sexta-feira, fevereiro 23, 2024

Depois de uma noite mal dormida, dia de caça ao tesouro. E de saudades.

 

A senhora que ajudou a tratar o meu pai e que, depois da morte dele, muito por minha insistência, continuou a ir duas vezes por dia a casa da minha mãe para ver se estava tudo bem e que a ajudava nas compras, e a quem continuo a pedir ajuda, encontrou uma chave que consegue abrir um dos móveis do corredor. Consegue perceber-se que numa das portas há uma chave partida e as outras estavam fechadas sem que soubéssemos onde estava a chave. E eu não fazia ideia do que lá estava dentro.

Mas ela ligou-me a dizer que a chave da portinha da estante da televisão conseguia abrir a porta desse tal móvel e hoje estive de volta dele. Tudo uma arca de mil tesouros, não tanto pelo valor das coisas mas pelo inesperado de muito do que lá vou descobrindo.

O móvel é grande pelo que lá achei de um tudo. Desde logo muitos sacos de lãs. Lãs finas, grossas, fios. De todas as cores. Acondicionei em grandes sacos para as trazer. Não vou deitar fora. Se um dia me der para fazer mantas de crochet tenho ali material para as fazer de todas cores, tamanhos e feitios. Encontrei também um pano grande, muito colorido e, em minha opinião, muito bonito. Creio que se chama capulana. Comprei-o há mil anos em Angola. Pensei em usá-lo como toalha de mesa grande ou coberta para a cama ou para pôr num sofá. Hoje poderia usá-lo para estender na areia ou na relva. Nunca mais me tinha lembrado dele. Gostei de vê-lo. Trouxe-o e irei dar-lhe uso. Encontrei também uma pequena boneca de louça algo bizarra. Gostei. Há ela qualquer coisa de inocente e, ao mesmo tempo, exótico, talvez até trágico. 

E tantas coisas mais. Por exemplo uma garrafa alta, de vidro, em azul. Lembro-me de adorar a elegância daquela garrafa polifacetada. Não a trouxe porque agora estamos numa de livros e o carro já estava a deitar por fora.

Ah, sim, trouxemos outra coisa. Na varanda das traseiras, a minha mãe tinha dois pequenos cadeirões e uma pequena mesa, tudo de verga, que a minha mãe tinha pintado de azul claro. E fez-lhes umas almofadas claras, floridas. Estava muitas vezes ali sentada a apanhar sol e a ler ou a fazer tricot. Mas aquilo tem muitos anos. Há fotografias com os miúdos, ainda bebés, ali de pé, agarrados aos cadeirões ou às mesas. E neste momento estou a ver uma fotografia minha com a minha filha ao colo, teria ela talvez com um ou dois meses. Estou sentada ali, quando ainda estavam na sua cor natural. Por tudo o que recordo, quis trazer aqui para o nosso terraço. Há muitas memórias boas associadas a estes cadeirões e a esta mesinha. 

Mas claro que, com tudo isso, o carro veio a deitar por fora e o meu marido bastante contrariado.

Ainda consegui trazer um quadro que o meu tio fez para oferecer aos meus pais. Sei como o fez com gosto, com carinho. Sei como ele ficará feliz quando souber que está agora aqui em casa. 

Deixei lá, para a senhora ver se quer aproveitar alguma coisa ou dar, muitos sapatos da minha mãe, muita roupa de quando os meus filhos eram pequenos, algumas malas. Ela apareceu lá e eu disse que se calhar ela não ia aproveitar nada daquilo mas ela disse que eu lá deixasse que ela logo via. Agradeço-lhe muito por isso pois, como já o disse, isso retira-me muito do peso de me desfazer de algumas coisas.

Ainda lá há mil coisas a que tenho que dar destino. Para já, infinitos livros... E ainda não me aproximei da cozinha, da despensa, que está compacta, muitas prateleiras e prateleirinhas, com rendinhas e cortininhas, e lá, infinitos objectos, uma coisa quase assustadora. Nem sei o que fazer a tudo o que está no roupeiro grande do corredor...

Quando vimos de lá, vimos cansados. E eu parece que, nestas situações, não faço ideia porquê, fico desidratada e com a tensão baixa. Ou seja, isto esgota-me um bocado. 

Ainda por cima, a noite passada tive uma insónia das antigas, horrível, e, no pouco tempo dormido, tive pesadelos. Sonhei que estávamos a empacotar louça, copos, com todo o cuidado para nada se partir, mas, no dia seguinte, eu via tudo partido, mas partido intencionalmente. Acordava aflita, sem saber quem estava a fazer aquilo, sem saber como proteger as coisas, com vontade de chorar por ver que coisas tão queridas pela minha mãe estavam a ser destruídas.

E, ao acordar, pensava que já faz um mês que ela morreu. E punha-me a pensar em muitas das coisas em que ainda me custa a acreditar, a perceber, a aceitar. E, portanto, custava-me a voltar a adormecer.

Por isso, hoje estou muito sem energia, muito exausta.

Por vezes tenho a estranha impressão de que foi há muito tempo que a minha mãe morreu. Uma coisa longínqua, num outro tempo, numa outra vida. Mas, muitas outras vezes, sinto o oposto, parece-me que está na hora de lhe ligar ou penso que não posso esquecer-me de lhe contar isto ou aquilo. Por exemplo, ao conversar com a minha prima, ela disse-me algumas coisas que eu pensei que a minha mãe gostaria de saber e deveria ter a resposta para algumas dúvidas que se levantaram durante a conversa. E, então, percebo que esse tempo acabou. Não mais falarei com a minha mãe. E isso parece-me mentira, uma mentira em que ninguém consegue acreditar.

O meu marido pergunta-me se não seria preferível eu ir falar com aquela psicóloga que me caçou no hospital e com quem falei algumas vezes. Não sei. Penso que é um percurso que eu terei que fazer por mim e que qualquer dia já terei assimilado (ou interiorizado) tudo o que sucedeu, aceitando que o que aconteceu algum dia teria que acontecer.

A minha filha hoje perguntou a mesma coisa, diz que talvez falar com a psicóloga me ajude a arrumar os assuntos. Diz que não faz sentido eu continuar a querer perceber as decisões e as atitudes da minha mãe, que foi o que foi, que nada a fazer, que já não adianta compreender ou deixar de compreender. Bem sei. 

Mas, se continuar com o sono alterado ou a dar por mim a querer recordar as conversas com a minha mãe a ver se descubro algum indício a que deveria ter prestado atenção e não prestei, se calhar irei mesmo bater à porta da psicóloga. É que uma coisa é o pensamento racional e outra são os desvios por onde, involuntariamente e volta e meia, se tresmalham as nossas ideias.

Enfim...

Penso que aqueles pesadelos tiveram a ver com o quanto eu sei que a minha mãe estimava as suas coisas, gostava de ter sempre tudo muito ao seu gosto, tudo bem cuidado. E sei que ela gostaria de saber que quero continuar a dar uso a algumas das suas coisas, que continuarei a estimá-las, que direi 'isto veio de casa dos meus pais, foi a minha mãe que pintou', ou 'estas almofadas foi a minha mãe que as fez'. 

Mas, como já contei, preservar e trazer as coisas cá para casa é um exercício de equilíbrio pois tenho que encontrar uma forma harmoniosa de as integrar, sem desvirtuar o nosso 'estilo' . 

E tenho que agradecer ao meu marido pois tem arrumado e carregado coisas e coisas e coisas, sacos e sacos e infinitos sacos e caixotes, tudo pesadíssimo. Isto apesar de, por ele, não trazer nada, não querer nada. 

Esta tarefa, de facto, é espinhosa. Se calhar deveria ter deixado passar mais algum tempo, se calhar deveria ter descansado mais a cabeça. Mas parece que me custa pensar que as coisas da minha mãe estão ao 'abandono', inúteis, esquecidas e, por isso, quero distribui-las, acolhê-las. E digo da 'minha mãe' pois desde há muitos anos, desde que o meu pai teve o AVC, a minha mãe é que geria integralmente a casa. Mas ainda haveremos chegar ao território privado do meu pai: o sótão (que o meu filho irá explorar pois deve haver ferramentas e se calhar uma bancada de trabalho), a casinha do quintal (que não sei o que tem) e a adega que ele fez debaixo da escada, segundo ele num lugar em que a temperatura e a humidade preservavam a qualidade do vinho.

Bem. Já chega. Tenho ideia que a escrita anda para aqui às voltas mas tenho sono demais para tentar voltar atrás para a enfiar nos eixos. Sinto-me cansada. 

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E, uma vez mais, já que estou numa de coisas da casa, partilho um vídeo que mostra uma casa muito interessante. Ao ver casas assim, sinto-me inspirada. Há aqui ideias muito engraçadas, criativas e acolhedoras. Espero que também gostem.

Touring a MASSIVE NYC Loft Apartment | Michelle Pham

Welcome to Michelle's STUNNING loft in heart heart of Flatiron, Manhattan! This inspiring and unique home is filled with endless art, DIY projects and decor from around the world that brings such a welcoming feel to the space. There are so many incredibly thoughtful details throughout the apartment that you can't miss. Make sure to take all the inspiration for your own space


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Desejo-vos uma sexta-feira feliz

Saúde. Serenidade. Paz.

4 comentários:


  1. Há 37 anos, Zeca zarpou.

    https://www.youtube.com/watch?v=Mi7Gm5wSZH0

    https://www.youtube.com/watch?v=hH3Qyy53t1w&list=RDEMGkSZ9Z2zEstK4a2PtApyXg&index=33

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  2. Mantém-se muito actual, será sempre actual, será sempre um moderno. Gosto muito da segunda que aqui colocou.

    Um bom sábado!

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  3. Olá. Passei por isso tudo: desmanchar a casa dos meus pais, encher a minha de coisas precisamente por querer manter a memória e o mundo de minha mãe. Hoje não vivo bem com a ideia de as coisas, que são apenas isso, coisas, estarem ali inertes, pouco uso dado a algumas, tudo misturado com os pensamentos e com a inexistência de alguém a quem possa perguntar isto e aquilo, enfim, ou envelhecer é muito assim, ou nada vale a pena! Coisas para quê? Cumprimentos, Luísa Santos

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  4. Olá Luísa,

    Pois é, uma parte de mim pensa isso. Mas, por outro lado, custa-me pensar que a minha mãe fazia tanto gosto naquelas suas coisas que me custa desfazer-me delas. Mas, de facto, vamos acumulando coisas a que não se vai dar uso...

    Mas sabe? Cresci a ouvir os meus pais queixarem-se das respectivas mães por serem tão despegadas, desfaziam-se de tudo sem contemplações, sem quererem saber da opinião dos filhos. Quando davam por ela já elas se tinham desfeito de coisas que eles achavam que deviam ser preservadas (no caso da minha avó paterna, por um exemplo, uma propriedade grande no Algarve, dizem que muito bonita, atravessada por um ribeiro, com uma casa; no caso da minha avó materna, móveis bonitos, antigos, elegantes, louças, livros). Sei como o meu pai lamentava o que a mãe tinha feito tal como a minha mãe toda a vida lamentou aquilo de que a mãe se desfez (incluindo um caderno em que ela guardava uma folha com um poema que o Sebastião da Gama lhe tinha feito).

    Talvez por isso, tento não fazer aquilo de que eles se queixavam. Mas é absurdo... Eles já cá não estão... e eu estou a acumular coisas que um dia os meus filhos vão ficar doidos sem saber o que fazer a tanta tralha.

    Não é fácil...

    (Aliás, não sei como vou conseguir tirar tudo de casa dos meus pais... tanta, tanta coisa... quase um desespero...)

    Um abraço, Luísa. E obrigada pela partilha da sua experiência.

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