitava bem as críticas, e acabava arrependido e a pedir desculpa. Mas eu percebia que era qualquer coisa que fugia ao controlo dele.
Do que lhe conheci, não tinha vida afectiva apesar de ser uma simpatia. Mas tudo nele era tão excessivo, tão obsessivo e tão desconcertante que dificilmente arranjaria alguém que conseguisse viver uma vida partilhada com ele.
Depois de muito termos especulado entre nós que raio de pancada ele teria, acabámos por acordar que, muito provavelmente, será um savant.
Tive divergências profissionais com ele resultantes da sua forma obsessiva e compulsiva de lidar com as situações. Mas sempre as superei pois os seus lados positivos superavam os negativos. Pessoalmente sempre me dei muito bem com ele, éramos amigos, sempre houve do meu lado muita empatia pois conseguia perceber como, sendo ele como era, vivia as situações.
E o que posso dizer é que pessoas assim são fascinantes... e um desafio para os outros.
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E pagam bem o pato. Passam logo por caloteiros, bêbedos, p..eiros, e se mais não houver, malucos, categoria genérica que cobre tudo. Se quiser lixar alguém é só dizer que o pobre diabo é muito inteligente. Está feito. Bom bom é o bom rapaz. Essa é a qualidade mais apreciada. Alguém que saia fora do baralho só tem um caminho: Lisbon International Airport.
ResponderEliminarQuem é que era a grande pianista? A maluca não! Essa pode tocar em todas as salas de concerto por esse mundo fora. De quem gostamos é daquele que toca nas sociedades recriativas.
Quem é que é o grande escritor? Não é o Nobel, comunista horroroso e nem sequer tinha curso. Bom bom é aquele que até é de boa família.
E por aí. O país está cheio.
Pensando bem, bom bom é aquele que ainda consegue sacar umas massas aos parvos de Bruxelas para que isto não seja o Burkina Faso.
Bom, bom foi o último parágrafo do comentário
ResponderEliminar😂