quarta-feira, janeiro 31, 2024

Passinho a passinho...

 

E, portanto, lá fui de novo. 

Ao dirigir-me para o dito balcão fui interceptada: Tem senha? 

E eu, já começando a temer algum novo contratempo: Ontem disseram-me que, para aquele balcão, não era precisa.

E a funcionária, depois de eu lhe dizer que ia para os registos: Mas tem marcação?

E eu, já a perceber que tinha razão para estar assustada: Marcação? Não... Mas marcação como? Ontem disseram-me que primeiro tinha que ir às Finanças mas nas Finanças disseram-me que não, que primeiro era mesmo nos Registos. Estou a vir...

Ela, a olhar para mim como se eu fosse um caso perdido: Mas não pode vir sem marcação...

E eu, quase com vontade de implorar: Mas marco como? Onde? Tiro alguma senha...?

Ela, olhando-me de alto a baixo, tentando avaliar a dimensão da minha ignorância, e concluindo que mais valia ser empática: Olhe, venha comigo...

Lá fui. Chegando à zona dos Registos, disse-me: Espere aqui que vou ver se peço a uma colega para vir ajudá-la.

Agradeci. E ali fiquei de pé, nem sentada ao balcão como os que estavam a ser atendidos nem sentada na sala de espera como os que estavam a aguardar a sua vez. A que tinha ido comigo desapareceu lá para dentro. Depois vi uma outra a uma porta, a espreitar, e a que me tinha escoltado a apontar para mim. Eu a ver-me, indigente, sem saber bem ao que ia, sem saber bem o que fazer.

A primeira despediu-se amavelmente de mim, deixando-me ao cuidado da que veio de lá de dentro.

Esta olhou-me com ar circunspecto. Depois disparou à queima-roupa: Quem é que morreu?

Eu, ar certamente muito infeliz: A minha mãe.

E ela: Qual era o estado civil dela?

E eu, obediente embora sem atingir a pertinência da pergunta: Viúva...

E ela, séria, profissional da cabeça aos pés, como se a querer medir a dimensão do meu desconhecimento: E, na altura, ela tratou da habilitação de herdeiros?

Eu, já aflita: Não sei ao certo. 

Ela, categórica: Não sabe? É que faz toda a diferença. Se não fez, primeiro terá que fazer a habilitação de herdeiros do seu pai. Depois é que pode fazer a da sua mãe.

Vi a vida a andar para trás. Tentei reconstituir: Foi na altura Covid, eu tratei nas Finanças online e a minha mãe fez qualquer coisa que tinha que ser ela a fazer e que tinha que ser presencial. Seria isso?

Ela, como quem começava a perceber que tinha que falar comigo como com uma criança de cinco anos: O que se faz nas Finanças não tem nada a ver com a habilitação de herdeiros.

Puxei pela cabeça mas sem me lembrar de ter visto nenhum documento com esse nome. 

Ela, com ar de quem estava disponível para vir em meu socorro: E a certidão de óbito tem aí consigo?

Eu: Tenho.

Ela: Então dê-me cá que eu vou ver se descubro.

E lá foi para dentro com o papel na mão.

Passado um bocado, apareceu, ar satisfeito: Fez, sim senhora.

Respirei de alívio. 

Ela, diligente: Tem aí o seu Cartão de Cidadão?

Eu, satisfeita por conseguir responder sem hesitação: Claro.

E ela, com ar de quem me põe à prova: E o da sua mãe....? Também tem?

Eu, aliviada por estar a sair-me bem: Também tenho.

Ela, toda executiva: Dê cá.

Nem questionei, dei logo. 

Fotocopiou e veio ter comigo: Diga-me a sua morada. E o seu telemóvel.

Obedeci, sentindo-me agradecida por ela ser tão prestável e por eu ir ficar despachada. Pensei que ela ia fazer a dita habilitação.

Mas eis que ela me pergunta se num dado dia a uma determinada hora estou disponível. Percebi, então, que não estávamos a tratar da dita habilitação mas do seu agendamento.

Confirmei a minha disponibilidade. 

Ela, demonstrando que achava que a minha cabeça é mais pequenina que a de um pombo: Mas não aponta...?

Eu: Não é preciso, eu não me esqueço.

Ela, cheia de dúvidas: Tem a certeza? Não é melhor escrever aí num sítio qualquer?

Eu: Não, não me esqueço.

Agradeci. Quando estava a dar meia volta, regredi: Mas e a certidão de óbito? Fica cá?

Ela: Sim, querida. Depois dou-lhe.

Eu, imaginando o documento perdido no meio daquela miríade de papelada que por ali circula: Mas não se perde...? Não tenho cópia...

Ela: Não, querida, não se perde, vá descansada.

E eu, parecendo que não, vim de lá contente. Parece que o primeiro passo está a caminho de ser dado. Pode parecer absurdo da minha parte mas, como expliquei antes, este mundo burocrático assusta-me, receio não ser capaz de arranjar tudo o que me pedem ou não conseguir arranjar a tempo de cumprir todos os prazos. Portanto, pelo menos já consegui fazer um agendamento.

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E estou a ler um livro extraordinário, daqueles livros que a gente, quando os lê, percebe que quase tudo o resto que anda a ler é coisa pouca, volátil. Este é literatura, é memória, é carne viva, é inteligência, é sensibilidade.

O próprio prefácio é uma preciosidade. Assina-o Eduardo Prado Coelho. 

A ver se avanço mais na leitura para falar dele, talvez transcrever algumas passagens. O que é bom é para ser partilhado.

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Um dia bom

Saúde. Coragem. Paz.

4 comentários:

  1. UJM
    Depois da habilitação de herdeiros, e inscrição do imóvel nas finanças, o calvário não acabou. Ainda falta a via sacra nos departamentos da Câmara, com as licenças de habitabilidade caso o imóvel seja depois de 1957, ou feitas obras depois desta data salvo erro, mais apresentação de projeto energético por um Engº eletrotécnico quer para aluguer, quer para venda, e mais uma ou outra declaração, e mapa de implantação do imóvel se está ou não em perímetro de monumentos nacionais etc. Enfim, também com a morte dos meus pais , como herdeiro dos imóveis percorri essa monumental burocrata e interminável caminhada. Mas com paciência chega ao fim "vivinha da silva. Creia.

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  2. Qual papel ?

    https://youtu.be/L86T-_77Wi8

    Já era assim no tempo dos romanos.

    https://youtu.be/ZgOFSPR2Mhs

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  3. Ai Ccastanho não me assuste... Só de pensar nessas odisseias burocráticas em que parece que debaixo de cada pedra aparece uma minhoca até fico doente...

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  4. Olá Anónim@

    Pois, é: 'O papel.', 'Qual papel?', 'O papel'... Tal e qual...

    Quanto aos romanos... quem diria?

    Já me fez rir.

    Obrigada.

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